Eu já devia ter falado do jogo de hoje algumas semanas atrás, mas eu estava esperando a série live action da Netflix para falar algo a respeito - até porque eu já falei bastante sobre o anime em YUYU HAKUSHO 2: Kakuto no Sho. E recentemente, dado o surpreendente sucesso da adaptação de One Piece, eu fiquei REALMENTE curioso a respeito disso porque a mim pareceu que eles estavam atirando qualquer coisa na parede pra ver o que colava.
Quer dizer, Yu Yu Hakusho? Sério? Um anime que terminou em 1994, nunca teve remake, reboot ou nada do tipo, e nem foi particularmente popular nos US and A. No Brasil teve a questão de ser o primeiro anime shonen BOM que passou em rede nacional aberta - pq Cavaleiros do Zodíaco... é né... e Shurato não é ruim (pelo que eu lembro), mas também não é muito incrível t - mas na gringa Yu Yu Hakusho meio que cagaram.
Então quando anunciaram um live action de YYH me pareceu bem aleatório. Tipo bastante. E esse aleatório ficou ainda mais estranho quando eu vi os primeiros trailers pq eu assisti o negócio e não cheguei a uma conclusão se eu tinha gostado ou não ... o que normalmente não é uma coisa boa.
Eu não botei muita fé inicialmente, mas essa Botan ficou moh carisma |
Sério, poucos autores tentaram - e menos ainda conseguiram - escrever personagens complexos em mangas shonen antes dele. Lembre-se que estamos falando de 1992 aqui, os mangas de lutinha definitivamente não iam muito além dos arquétipos básicos, então ele sempre foi um cara muito afrente da sua era. Mas isso eu já tinha falado no texto de YUYU HAKUSHO 2: Kakuto no Sho. O que vamos falar aqui é o outro aspecto da vida obra do Togashi, que é a sua dificuldade com consistencia e prazos.
O exemplo mais iconico que vem a mente quando falamos disso é sua obra mais famosa: Hunter x Hunter, que esse ano completou 25 anos. Sim, Hunter x Hunter foi lançado apenas um ano depois de One Piece e também não terminou até hoje, mas diferente de One Piece a coisa é que HxH entra e sai de hiato várias vezes ao longo desses anos. E isso é indesculpável.
Sim, eu sei que o Togashi tem problemas de saúde e ele não pode ficar sentado por horas desenhando, mas essa é a coisa: ele não é um mangaka zé-orelha de 19 anos desenhando pra pagar o aluguel. Ele é um autor amplamente premiado que é casado com uma das autoras de manga que mais recebe licenciamento do mundo inteiro (Naoko Takeuchi, autora de Sailor Moon). Então vamos combinar que ele está muito longede ser um zé bosta qualquer que precisa pagar os boletos de qualquer jeito.
Isso quer dizer que ele poderia trabalhar apenas com o argumento e desenvolver a pauta, e passar o trabalho braçal mesmo para um assistente. Até pq, convenhamos, o traço do Togashi não é nenhuma obra prima da qual a humanidade seria terrivelmente privada... mas não, nem ele nem a editora não fazem isso e a produção de HxH é toda zoada.
E a coisa é isso não é algo que acontece com Hunter x Hunter, Yu Yu Hakusho já era zoado desse jeito. Pq senão vejamos: qual é a instituição que todo, sem falta, sem falha nenhuma (a exceção de One Piece e Full Metal Alchemist, pelo que eu lembro) manga shonen tem, sempre teve e provavelmente sempre terá?
O torneio de luta. Mas o que é um torneio de luta? Bem, funciona assim: mangas, especialmente os pequenos em começo de carreira, são feitos por um cara sozinho. Não é que nem funciona nas HQs que vc tem o desenhista, o argumento, o colorista, a galera toda, no manga é um caboclo sozinho que faz isso.
Claro que depois que o manga já tá grande o suficiente a editora consegue uma equipe pro cara poder se focar mais no processo criativo, mas começo de carreira é foda, vc tem que entregar um capitulo por semana e é vc e Deus no sertão. Então quando um autor quer ganhar tempo pra organizar as ideias, o que ele faz? Torneio de luta.
