sexta-feira, 19 de maio de 2023

[#1111][Mar/91] SHINING IN THE DARKNESS



Dungeon crawlers são um genero... curioso, vamos colocar assim. Em algum ponto, alguém estava jogando RPG e pensou: "Sabe o que mais? Se perde muito tempo com fala-fala nessa porra. Vamos tirar o papo e colocar só combate e dungeon, pronto". Então de certa forma, dungeon crawler é o resultado de tirar o RP do RPG.

Isso se provou mais bem sucedido do que as empresas poderiam inicialmente esperar, já que estamos falando dos anos 80, começo dos anos 90 no máximo, e matar tempo grindando em jogos punitivamente crueis era uma opção de entretenimento que ainda superava assistir o Faustão domingo de tarde. Não que hoje ainda não existam dungeon crawlers, mas hoje as desenvolvedoras tem que se esforçar para colocar um pouco mais de molho nessa salada.


Quer dizer, não é que eu não entenda o apelo disso. I do. Eu gosto das mecanicas em um RPG tanto quanto o próximo nerd na fila do muppy, e entendo o apelo de parar diante de uma masmorra colossal, esfregar as mãos e dizer "okay, é isso, aqui é onde eu vou passar as próximas 200 horas da minha vida, se não me virem novamente podem vender minha coleção de cards de Pokemon no Mercado Livre".


Apenas que hoje eu acho que dá pra fazer melhor que isso. Dá pra fazer você se importar com os personagens, se emocionar com a história, você sabe, todo o whole schmuck pela qual estamos matando essas coisas em primeiro lugar, mas não é como se eu não pudesse entender o apelo de apenas jogar o jogo pelo jogo mesmo.

E, nesse sentido, o jogo que iniciou a franquia Shining entrega o pacote completo. Quando você pensa sobre isso, Shining é uma franquia curiosa: ela é frequentemente associada aos RPG Táticos desde SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention, e que nos ultimos anos caminhou na direção do Action RPG.


Um fato pouco conhecido sobre essa franquia, entretanto, é que ela começou como um dungeon crawler e que o segundo jogo da série, SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention é na verdade um spin-off de outro genero. Mais ou menos como SANGOKU MUSOU (Dinasty Warriors no ocidente), que começou como um jogo de luta mas hoje é inteiramente associado ao spin-off que deu origem ao genero Musou

E esse é meio que todo o ponto da coisa aqui: Shining in the Darkness não tenta nenhum malabarismo pirotecnico em nenhum momento. Ele não tenta ter personagens, momentos dramáticos ou mesmo mecanicas únicas. O que ele TENTA fazer é entregar uma experiencia de dungeon crawler tão raíz quanto raíz pode ser: tem uma dungeon, tem níveis para você upar, tem dinheiro para farmar e é isso. Nem mais, nem menos.


A história do jogo, como cabe a um dungeon crawler raíz, beira o inexistente: um cara mau sequestrou a princesa e escondeu ela na dungeon de treinamento perto do castelo. Essa dungeon é um complexo de vários andares para onde os cavaleiros do reino são enviados para treinar, embora nenhum nunca tenha conseguido chegar aos níveis mais profundos por causa dos monstros. E é isso, você vai, explora todos os andares da masmorra e é essa sua aventura.

Isso é uma coisa ruim? Eu não acho que seja, pq o jogo é completamente honesto sobre o seu escopo pequeno desde o primeiro momento. Se grindar e voltar para a cidade, comprar equipamentos e grindar mais não é a sua coisa, então esse jogo não é pra você e ele não tenta te enganar a respeito disso.

Agora se é isso que você está no mood, então SitD faz tudo redondinho pra te entregar essa experiencia.


Pra começar, os gráficos de Shining in the Darkness são surpreendentemente bons para um jogo de Mega Drive de 1991. Os monstros são muito bem desenhados e embora raramente apareçam, os efeitos especiais para magia são muito bons e se tornam mais impressionantes à medida que os níveis dos feitiços aumentam. Adicionalmente, o jogo se dá ao trabalho de parar e fazer grandes entradas para monstros poderosos. A cidade é bem desenhada e todas as lojas são adornadas de forma carismática.

