[PC] WARCRAFT: Orcs and Humans (Novembro de 1994) [#746]
Quando eu digo que Duna não é apenas o melhor livro já escrito como também mudou toda cultura ocidental para sempre, vocês acham que eu estou exagerando. Mas eu não estou, e eu tenho os números para provar! Okay, talvez não números duros, mas tenho a minha opinião tirada da bunda, que vale tanto quanto - provavelmente mais.
Como eu já tinha citado antes quando falei de DUNE: The Battle for Arrakis tinha comentado que não apenas o livro mudou o papel da ficção cientifica na literatura (passando do status de literatura trash barata para abordar questões filosoficas e propostas artisticas) e no cinema (com o time que se reuniu para fazer o filme de Duna basicamente tendo moldado o cinema nas proximas decadas com Alien, Terminator e Blade Runner, além de ser basicamente o que George Lucas copiou para Star Wars). Porém o mais relevante a esse blog é que em 1993 a Westwood decidiu fazer uma coisa louca: juntar os board games eletronicos de coletar recursos e conquistar territórios em turnos como SID MEYER'S CIVILIZATION com os wargames de controlar tropinhas.
Nascia assim DUNE: The Battle for Arrakis (ou Dune 2), o primeiro Real Time Strategy onde você tinha que coletar recursos para construir as suas bases e unidades e então com isso meter o pipoco nas unidades adversárias. O segundo jogo de Duna foi um grande sucesso e impressionou muitos micromaniacos (fãs de microcomputadores segundo a Ação Games, não pessoas pequenas hiperativas).
Entre eles estavam os caras Blizzard, que entre um freela bosta e outro (sério, eles faziam uns roles muito aleatórios para pagar as contas, tipo o port de JUSTICE LEAGUE TASK FORCE para Super Nintendo), jogavam Dune 2 e sonhavam com um hit gigantesco para chamar de seu.
Não me entenda errado, ROCK'N ROLL RACING e THE LOST VIKINGS são jogos muito bons em suas próprias propostas, mas a Blizzard ainda precisava dar aquele passo a mais para subir de prateleira. Para ser uma empresa do nível da Capcom, da Konami ou da Lucas Arts, ser de OTO PATAMÁ.
Foi aí que Bill Roper e Patrick Wyatt estavam lá, de boas, fumando seu beckzinho e jogando Dune 2 quando tiveram um daqueles insights da marijuana:
- Cara, esse jogo é muito legal. Eu gostaria que houvessem mais jogos como esses, não é tipo estranho que ninguém mais tenha feito outro um jogo do tipo?
- Totalmente, meu mais certamente correto dude. Pena que nenhuma empresa de games decidiu fazer mais jogos como esse.
- Meu... wow... acabei de ter a ideia mais louca ever! Olha só, me escuta só, a gente não é tipo uma empresa que faz jogos? A gente totalmente devia fazer um jogo assim, cara!
- Totalmente, meu bodalicoso dude!
Apenas jogando fatos
E assim nasceu a ideia da Blizzard de fazer um RTS para chamar de seu. A ideia original deles era fazer uma adaptação de Warhammer para videogames, já que Warhammer é praticamente o Jojo's Bizarre Adventure dos wargames com homões enormes fazendo coisas másculas de homões realmente grandes - e por isso mesmo uma paixão desenfreada dos nerds.
Oh, aproposito a versão mais popular de Warhammer é Warhammer 40k, que é sobre uma facção de zealots religiosos servindo insanamente um Deus-Imperador. Porque, novamente, você não consegue dar dois passos para longe de Duna na ficção científica e isso é um fato aritimético.
Bem, seja como for, a Blizzard considerou seriamente fazer um jogo de Warhammer como RTS, mas então depois de pensar muito (e muitas bitucas de baseado depois) decidiu que não. Eles decidiram que ao invés de adaptar uma IP, eles iriam criar o seu próprio mundo de fantasia medieval - embora o estilo visual de Warhammer com todo mundo muito jojonicamente grande é algo que acabou ficando dessa época.
Hmm, me pergunto que fim será que levou essa ideia de criar o seu próprio mundo de fantasia, acho que não deve ter dado em nada...
Se você perguntar a qualquer pessoa hoje, o defining trait pelo qual Warcraft é mais lembrado é a divisão entre as facções. Você escolhe um time e veste a camisa da sua facção, ou você é Horda, ou você é Aliança, ou você é um comedor de quiche sem moral e sua mãe tem vergonha de você. Apelar para o tribalismo do ser humano é uma das formulas mais bem sucedidas do entretenimento (nesse momento JK Rowling deve estar comprando outro país com a fortuna ganha explorando, entre outras coisas, justamente isso).