Vc não precisa de contexto, não precisa de cenário, não precisa de personagens completos. Vc desenha um cara e dá um poderzinho pra ele e pronto, o capitulo da semana tá entregue. Isso dá tempo para o autor respirar e pensar na história que ele quer contar, então é por isso que todo manga shonen sem falha tem um torneio de luta perto do começo.
Karasu não está impressionado com as suas merdas |
Tá, mas e YYH com isso? Então, esse manga não apenas tem DOIS torneios de luta, como o torneio é o ponto principal dos dois grandes arcos do manga. Sério, o Togashi começou a contar uma história, a desenvolver personagens e decidiu "sabe o que mais? Metade dessa bagaça vai ser torneio de luta e foda-se, flw vlw".
Então, é, dos 112 episódios do anime, pelo menos 60 são torneios de luta. Porra, aí tu me fode na palhaxota né Togashi? Verdade que os torneios dele são melhores que qualquer outro da época pq, como eu disse, o Togashi é um fodendo genio e ele é excelente no que ele faz. Mas ter um torneio melhor que os outros não muda o fato que vc não está fazendo world building, aventuras ou desenvolvimento de personagem que não envolva lutas.
O melhor torneio de luta do mundo ainda vai ser um torneio de luta no fim do dia, e isso limita o quanto você pode realmente desenvolver as ideias. E não pode ser desconsiderado o fato que enquanto HOJE o Togashi é reconhecido como um dos maiores autores de manga do nosso tempo e tem certas liberdades com a editora por causa disso, em 1992 ele não era ninguém na fila do pão e tinha entregar material toda semana tivesse algo para entregar ou não. Logo, torneios de luta.
Mesmo com 0,00031415% do orçamento de um filme da Marvel, o olho do Hiei ainda ficou melhor que o do Dr. Estranho... |
Com efeito, em uma entrevista anos depois o Togashi diz ele teria terminado o manga depois da saga do Sensui (com o Yusuke terminando por não ouvir o conselho do Toguro e virando um yokai? Seria impactante e simbólico), mas a editora mandou ele fazer mais um arco e ele meio que fez meio matado pq tava cansado (fisica e mentalmente), por isso o final abrupto do qual ele não realmente gosta muito. Mas divago.
TÁ, BELEZA, VOCÊ PASSOU VÁRIOS E VÁRIOS PARAGRAFOS EXPLICANDO PQ YU YU HAKUSHO TEM PROBLEMAS GRAVES DE ESTRUTURA. MAS TIRANDO O FATO QUE VC TEM SORTE QUE NINGUÉM LÊ ISSO PQ O RAGE SERIA ENORME, QUAL A RELAÇÃO DISSO COM O LIVE ACTION?
Toda, Jorge. Simplesmente toda. Pq quando vc tira o torneio da equação e foca apenas na história em si, Yu Yu Hakusho não está adaptando 66 episódios em 5. Ele está adaptando cerca de 20 e olhe lá - e em episódios de 45 minutos ainda, entõa usando a mesma metrica vc está adaptando 20 episódios no equivalente a 10 episódios de anime. E é aqui que está o real truque de como sobra tempo para focar nas coisas que realmente importam - e até desperdiçar nas que não importam, algumas lutas definitivamente poderiam ter alguns minutos a menos.
E as coisas que importam são realmente boas, pq como eu disse o Togashi manja dos paranuê. A ideia de pegar as coisas que REALMENTE importam que acontecem no Torneio das Trevas (e que não são tantas quanto vc lembra) e colocar no arco da Yukina (que é quando o Togashi ainda estava tentando contar uma história) é uma escolha extremamente feliz.
Isso funciona melhor no contexto do que recortado em trailers, acredite |
Embora a série não abrace o humor encontrado no mangá, Yu Yu Hakusho da Netflix acerta em focar no outro aspecto que é importante na obra original: o senso de isolamento de Yusuke. Esse é meio todo o tema do arco do personagem até o fim da série, e eu fico feliz que a Netflix entendeu isso (o que é justamente o contrário do problema com Cowboy Bebop da Netflix, que entende o humor do anime mas falha miseravelmente em entender a melancolia e o noir que fez as pessoas se apaixonarem pela obra).
