Estamos em uma semana de extremos, não? Quinta eu postei sobre um jogo maravilhoso sobre a mais pura inocencia, GRANDIA, sexta sobre um jogo de pura dor e sofrimento que é sobre edgelordzice, SPAWN THE ETERNAL.
Tendo jogado dois jogos posicionados em extremos tão radicais do espectro dos videogames, como poderia o terceiro jogo ser tão extremo quanto? Bem simples, o jogo de hoje é EXTREMAMENTE... mediano. Sério, se GRANDIA e SPAWN THE ETERNAL estão um cada ponta dos videogames, vc não encontrará na vida um jogo mais mediano do que a misteriosa masmorra do Chocobão da massa.
Mas vamos começar do começo...
A série Fushigi Dungeon (a "Masmorra Misteriosa" em uma tradução livre) nasceu de uma ideia bastante simples: DRAGON QUEST é, suponho que essa seja uma informação comum a essa altura, o RPG mais popular do Japão. Eu já joguei dois jogos dessa série nesse blog, DRAGON QUEST 3: The Seeds of Salvation e DRAGON QUEST 6: Realms of Revelation, e não posso dizer que seja profundamente apaixonado pela série, mas hey, eu teria que ser um tipo muito particular de idiota para não reconhecer o acontecimento cultural que é esse jogo no Japão. Digo um tipo de idiota maior do que eu já sou, isso é.
Tanto que surgiu a lenda urbana que o governo do Japão decretou uma lei que obrigava DQ a ser lançado aos fins de semana para não causar caos no país com o Japão parando pra comprar o jogo. Claro que isso não é inteiramente verdade (de fato a Enix mudou o lançamento do jogo de quintas feiras para sabado para não tocar o terror, mas não pq foi obrigada pelo govenro), mas só o fato desse rumor existir mostra o quão grande a coisa era.
E como era de se esperar, um jogo tão gigantesco e massivo quanto Dragon Quest vendia todo tipo de produto licenciado. Estou falando de todo tipo de coisa que vc puder imaginar, o que tinha a logo de DQ vendia. Mas todo tipo mesmo:
Mas TODO mesmo: chiclete, album de figurinha, pelucias, material escolar, livros, mangas, camisetas, tamagotchis e, claro, jogos spin-off. Agora, a pergunta que vc pode estar se fazendo é: "como fazer um jogo spin-off de um RPG de dezenas de horas que leva anos pra ficar pronto? a ideia não é fazer um cashgrab rápido e sem esforço como produto licenciado?"
Bem, sim, todo o ponto de fazer um produto licenciado é justamente não passar pelo trabalho de criar um jogo novo massivo, porém foi só em 1993 que a Chunsoft descobriu como tirar dinheiro disso de uma forma simples e rápida. E essa é a origem da série "Mistery Dungeon".
Torneko no Daibōken: Fushigi no Dungeon, de 1993
Funciona assim: em Dragon Quest 4 tem um NPC recorrente chamado Taloon que é um comerciante com uma história até que bem expandida para a época - tanto que ele se tornou um personagem recorrente na série. A Masmorra Misteriosa do Taloon é um spin-off que conta parte das suas aventuras, sendo que "conta" é usado bem levianamente pq esse jogo não conta muita coisa realmente.
E por isso eu quero dizer que ele é um roguelike. Ou seja, não tem uma história realmente, o jogo apenas gera uma dungeon com andares de layout aleatorios, drop de itens aleatórios e inimigos aleatórios. Bem, não inteiramente aleatorios, existem algumas regras que o jogo observa (tipo inimigo X só aparece nos niveis 10-15, ou item Y é um drop raro de 5% de chance), mas é, é essencialmente um jogo que te dá dungeons aleatórias pra passar o tempo.
Agora, colocando assim pode parecer que eu não acho essa uma grande ideia... e honestamente não acho mesmo, mas quer saber? É okay. De verdade, O jogo é bastante honesto no que se propõe a fazer, e eu consigo entender que tem um publico pra isso.
Hey, vc quer apenas desligar o cerebro e aproveitar as mecanicas de combate de jRPG isoladas de todo o resto? É exatamente isso que esse jogo te entrega. Infinitos niveis de dungeon (literalmente, já que o level design é gerado aleatoriamente), inimigos de RPG para lutar e itens para equipar, nada mais, nada menos. Isso é o que o jogo se propõe a fazer, e é isso que ele entrega.
Entrega tão bem o prometido, de fato, que vendeu quase um milhão de cópias e virou uma franquia que existe até os dias de hoje - licenciada para as mais diversas marcas. A mais famosa hoje em dia sendo a série Pokemon Mystery Dungeon, que tem diversos jogos.
Porém antes de usar sua formula simples (porém efetiva) para ganhar milhões todos anos com pokemons, a Chunsoft usou sua bem lubrificada máquina de fazer dinheiro licenciado com outro tipo de monstro. Mais efetivamente, com um monstro que era quase tão popular em 97 quanto Pokemon viria a ser alguns anos depois.