Enfim, a coisa de "nós contra eles" é um ponto-chave pivotal de Warcraft, isso todo mundo sabe. O que menos gente sabe é que esse conceito não apenas está enraízado desde o primeiro jogo, como é a própria fundação sobre a qual Warcraft foi construído. Ao ponto que a Blizzard criou dois manuais para esse jogo, um contando do ponto de vista dos humanos e como eles estão lutando uma luta nobre contra invasores monstruosos, e outro do ponto de vista dos Orcs que estão fazendo o que é preciso para sobreviver.
Eu nunca vi nada do tipo em um jogo de videogame, e é realmente impressionante o quanto a Blizzard estava disposta a ir aquela milha extra para entregar uma experiencia única e cuidadosa ao jogador... o que é algo bem estranho de se dizer hoje em dia, mas divago. Seja como for, cada manual cobre não apenas o lore como as mecanicas de cada uma das facções - que, como você pode imaginar, tem campanhas separadas no jogo.
Bem, não realmente separadas porque elas se costuram de certa forma. Por exemplo, na segunda missão os orcs vc tem que raidear e destruir a cidade de Grand Hammlet, enquanto na segunda missão dos humanos você tem que defender a dita cidade. Alias em Warcraft 2 - lançado um ano depois - se estabeleceu que a campanha dos Orcs é a canonica e portanto considerada para o resto das séries, embora muitos eventos da campanha dos humanos tenham sido mantidos também.
O que nos leva ao lore de Warcraft e... bem, eu acho que não preciso entrar nessa história realmente. Quer dizer, existem literalmente livros e livros e livros sobre isso, um filme, umas mil e quinhentas horas de cutscenes. Se você não sabe de cor a essa altura, não tem muito o que eu posso fazer para te ajudar.
E eu não vou nem trazer as big guns, falar da sultanesa... bem, little guns nesse caso
O que eu posso dizer, de maneira geral, é que o jogo cobre basicamente a primeira guerra entre orcs e humanos. A campanha dos Orcs vai desde estabelecer os primeiros acampamentos até terminar com a raid em Stormwind que culminou com a fuga da corte humana para Lordaeron e o seu personagem, Orgrim Martelo da Perdição matando o Blackhand e se tornando o novo warchief da Horda.
Como eu disse, em WarCraft 2 depois seria revelado que a campanha canônica foi a dos Orcs, nas muitas missões da campanha Humana foram mantidas como canônicas, como o assassinato do rei Llane pela espiã orc Garona e a quest para matar o Medivh.
Orgrim não sabe quem você é, mas sabe o que precisa ser feito
É até estranho dizer isso hoje, mas essa foi uma época que os caras da Blizzard realmente se importavam com a história e realmente queriam chegar em algum lugar com ela, apesar das limitações tecnicas da época. O jogo não tem cutscenes exuberantes - apenas rolagem de texto - e quase tudo está mais no manual do que no jogo realmente. O que não é exatamente extasiante, mas é compreensível. É assim que as coisas eram naquele tempo e o que importa é que eles estavam com o coração no lugar certo.
Mas isso é quanto ao conceito e a apresentação, mas... e o jogo?
Bem, vamos colocar assim: enquanto estavam jogando Dune 2, embora tenham adorado o jogo, os caras da Blizzard realmente se divertiram jogando, eles acharam que o jogo era pouco amigavel para usuarios mais casuais e eu totalmente consigo entender da onde isso vem. Dune 2 não tem um tutorial, tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo (além das suas construções tomarem dano pelo clima de Arrakis, você ainda tem que cuidar com os minhocões do deserto) e em algumas missões são três facções lutando ao mesmo tempo. É um bom jogo para a primeira experiencia de um genero, mas também é intimidador e caótico.
Por isso eles decidiram fazer Warcraft um jogo mais amigavel para introduzir as pessoas ao RTS. O que quer dizer que não apenas ele tem uma missão inicial exclusivamente de tutorial para ensinar as mecanicas básicas do jogo (o que é bom), como que ele é lento (o que é menos bom). Mas leeeeeeeeeento mesmo comparado com outros jogos da época (o que no caso seria Dune 2, não tinham outros RTS ainda).
Agora, eu estou dividido quanto a isso. Por um lado, hoje isso torna o primeiro Warcraft muito dificil de jogar porque tudo acontece beeeeem lentamente, por outro a Blizzard estava ensinando jogadores a jogar um genero inteiramente novo de jogos e eu consigo ver o mérito disso.
O problema principal é que tudo acontece muito lentamente: suas unidades caminham devagar, as pesquisas para aprimorar suas unidades são devagar e mais importante que tudo, coletar recursos é devagar. Em uma experiencia tipica de Warcraft o que você vai fazer é encontrar a mina de ouro mais rápido possível, e então mandar seus peões coletarem recursos. A cada tantos minutos você vai ter recursos para construir UMA unidade. E se você está jogando com os orcs é pior ainda, porque os Orcs não tem nenhuma classe que cura então se essa unidade que você passou minutos para conseguir tomar dano, bem, ela vai ficar com dano mesmo (ao menos os humanos tem clérigos que curam).
