[#1207][Abr/98] SHINING FORCE 3: Scenario 2 - Target: Child of God
E que jogo melhor para ocupar esta semana entre o natal e o ano novo do que um jogo cujo (ridiculamente longo) título declara que o alvo será nada senão o próprio Filho do Home? Entretanto, como suponho que vc já deva ter imaginado, "Deus" aqui é mais no sentido de chefe final de jRPG que parece um carro alegórico do que o cara que mandou apedrejar quem usar roupas feitas de dois tecidos diferentes. Mas vamos começar do começo...
A Sega, como é bem óbvio a essa altura, nunca foi uma empresa rica e por um motivo bastante simples: eles nunca foram uma empresa bem sucedida. O Master System só teve sucesso em mercados pequenos e lavados pela pirataria, como o Brasil e a Europa, e o Mega Drive foi um fracasso que só teve um leve brilhareco enquanto competia com o Nintendinho - dado que o Super Nintendo foi lançado dois anos depois e vendeu simplesmente o dobro do Mega Drive, nem dá pra chamar isso de competição.
No Japão, saiba você, sequer o segundo lugar o Mega Drive pegou conseguindo a façanha de ficar atrás do PC-Engine. Não é algo fácil, mas eles conseguiram... só que a coisa fica pior ainda quando a Sega desperdiçou os não muitos recursos que tinha em ideias pavorosamente ruins como o Activator (vide a história em ETERNAL CHAMPIONS) ou o terrível lançamento do Saturn que é uma masterclasse de como conseguir fazer absolutamente tudo errado (vide a história em CLOCKWORK KNIGHT).
Tá, mas pq eu estou falando isso?
PQ VC ODEIA A SEGA E CHUTAR CACHORRO MORTO É A ÚNICA COISA QUE DÁ UM SENSO VAZIO DE PROPOSITO A SUA EXISTENCIA TRISTE E SOLITÁRIA?
Quase. O que acontece é que em 1998 a Sega havia aceitado que o Saturn foi jogar no Vasco e estava trabalhando no seu sucessor... o que também será uma história pavorosa de erros que em breve eu contarei... mas também precisava vender alguns jogos enquanto o Dreamcast não saia pq os boletos não iam esperar, né?
Agora, a coisa a respeito de jogos é que - olha que ideia louca - eles custam dinheiro para fazer, especialmente fazer um jogo do zero. Por isso continuações e jogos "patch de update" eram tão populares naquela época e ainda são hoje, uma vez que vc já matou no peito o custo de desenvolvimento no primeiro jogo, no segundo em diante o brinquedo já está pronto e é só você editar pra adicionar novas fases.
A coisa é, no entanto, que isso tem um porem: os jogadores não são exatamente radiantes com a ideia de pagar outros 60 dolares pelo mesmo jogo de novo. Então fazer uma continuação é uma coisa tricky: vc tem que mudar para que os jogadores sintam que estão pagando por algo diferente, mas não mudar tanto a ponto de vc ter que arcar com os custos de desenvolvimento de novo.
Nesse sentido, e procurando fazer qualquer coisa rápido e sem muito custo, a Sega teve uma ideia: E SE, veja bem, E SE eles vendessem o mesmo jogo 3 vezes? Obviamente que para qualquer um que não se chama Capcom (e suas 1584 versões de Street Fighter 2) isso seria impossível, mas a Sega tinha um ponto a ser explorado aqui: RPG.
Gráficos, mesmo o sistema de combate não são tão importantes assim se vc tiver uma boa história em um RPG. Então teoricamente vc pode vender o mesmo jogo duas (ou mais) vezes desde que vc mude a história, e para esse proposito a ideia da Sega não era de todo desprezível: SHINING FORCE 3: Scenario 1 - The Titan of Aspia conta uma história e então os outros 2 próximos jogos (Shining Force 3 Scenario 2 e 3) contariam a mesma história só que pelo ponto de vista de outros personagens.
Isso não apenas tem um potencial interessante do ponto de vista narrativo, como para a Sega eles reciclaram a mecânica do jogo, a música, os efeitos sonoros e a maior parte dos inimigos e cenários. O jogador tem uma ideia criativa para desenvolver a história, a Sega corta custos onde dá, todo mundo sai ganhando!
Ainda sim, SHINING FORCE 3: Scenario 1 - The Titan of Aspiadá o seu jeito e leva sua história que é politicamente ambiciosa em teoria, porém bastante simplória em execução do jeito que dá. O problema começa mesmo quando o segundo capítulo dessa história teve que ser lançado em menos de seis meses pq, como eu disse, a Sega precisava pagar os boletos.
E isso quer dizer que o que temos aqui é uma segunda versão contada de uma história que já não era tão interessante assim em primeiro lugar. Sim, agora vemos toda a história do primeiro jogo contada pelo ponto de vista do principe Medion, porém não é como se houvesse tanta profundidade na história a ponto disso ser realmente interessante.
Adicione a equação a questão que o jogo foi todo rushado because money no lo tieno e... bem, a história aqui não é "arrumadinha" como no primeiro jogo, ela é abertamente ruim a niveis "Zack Snyder escreveu essa porra?".