Aqui, Yusuke é obviamente um jovem deprimido, que não consegue se expressar de outra forma que não seja brigando. Todas as conversas que ele tem, desde sua melhor amiga Keiko, até sua mãe, são bastante abrasivas no mínimo, e ele frequentemente recorre a insultos ou simplesmente mete o pé e foda-se. Os únicos momentos que ele parece realmente confortavel no calor do combate com forças sobrenaturais – o que, como eu disse, é um ponto chave do arco do personagem e felizmente o show explora bastante
Adicione a isso a cenas de luta com coreografias excelentes que não devem aos grandes wire-fu chineses, e temos um efeito interessante que oscila entre o foda e o melancólico. Através da sua direção, a série tem esse tom vazio - mas não é vazio por ser malfeito, e sim pq ela faz um ótimo trabalho ao mostrar o quão sem objetivo Yusuke sente que sua existência é e como brigar é a única forma que ele consegue se conectar com alguém
Sério, as coroeografias estão moh boas |
Essa é a coisa importante de uma adaptação, não? O tema central foi mantido, o conceito foi mantido e o resto a gente dá um jeito. Isso é a definição de livro de uma boa adaptação. Existem algumas coisas que eu teria feito melhor, mas são coisas pequenas (tipo escalar um ator mais bonito e mesmo com traços mais femininos para o Kurama), no geral, nas coisas que realmente importam, a série manda bem.
E por falar em mandar bem, vamos falar de outro momento na história de YYH que se mandou muito bem e a razão desse post existir: quando a Treasure fez um jogo do Urameshão da massa para o Mega Drive. Sim, a Treasure, a empresa conhecida por conseguir tirar mais do hardware do Mega Drive do que a própria Sega com jogos como GUNSTAR HEROES e DYNAMITE HEADDY.
No auge da popularidade de YYH no Japão, a Treasure fez o único jogo de luta da sua história. Porém fica melhor: no auge da popularidade de Yu Yu Hakusho no Brasil, a Tec Toy teve uma sacada de gênio e traduziu o jogo - com efeito, é a única versão desse jogo que não está em japonês e é muito raro ter um jogo que só existe em JP e PT-BR (com efeito, não consigo lembrar de nenhum outro). Pq choras, gringo?
Tá, é um jogo de luta, não é como se vc precisasse ler realmente e não tem nada de particularmente útil nas opções, mas hey, pra saber que não tinha nada de útil nas opções vc teria que conseguir ler a porra em primeiro lugar, né? Enfim, o jogo existe no Brasil e isso é bem maneiro. Mas... o jogo em si é maneiro?
Então, normalmente quando uma empresa faz o seu primeiro jogo de luta ele não costuma ser muito incrível porque jogos de luta são bem tricky de fazer funcionar por várias razões que eu já expliquei ao longo dos anos nesse blog, mas essencialmente os personagens tem muitas partes moveis e areas diferentes e respondem a muito mais comandos que um jogo de plataforma.
E enquanto não tem nada que a Treasure pudesse fazer a respeito disso (esse ERA o primeiro jogo de luta deles de fato), tinha algo que eles podiam fazer a respeito de não poder fazer nada
ESPERA, O QUE?
Bom, vamos começar a explicar do começo. Um bom jogo de luta precisa, antes de qualquer coisa, ser um bom jogo de luta. Sim, eu sei, estou sendo um Xerox Rolmes aqui, mas então eu já joguei jogos de luta ruins o suficiente para não tomar isso como garantido. E nesse sentido, Yu Yu Hakusho: Makyou Touitsusen faz tudo muito bem, impressionante bem na verdade para um primeiro jogo de luta.
Nos controles a Treasure não tentou reinventar a roda: um botão de ataque fraco, ataque forte e defesa. Se vc estiver com o controle de 6 botões um botão pula para o plano do fundo - esse jogo usa dois planos, como em FATAL FURY: The King of Fighters só que aqui isso tem uma relevancia que eu vou explicar daqui pra frente - mas se não tiver aperte B+C que tb funciona.
