domingo, 24 de setembro de 2023

[#1159][Dez/97] TALES OF DESTINY

Esse é um raro caso que a capa japonesa é exatamente a mesma da americana

Eu vou ser honesto com vocês: não tem sido uma semana fácil. O sistema de gás do condominio deu algum problema e agora essa porcaria ta fazendo um apito agudo 24 horas por dia, esta chovendo faz tres dias e está tudo umido o tempo todo (sério, vc subestima o quanto morar num lugar seco é subestimado), levei duas chamadas feias no trabalho, meu cachorro idoso está comendo cada vez menos, é sabado de noite e eu estou bebendo sozinho pq absolutamente ninguem no multiverso se importa comigo - o que eu nem posso argumentar que é injusto.

Mas tá, beleza, eu tanko de boa pq é a minha vida, ao menos eu tenho um joguim pra jogar né e tal... e o que é que me cai? Uma das duas séries que são absurdamente amadas no Japão... mas que meu santo nunca bateu com elas. Porque veja, existem duas séries que são uber gigantes no Japão e bem marromenos no ocidente: DRAGON QUEST e "Tales Of". E nenhum deles é algo que me sentou muito bem.


Nesse blog eu já joguei dois Dragon Quest:  DRAGON QUEST 3: The Seeds of Salvation e DRAGON QUEST 6: Realms of Revelation, e os dois são bem... hã, vamos dizer que não me aderiram ao culto, mas os japoneses amam essa porra. E a outra porra que os japoneses amam é esse tal de "Tales of". Sério, entre 1995 e 2023 são 17 jogos da série Tales Of e embora eu não tenha jogado todos, todos os que eu joguei são bem... cara, pensa num anime genérico. "Tale of" pra mim sempre foi o equivalente RPGistico disso.

Deixa eu colocar de outra forma: "Tales of" é o fast food dos jRPG. Se vc está com fome, parar num fast food e pegar um burgão de 10 pila definitivamente vai matar a sua fome, mas... olha, não é algo que vc vai anotar no livro de histórias da sua vida o incrivel burger de 10 pila que vc comeu no McRango. "Tales Of", pra mim, sempre foi a mesma coisa em termos de jogos: vc quer jogar um jRPG com todos os elementos de um jRPG que não faz nada de errado?


Então jogue um Tales Of. Agora se vc quer mais do que isso, se vc quer mecnicas cativantes, se vc quer um ponto narrativo, se vc quer uma expressão artística... então não é aqui que vc vai encontrar. O que vc vai encontrar é o seguinte:

  • Comece na vilazinha inicial.
  • Vc tem uma quest inicial com os amigos.
  • Coisas ruins acontecem e nos fazem sair ou partir em uma missão.
  • Uh, oh, uma coisa realmente ruim aconteceu
  • Traição por amigo/membro do grupo causando tristeza.
  • Pare o bandido - AH NÃO, ELA NÃO ERA O INIMIGO PRINCIPAL
  • Mate Deus.

VC ACABOU DE DESCREVER 98,97% DOS jRPGS

Sim, mas o ponto é que Tales Of, até onde eu sei, é EXATAMENTE isso, sem tirar nem por. Enquanto GRANDIA tem o tema da aventura e inocencia, e enquanto FINAL FANTASY 7 é sobre perda, apenas dando um exemplo, os "Tales of" rarament são sobre alguma coisa que senão executar esse checklist do que constitui um RPG japonês.


Isso não torna os jogos ruins, mas tambem impede que eles sejam realmente bons e é aqui que nos encontramos. Quer o básico do básico do raíz do que esperar de um jRPG, então é isso que vc terá. O que por si só não é ruim, o que é mais ruim são fucking 50 horas disso.

Sério, pense em um anime genérico com os cliches de anime genérico (os personagens nunca são mais do que os seus estereótipos), e agora arraste isso por 50 horas... é um Tales Of pra vc. Então a pergunta que realmente tem que ser feita é: Tales of Destiny é diferente disso?

E a resposta, como vc pode imaginar...


Vamos começar então falando do elefante pixelado no meio da sala: a série Tale Of nunca teve, e provavelmente nunca terá, o orçamento de um jogo AAA - de todas as coisas que a Bandai-Namco vende na vida, um RPG é uma das ultimas prioridades da sua lista. Isso quer dizer, em termos práticos, que os gráficos de um tipico Tales Of normalmente são uma geração atrás do estado da arte do que a industria está fazendo atualmente.