Estou falando, é claro, do monstrinho iconico do jogo mais insanamente megalodontico de sucesso daquele ano, FINAL FANTASY 7. E o que é mais iconico na série da fantasia final que sua adoravel galinha dourada que todos conhecemos e amamos, o Chocobão da Massa? Juntar as duas coisas era basicamente imprimir dinheiro. E foi exatamente o que a Chunsoft fez, saiba você.
Então a coisa desse jogo é sobre um Chocobo e seu amigo com um chapéu estranho. Eles desenterram um cristal com poderes malignos e decidem ir perguntar na vila. Lá eles descobrem que mais bichinhos fofinhos desapareceram na dungeon próxima e como tudo está relacionado, eles decidem ir até o fundo disso. Fundo, masmorra, entendeu? Hã? Hã?
A ideia da coisa é essa, e não realmente vai muito além disso. Inicialmente você tem uma masmorra de 30 niveis, terminando ela o jogo exibe os créditos e desbloqueia u new game+ com uma masmorra de 60 andares e terminando essa abre uma masmorra finalmente infinita.
Isso posto, o jogo funciona exatamente como vc esperaria de um dungeon crawler raíz: vc tem uma dungeon, a cidade ao redor dela pra te prover serviços e é esse o mundo do jogo. Você sabe, absolutamente nada diferente de jogos do genero como SHINING IN THE DARKNESS
Dentro da masmorra, as coisas também não ficam muito loucas não: ao chegar perto de um inimigo o seu Chocobo entra no "modo combate": uma barra começa a encher quando vc está parado e quando ela estiver cheia vc pode apertar um botão para atacar. Você pode atacar antes dela estiver cheia, mas vai causar consideravelmente menos dano - porém as vezes isso é interessante dado que há a chance de matar um inimigo antes que ele realize o ataque dele e um dano a menos tomado sempre conta.
E... é isso realmente. No lugar de ataques normais vc ainda pode usar o item livro para lançar magias, mas funciona do mesmo jeito: uma barra vai enchendo, dano maximo barra cheia, pode lançar antes menos dano, etc. Usar o mesmo tipo de livro recorrentemente aumenta o nivel da magia, e é até onde vai.
No departamento de itens, nada muito diferente do esperado também: você tem um item para aumentar o seu ataque (botinhas para seu chocobo, muito fofo), um item para aumentar a defesa (uma sela, igualmente fofo) e um acessório. Tem alguns shenanigans ao longo do caminho (como lugares que dá pra usar uma magia fire para fundir dois itens e gerar um item mais forte), mas a ideia da coisa é essa.
Como dá pra claramente ver, eu não sou particularmente apaixonado por nada que esse jogo faz, ele é seu corrimento de masmorras bastante dentro do esperado. Verdade que o jogo se esforça com armadilhas e usabilidades únicas para tornar sua run menos tediosa, mas nunca foge muito do esperado.
Por outro lado, entre gerenciar seu HP e fome (seu chocobo recupera 1 HP a cada passo, mas isso vai aumentando a porcentagem de fome), e seu inventário limitado, vc sempre vai ter o que fazer. Especialmente como o seu inventário é bem curto vc constantemente usando itens e o seu objetivo aqui é ir o mais fundo que puder na masmorra antes de REALMENTE precisar voltar a cidade para reabastecer (até precisa de um item para retornar a cidade, então não é algo que vc possa fazer levianamente).
O que eu quero dizer com isso é que como você está frequentemente gerenciando alguma pequena coisa, você nunca fica realmente entediado na run e esse é meio que todo o ponto do jogo: ele não tem NENHUMA ambição artistica ou narrativa, ele quer apenas ser um bom enchedor de linguiça pra matar tempo. E isso ele é.
Tanto que eu consideraria que esse jogo funciona melhor no port para o portatil WonderSwan, que apesar de ser em preto e branco e nem de perto tão fofenho quanto a versão de PS1, bem, esse jogo foi feito sob medida para jogar em um portátil na fila do banco ou no busão. Ele é interessante o suficiente pra vc prestar atenção no que está fazendo, mas não demais a ponto de vc REALMENTE precisar se focar no jogo.
O que leva ao ponto que eu disse no começo do texto: esse é o jogo mais mediano meio do caminho que você verá na vida. Não é ruim, mas também não é bom. Não é memorável, mas tambem não é entediante. É, enfim, um jogo mediano, tão mediano quanto mediano pode ser.
Com efeito, eu diria que a coisa mais memorável a respeito dele é que junto com esse jogo vinha um demo do próximo grande RPG da Squaresoft, Xenogears - e esse sim de mediano não tem nada, mas isso é história para outro dia. E no fim do dia, acho que diz muito sobre o quão mais ou menos é esse jogo quando a própria desenvolvedora reconhecia que precisava da demo de um grande jogo para torna-lo chamativo.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES Edição 125 (Março de 1998)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER Edição 044 (Novembro de 1997)