Adicione a isso controles menos intuitivos do que você poderia esperar: não dá pra clicar e arrastar para selecionar mais de uma unidade de cada vez, e embora seja possível formar "partys" de até quatro personagens para move-los juntos usanco CTRL, não é exatamente ideal gerenciar um exército de 20, 30 caras clicando um por um. Tal como o Naruto, Warcraft pode ser um pouco duro as vezes.
Mas sabe, eu não quero ser muito duro com esse jogo. Porque não é apenas que a Blizzard estava ensinando os jogadores como jogar um RTS, eles estavam aprendendo a fazer também - mais uma vez, esse é basicamente o segundo RTS ever. Isso quer dizer que algumas arestas duras são esperadas, seja na velocidade do gerenciamento da coisa, seja na quantidade absurda de microgerenciamento que uma batalha grande exige (embora em Dune 2 vc só possa selecionar uma unidade de cada vez, o jogo foi desenhado em torno de vc só controlar uma unidade então é menos pior que microgerenciar sua party aqui), seja no desbalanceio entre as classes.
Especialmente depois que conjuradores se tornam disponiveis, o jogo basicamente é sobre quem consegue summonar a maior quantidade de monstros para atirar na cidade do seu inimigo já que monstros conjurados são ridiculamente baratos de fazer em comparação com unidades de combate pagas com gold e maneira - e quase tão fortes quanto.
Claro, existem alguns aspectos que são simplesmente escolhas ruins de design - não necessariamente um problema da época. Como todas as suas construções tem que ser conectadas por estradas, o que é muito limitante e surpreendentemente caro se você quiser deixar sua base com uma boa aparência ou deixar caminhos largos para suas unidades caminharem pq o pathfinding deles não é exatamente excelente, de modo que os peões ficam presos com bastante frequência e as unidades costumam dar voltas desnecessárias para ir até onde vc clicou que elas fosse. Clicar com o botão direito simplesmente centraliza a câmera naquele local em vez de dar ordens, portanto, até mesmo emitir comandos de movimento simples é desnecessariamente complicado.
Nem tudo é ruim, entretanto. Os gráficos se sustentam bem de uma forma retrô. Os efeitos sonoros e as vozes são realmente muito bons, tanto que muitos deles foram retulizados até no World of Warcraft. Porque um orc diz "zug-zug" quando vc clica nele é algo que jamais saberemos, mas estou grato que o façam. Mas esses pequenos consolos não podem esconder o fato de que a jogabilidade básica está simplesmente desatualizada.
Portanto hoje, colegas jogadores, devo relatar que Warcraft: Orcs and Humans não vale o seu tempo, exceto talvez para satisfazer sua curiosidade sobre o quão primitivos os dias de 1994 eram. Sua estratégia é superficial e seus controles são desajeitados, não tem como contornar isso. Agora se você olha para esse jogo como o segundo RTS da história, quando ninguém sabia muito bem o que fazer com esse genero ... Eu respeito bastante o que foi feito aqui.
Numa época que as pessoas ainda estavam entendendo o que um RTS era, talvez tenha sido a melhor escolha fazer um lento e simples (com efeito, Warcraft tem bem menos classes e desenvolvimentos compraveis do que Dune 2). Comece pelo começo, é o que eu sempre digo, e não tem como ser mais começo do que isso: ver seus bonequinhos coletarem recursos, construir casinhas, combates bem basicões. Para a época não era apenas suficiente, era necessário.
Depois que isso já estava estabelecido, depois que as pessoas já tinham assimilado os conceitos básicos do genero, então depois disso a Blizzard e a Westwood (que não fez mais jogos de Duna, mas continuou nos RTS com sua puta famosa série Command & Conquer) desenvolveriam plentamente o potencial das coisas. O que alias a Blizzard já fez ainda em 94 mesmo, Warcraft 2 foi lançado no mesmo ano e já foi uma puta evolução para este jogo... mas essa já é uma história para outro dia.
E sabe, olhando em retrospecto, é até bom que o primeiro Warcraft não seja um jogo tão bom assim porque mostra como os jogos estão sempre evoluindo, aprendendo com os seus erros, tateando no escuro tentando encontrar um caminho. Jogando cada iteração de um novo jogo ao longo dos anos, é difícil lembrar quantas melhorias de qualidade de vida foram sendo implementadas sem que nos dessemos conta.
Hoje em um RTS vc pode selecionar varias coisas clicando e arrastando, eu não lembro a última vez que eu vi um jogo de plataforma com número de vida e um jogo de mundo aberto onde você vê uma tela de loading é até estranho. Isso quer dizer que os jogos Isso só mostra o quanto as coisas estão melhorando
Jogos como Warcraft 1 foram perfeitos em sua época, mas ao longo dos anos nos acostumamos com uma certa fluidez que tropeça em si mesma nesses jogos mais antigos. Fazer o caminho reverso e ver como tudo começou, aprender a dar valor ao que damos por garantido hoje é definitivamente um dos maiores prazeres do projeto desse blog.