Mesmo a música, que costuma ser o ponto fraco dos jogos de Mega Drive já que seu chip de som é composto por dois toblerones mascados e um pigmeu chamado Eduardo, é na verdade boa. Ele é um daqueles raros casos que ele entende que tudo que você fizer no Megão da Massa vai soar como estar batendo em um tonel de gasolina e elas foram compostas para tirar o melhor proveito disso.


Mas talvez a característica de SitD que eu mais gosto é o quão prática sua navegabilidade é. Tudo nesse jogo é feito para diminuir a frustração do jogador ao máximo e permitir que ele apenas faça o que ele veio fazer: grindar e se perder em labirintos.

Isso quer dizer, por exemplo, que é super rápido entrar e sair das lojas ou que os combates não possuem animações longas, vc pode ter a sensação de estar sempre em movimento mesmo sendo tecnicamente um RPG por turnos.



E, mais raro ainda para um jogo é que quando você morre (o que frequentemente vai acontecer) o jogo não apenas dá Game Over e te fode aí nerdão. Você mantém o ouro e a experiência conquistados, apenas sua progressão no labirinto é reiniciada. Então, quando você reentrar no labirinto, você terá que lutar para voltar de onde parou - o que podem ser boas horas de caminhada, não se engane, ainda é um tipo de punição. Mas o jogo te deixar ficar com o ouro e o EXP faz com que o jogo seja dificil mas não injusto e isso é algo bem raro nessa época. 

Ainda sim não se engane a respeito da dificuldade do jogo, mesmo sem olhar para o seu mapa desenhado à mão você vai saber de cor o início do labirinto, já que vai passar por ele inúmeras e incontáveis vezes.


Existem desafios em todos os lugares o tempo todo, desde armadilhas no chão que te fazem voltar para um andar inferior, até spinners que você deve atravessar corretamente enquanto eles giram para chegar à próxima seção. Um lago dá origem a cavalos-marinhos mortais, as paredes ganham vida com monstros que têm bocas nas palmas das mãos e até baús de tesouro atacam você.

Mas como eu disse, o jogo não tenta ser deliberadamente cuzão com você. Itens especiais desbloqueiam novas seções do Labirinto semelhantes a um jogo estilo Metroidvania. A Orb of Truth revela paredes falsas, a corda mística permite que você volte pelas traps que você caiu e chaves especiais abrem diferentes partes do labirinto. Você também ganha um medalhão que permite que você comece em níveis mais altos no Labirinto, bem como um feitiço de “visão” que mostra um mapa de onde você está. Em áreas onde seu grupo é mais forte que os inimigos, você pode lançar “paz” para que os inimigos não possam detectá-lo. Mas não demora muito para que você seja bombardeado por monstros novamente.


Tem até raras seções onde você atravessa a parede externa e anda por um ambiente banhado pela luz do sol, o que é uma pausa bonita onde até a música oferece consolo antes de te jogar de volta ao horror e loucura da masmorra.

Então o resumo disso tudo é que apesar do jogo ter mais de trinta horas, não tem muito realmente o que falar a respeito de SitD. Você quer um jogo para jogar com uma folha de papel e ir desenhando o mapa conforme você explora? Esse é o seu jogo. Você quer um jogo para grindar as mesmas batalhas por horas e horas e horas, ganhando níveis e dinheiro para comprar equipamentos e ficar mais forte? Esse é o seu jogo. Você quer um jogo para apenas ter combates de turnos ininterruptamente e quase zero falação? Esse é o seu jogo. Você quer um jogo brutalmente dificil que não tenha piedade de arrancar o seu couro, mas sem soar frustrante ou injusto? Esse é o seu jogo


Se você quer qualquer uma dessas coisas, a Camelot entregou um jogo tão bonito e prático quanto era fisicamente possível fazer para o Mega Drive em 1991 (incluindo um bestiário com mais de cem inimigos únicos, aos quais compreendem alguns dos designs mais peculiares e exclusivos entre os JRPGs de 16 bits como os Mazerunners, que são criaturas parecidas com ovos com pernas e um chapéu de Papai Noel). Uma mega masmorra e uma cidade para suprimentos, se é isso que você quer, esse é o seu jogo.

Porém se você espera qualquer coisa além disso... então você realmente vai ter que procurar em outro lugar que não seja Shining in the Darkness.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 121 (Novembro de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 044 (Novembro de 1997)