Agora, na parte da mecanica é onde a Treasure realmente se destaca aqui: ele faz um bom uso do BLAST PROCESSING (seu coroa) do Mega Drive e é surpreendentemente ágil, especialmente na velocidade dos especiais e na implementação dos combos. Enquanto o jogo não é nenhum X-MEN VS STREET FIGHTER... até porque é um jogo de Mega Drive, né, dã... o jogo é definitivamente gostosinho e um upgrade sobre os combos de SUPER STREET FIGHTER 2: The New Challengers .
O ritmo da luta em Yu Yu Hakusho é um ritmo que eu não lembro de ter visto em outros jogos de Mega Drive, a agilidade para correr e mudar de plano, junto com combate corpo a corpo rápido e o espetacular sistema de especiais que não apenas é fiel ao anime como altamente criativo (todos ataques parecem diferentes uns dos outros, não são apenas "hadoukens de outra cor") criam um caos frenético, embora totalmente administrável.
Uma coisa muito inteligente que a Treasure fez foi que os ataques especiais são consideravelmente mais fracos do que os socos e chutes normais, mais do que em qualquer outro jogo de luta da época, o que equilibra que os ataques especiais dão vários hits e tem alcances diferentes - mas um não é melhor que o outro, vc precisa mesclar especiais com o combate de perto.
Isso tudo torna Yu Yu Hakusho um dos jogos de luta mais sólidos do sistema, porém como eu disse a Treasure é conhecida por sempre tirar 125,14% do Megão da Massa. Enquanto qualquer outra empresa atirarira pro céu agradeceria que tinha feito um jogo desse calibre, a Treasure estava incomodada que por ser o primeiro jogo de luta que eles fizeram na vida estava "apenas" sólido e é aí que vem a cereja do bolo, o creme de la creme, o molhadinho do aipim!
TENHO BASTANTE CERTEZA QUE VC ESTÁ APENAS INVENTANDO EUFEMISMOS SEXUAIS A ESSE PONTO...
Eu não nego nem confirmo essa afirmação. O que eu confirmo é o seguinte: Yu Yu Hakusho - Brigadores do Por do Sol é um jogo de luta para 4 pessoas. Ao mesmo tempo na tela. E é aí que a criança chora e a mãe não escuta.
Se o mundo precisou esperar até STREET FIGHTER ALPHA 3 para ter um modo cooperativo padrão no jogo, aqui (anos antes) o jogo foi todo construído sobre a premissa que tem 4 personagens na tela o tempo todo - seja em duplas, seja cada um por si. E o melhor disso é que se você não tiver um multitap para quatro controles, ou mesmo amigos (o que é mais provavel no meu caso), o computador assume os outros três personagens.
E é aqui que entra a sacada esperta de ter mais de um plano na tela. Enquanto os quatro bonecos podem ficar no mesmo plano, vc tambem pode ir pro plano do fundo e tirar um x1 contra alguém lá, ou apenas sair fora deixar os outros 3 quebrando o pau sozinhos (pelo menos até alguém te notar e ir atrás de vc).
Isso explica os gráficos do jogo terem uma paleta de cores mais simples mesmo para os padrões do Mega Drive, pq as cores mais simples servem não apenas para identificar os times como os gráficos mais simples (comparado a outros jogos da época como SUPER STREET FIGHTER 2: The New Challengers) permite que o jogo rode mais suavemente.
O resultado é que muito antes de STREET FIGHTER ALPHA 3 e seu dramatic mode, e muito, muito, muito antes de Smash Bros, Yu Yu Hakusho da Treasure entre uma porradaria entre 4 personagens que roda fluído, caos comendo, dedo no buraco para o Makai e gritaria. Embora hoje clones de Smash Bros com 4 bonecos se socando na tela não são uma coisa rara, em 1994 esse jogo foi uma coisa anos a frente do seu tempo - tal qual o manga que o inspirou.
Kurama vs Urai, a batalha do século! |
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 127 (Maio de 1998)
Edição 007 (Outubro de 1994)
Edição 041 (Junho de 1999)