Veja, por exemplo, o último jogo da série lançado em 2022, Tales of Arise:


Não é ruim, mas são basicamente gráficos de PS4; Em 2022. Como eu disse, a série Tales Of  está sempre uma geração atrasada no departamento gráfico. Então o que isso quer dizer para um jogo de 1997? O que seriam gráficos de uma geração atrasada para o PS1?

Seriam, é claro, gráficos de Super Nintendo. Pois é.


Com efeito, esse sequer são do nível dos MELHORES gráficos do Super Nintendo. Jogos como STAR OCEAN ou TRIALS OF MANA no agora falecido console da Nintendo eram melhores que isso, se tivesse sido lançado na geração anterior esse jogo definitivamente não chamaria atenção, sentando ao lado de jogos do nível de "esse definitivamente é um dos jogos já feitos" ao lado de tipos como LUFIA 2: Rise of the Sinistrals

Mas hey, é um RPG, gráficos não são nem a parte mais importante, certo? Quer dizer, pelo menos o gameplay é interessante o suficiente, certo?



Hã, certo - com enfase no "o suficiente". Tales of Destiny não é o seu habitual RPG de turnos. Quer dizer, até é, mas em parte: vc anda pela tela e batalhas aleatória acontecem. Só que ao invés de menus para dar comandos, você entra em um minigame de Action RPG. Mais ou menos.

VC NÃO TEM CERTEZA DE MUITA COISA NESSA VIDA, HEIM?

Kudos onde kudos são devidos, a coisa é que ToD tem um sistema bem único. Isso pq quando entra no minigame de Action RPG vc não controla o boneco diretamente. Ao invés disso vc dá comandos (tipo cima e bolinha dá um golpe, frente e X dá outro, apertar apenas X ou apenas bolinha dá outro e assim por diante).


Só que isso não é tudo: o posicionamento dos bonecos na tela importa, pq quando um inimigo está conjurando uma magia ele pode ser interrompido se tomar uma porrada. Então enquanto é importante causar dano, também é importante escolher movimentos que avancem seu boneco pela tela e esse equilibrio entre causar dano e interromper os inimigos torna o combate interessante.

Com efeito, torna tão interessante que eu diria que essa é a principal razão pela esse jogo não é ruim. Em 50 horas de jogo não chega a ficar cansativo já que vc está sempre gerenciando seus movimentos e dando ordens a party (vc não controla os outros personagens, mas pode pedir magias especificas - que podem ou não ser atendidas) e isso funciona.


Claro, não é algo que se diga "minha noooossa, vale a pena o jogo de 50 horas só por causa disso", mas pelo menos pra ruim ele não serve... até pq esse jogo faz algo que nenhum outro faz, e eu não posso dizer que é algo que eu goste. 

O que rola aqui é que existem armas sentientes, as Swordians, que são o tema da narrativa. A questão é que alguns dos personagens jogaveis tem Swordians e essa é a única forma de usar magias no jogo - ter a Swordian equipada. Isso quer dizer que vc tem que escolher entre ser capaz de usar magias OU ficar preso com a mesma arma o jogo todo.

MAS SE É A MESMA ARMA O JOGO TODO, ELA NÃO FICA DEFASADA RÁPIDO?

Então, calma que piora. Pra arma não ficar datada as Swordians tem seus próprios niveis e EXP. O que significa que vc precisa ter elas sempre equipadas pra upar elas, mesmo que elas não sejam a melhor arma possivel no momento. Pq, claro, não poder nunca trocar de arma é tudo que a gente sempre quis, só que não né.



Então o sistema de combate é okay, mas ele faz essa coisa não okay com o equipamento, dá um passo, recua um passso, Tales of Destiny em uma casca de noz. Porém se o combate dá  e tira, o mesmo não pode ser dito da narrativa do jogo que só tira mesmo pq a parte de história é essencialmente um fillerzão da massa até o ultimo terço do jogo.