Então não apenas esse jogo não adiciona quase nada de novo na trama - tudo que vemos aqui já foi contado ou visto em primeira mão no Cenário 1 - como ele é recontado através de um protagonista bem pobre, para dizer o mínimo. Veja, a coisa é que ao jogar o Cenário 1, acreditamos que o principe Medion é um cara nobre e que tem a cabeça no lugar: quando seu pai é sequestrado e tudo indica que foi o rei de Aspinia que fez isso para começar uma nova guerra, ele é a voz da razão que quer ouvir o outro lado e chegar ao fundo do que realmente aconteceu antes de começar uma guerra. Cara sensato, certo?
Então, não. Aqui aprendemos que ele está decidido a resgatar o Imperador NÃO para evitar a guerra, não para o bem de Destonia, nem mesmo porque ele se preocupa com seu querido e velho pai, mas porque ele quer mostrar aos seus dois irmãos mais velhos que ele é plenamente capaz e que não é uma criança. Uau ... isso é, tipo, ruim. Bem ruim.
Embora eu goste da ideia de Medion parecer ser nobre e razoavel no primeiro jogo para você descobrir aqui que suas motivações são bem menos altruístas - com efeito, essa é uma EXCELENTE ideia para contar a história por outro ponto de vista - é dificil simpatizar com a ideia de uma criança birrenta dando piti pra mostrar que ele é adultão.
E o pior é que durante o jogo ele se comporta realmente como um principezinho mimado querendo pagar de adultão durante o jogo, não é apenas backstory que nunca mais entra em questão. Tem uma cena, por exemplo, que ele descobre que o único navio da cidade está sendo tomado por refugiados republicanos, então ele e suas tropas matam todos para conseguir o navio.
Para tornar as coisas estranhas, depois de matar todos os outros, você tem a opção de poupar o vice-comandante e deixar que ela e o general tomem o navio, tornando a batalha inteira inútil - e se você fizer isso, o general realmente agradece, apesar de você ter massacrou todos os seus homens sem motivo aparente. Infelizmente, este não é o único lugar onde a história mescla escrita ruim que claramente eles não pensaram muito sobre isso (e certamente nem tinham o tempo para tal) com um personagem que apenas faz as coisas por capricho e foda-se.
O clímax gira em torno de um esquema tão desnecessariamente complicado para acontecer uma coisa que já acontece no primeiro jogo que chega a ser involuntariamente engraçado.
E a história por si só ser tão intrusivamente ruim afundaria completamente o jogo, não fosse o fato que as batalhas deSHINING FORCE 3: Scenario 1 - The Titan of Aspiasão RPG Tático sólido, de ótima qualidade. Não brilhante, não genial, mas plenamente sólido. O segundo jogo não muda absolutamente nada na mecanica do jogo, o que quer dizer que temos horas e horas de combate de tabuleiro sólido e gostável e é isso que faz esse jogo ser jogável... com ressalvas.
Ainda existem muitas ótimas batalhas com uso criativo do cenário ou condições únicas para aquela luta... mas também tem lutas que são pavorosamente arrastadas, quando não apenas ruins mesmo - como a penúltima batalha que tem um limite de turnos, mas o jogo não só falha em dar qualquer indicação disso, como também há um diálogo de batalha que implica que você tem todo o tempo que quiser.
Além disso, a menos que você tenha encontrado todos os personagens secretos ou grindado o nível dos dois personagens principais, você não terá poder de fogo para terminar a batalha a tempo. Isso significa que você pode facilmente perder uma hora e meia em uma batalha que, para começar, não tinha chance de vencer! Para completar, a maior parte do seu grupo deve passar a batalha inteira sentado no mesmo lugar, lutando contra um número insignificante de inimigos que reaparecem em um grindfest repetitivo.
Casos como esse acontecem mais do que seria recomendado, em especial a partir do quarto capítulo (o jogo tem 6, com 5 lutas em cada um) quando o jogo realmente começa a encher de filler. Tem uma luta no capitulo 5 que a maior parte do seu time está em celas separadas, e você precisa pegar uma chave para abrir a cela, voltar, pegar outra chave para abrir outra cela e assim uma de cada vez enquanto é atacado por inimigos que spawnam infinitamente. Depois disso, seus personagens soltos terão que voltar a uma mesa para pegar suas armas - um por um tb - para só então poder lutar.
Infelizmente a segunda metade do jogo é repleta de momentos assim, em que o jogo claramente te enche de busywork para encher linguiça e bater 50 horas de gameplay com pouco conteúdo e a coisa fica cansativa mais cedo do que tarde.
Enfim, SF3S2 não é um jogo ruim, especialmente a primeira metade antes das batalhas se tornarem muito longas e cansativas. A coisa de de transferir dados do Cenário 1 (e de transferir dados do Cenário 2 para o Cenário 3) é um recurso que é bem utilizado, já que as ações realizadas nos Cenários anteriores têm impactos interessantes e às vezes inesperados no jogo - especialmente no que afeta personagens recrutáveis.
E o combate de Shining Force raramente desaponta, com certeza nesse jogo. É o seu RPG Tático raíz, o RPG Tático moleque,o RPG Tático toco y mi voy. Ainda sim, eu tenho que dizer que embora eu possa relevar que 80% do conteúdo é reciclado do Cenário 1, eu realmente poderia usar uma história que não apenas vai para algum ... ou que fosse contada de forma interessante, ou pelo menos com personagens que vc não quer socar com uma colher de pau.
É okay, porém não muito além disso. E de toda sorte sejamos honestos: se vc estivesse embuchado com um Saturn na metade de 1998, não é como se você tivesse realmente muitas opções melhores...
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER Edição 052 (Julho de 1998)