Sem mentira nenhuma, a história da primeiras TRINTA HORAS do jogo são que existe uma reliquia de uma civilização antiga que pode destruir o mundo e é roubada pelo vilão, aí você corre o mundo de cidade em cidade atrás dele mas ele sempre escapa. Depois de umas dez "cidade da semana", vc então finalmente derrota o lazarento, salva o mundo, todo mundo atingiu seus objetivos pessoais (acharam quem tavam procurando, fizeram suas quests pessoais, etc), cada um vai pro seu canto e parece que o jogo terminou...

Sem exagero, vc faz esse maldito MESMO BARCO quatro vezes, só copiaram e colaram a mesma dungeon QUATRO VEZES

... só que aí a reliquia é roubada por outro cara e recomeça tudo de novo! E é sério, é ESSE NÍVEL de encheção de linguiça. Eu já vi jogos se esforçarem pouco em fazer uma narrativa mais coesa do que "vá de cidade em cidade", mas Tales of Destiny chegou num patamar de "faz qualquer merda pra encher tempo" que seria bem mais honesto esse jogo apenas ser um dungeon crawler.

Tem uma dungeon, vc precisa entrar nela, tem uma cidade do lado de fora pra reabastecer. Pronto, bem mais honesto do que esses arcos filler de Naruto sem vergonha nenhuma que o jogo te empurra.


Imagine, se puder - e se ousar - o anime genericão mais esquecível que vc já esqueceu antes mesmo de terminar de assistir... ou não imagine pq vc esqueceu mesmo... e agora imagine 50 horas disso. Essa é a experiencia da história de Tales of Destiny. 

As unicas coisas que mantem o jogo suportavel e a sua sanidade em cheque são justamente o já citado sistema de combate, que é decentezinho, e a outra coisa que eleva esse jogo acima do terrível é que seus personagens não são terrivelmente escritos. Com efeito, eles são charmozinhos até. Com efeito, o elenco jogável é facilmente minha parte favorita do jogo (até pq o que mais seria?)

Vc tem até um date com uma nee-san ara ara, just because

Seu protagonista Stahn, por exemplo, é o típico idiota bem-intencionado protagonista de anime shonen. Vindo de uma cidadezinha do interior, ele não realmente entende muito das coisas complexas da cidade grande e suas coleguinhas de grupo não perdem a oportunidade de descascar o "caipira do interior" justamente por conta disso. São momentos honestos e divertidos em que vc vê que um ser humano de verdade escreveu esses dialogos.

Rutee é uma subversões divertidas dos arquétipos de healer, ao invés da menina meiga e delicada, nesse jogo a healer é uma tsundere desbocada que fala o que pensa (obviamente influencia de uma outra healer mais famosa, mas não tão bem escrita).


Mary é simpática e ela pode ou não fazer parte do grupo dependendo se vc fazer seu amado sobreviver - que alias é a melhor cena do jogo quando ela conta sua história na tentativa de reavivar as memórias perdidas do seu amado, é um momento bem emotivo. 

O que eu quero dizer é que perdido no RPG mais genérico que já genericou genericamente existem boas cenas com bons dialogos. Se tivesse como pegar esses personagens e colocar numa coisa diferente de revolver sobre o grupo ter que percorrer cerca de meia dúzia de masmorras genéricas que parecem ter sido feitas com set padrão de um RPG Maker barato... E tudo isso culmina com um chefe que não só não faz parte da história até as últimas horas, apenas pq quem liga, né?


Enfim, Tales of Destiny é um RPG de tamanho monstruoso, mas a falta de uma história fará com que o jogo pareça pelo menos duas ou três vezes mais longo - o que definitivamente não é uma coisa boa. Mesmo depois de a história ter “engrenado” (muitas aspas aqui), os jogadores vagam de cidade em cidade para ouvir o próximo lote de diálogos superficiais, lutando contra monstros a cada passo do caminho. Tirando momentos onde os personagens interagem entre si (que parecem apenas uma fração de momento dado o tamanho do jogo), nada no jogo se destaca, em vez disso tudo acaba se transformando um grande borrão interminável de tédio.

A boa noticia é que mesmo os fãs da série Tales Of reconhecem que essa entrada é uma das mais genéricas e esquecíveis de toda a franquia, a notícia ruim é que até onde eu vi dessa franquia não fica RADICALMENTE melhor que isso. O que eu espero estar errado, pq existem muitos e muitos desses jogos pela frente ainda...

MATÉRIA NA GAMERS 
Edição 028 (Março de 1998)