domingo, 31 de dezembro de 2023

[#1209][Mar/97] THEME HOSPITAL



Já chegou ano novo, Natal ficou pra trás!
E essa noite começa, um ano mais!

UAU, REALMENTE ORIGINAL PARA UM POST DIA 31 DE DEZEMBRO, NÃO É COMO SE NINGUEM TIVESSE PENSADO EM FAZER ISSO NOS ULTIMOS TRINTA ANOS...

Feliz ano novo pra vc tb, Jorge! Especialmente pra vc, que foi com quem eu mais conversei durante essa ano, que aguentou as minhas merdas durante 185 reviews em 2023, meu mais fiel companheiro!

Para surpresa de absolutamente zero pessoas, a capa americana do jogo não tem a MOLIER. Tipico.

NÃO É COMO SE EU TIVESSE ALGUMA ESCOLHA...

Ainda sim, feliz ano novo! E pra encerrar aquele que foi um dos piores anos da minha vida onde eu contemplei o vazio e a insanidade em níveis que outro ser humano algum seria capaz de faze-lo e ainda sim seguir em frente, um jogo que... na verdade é bom! Eu quero dizer, realmente bom, ótimo mesmo!

Pq de sofrimento e dor chega o que foi 2023, né? NÉ?


CARA, VC TÁ BEM?


Mas isso de lado, vamos seguir em frente e com o último jogo de 2023: o fantabuloso, chocolingo, alvitálicio e morungávico HOSPITAL TEMÁTICO!


A primeira coisa que tem que ser observada a respeito de Theme Hospital é que a sua produtora - a Bullfrog tomou seu doce tempo para fazer o jogo com toda calma do mundo. Eu quero dizer literalmente tomou todo tempo que precisava, seu jogo anterior THEME PARK foi lançado na metade de 1994 e levou TRÊS ANOS para a continuação sair.

Tá, hoje em 2023 (e suas ultimas horas) três anos é um tempo até rápido de desenvolvimento de um jogo, mas nos anos 90 isso eram um ou dois ciclos de desenvolvimento de jogo! Claro que grande parte disso foi o estrondoso sucesso de THEME PARK, que saiu para todas as plataformas conhecidas pelo homem e mais algumas que foram inventadas só pra ele (apenas relembrando, o jogo foi lançado para [inspira] PC, Amiga, 3DO, Mega Drive, Sega CD, Amiga CD32, Mac OS, Atari Jaguar, FM Towns, Sega Saturn, PlayStation, Super NES, Nintendo DS e iOS [expira]. Então, é, definitivamente nossos amigos da Sapoboi estavam com os bolsos cheios o suficiente pra não ter pressa de lançar uma continuação de qualquer jeito.


E eu posso te garantir que "de qualquer jeito" é tudo que eles não fizeram aqui. Lançado no começo de 1997, é - como o nome sugere - um simulador de gerenciamento de hospital e que como você poderia esperar, adota o tom do Theme Park – e grande parte de seu código de programação.

A piada aqui é que não apenas você tem que lidar com doenças cômicas e fictícias, como todo o ponto da coisa é que você administra um hospital com fins bastante lucrativos. O que obviamente não deixou o governo feliz na época, pq TH dá uma cutucada Southparkiana em coisas bem sérias. O que, totalmente já é dado o tom desde a cutscene de abertura:


A cena de abertura chamativa para a época dá o tom do jogo: um helicóptero chega para levar um médico superstar de meia idade - que estava no meio de uma partida de Dungeon Keeper - até seu paciente. Ele irrompe dramaticamente pelas portas do hospital, esmagando uma enfermeira. Ele começa a acelerar sua motosserra médica para uma operação complexa, mas então a verificação do cartão de crédito dá negativa e o paciente é ejetado na escuridão, grita e o jogo começa.

Agora, falando sério, mais que seja tentador tentar ver uma critica social aqui, na verdade eu duvido muito que seja esse o caso. Theme Hospital (assim como a Bullfrog) é demasiado britânico para ser lido como uma mensagem ao horror que é o sistema de saúde dos EUA e demasiado engraçado para ser visto como uma crítica à gestão do NHS. No máximo pode parecer como um dia comum do SUS, mas eu realmente duvido que eles conhecessem a saúde pública brasileira...


De qualquer forma, vamos estabelecer aqui que esse jogo é melhor entendido como um jogo de gerenciamento com tons de humor britanico escrito por pessoas que assistiram muito Monthy Python e Red Dwarf – que apenas acontece de ter um tema hospitalar.

O jogo rola assim: cada novo hospital começa completamente vazio, com novas alas disponíveis para compra dependendo da fase que você está jogando. Seu primeiro trabalho é criar uma área de recepção com mesa, bancos, máquinas de venda automática, plantas e assim por diante. Tal como acontecia em THEME PARK, tudo importa.

Vc precisa de bancos pq as pessoas não gostam de esperar em pé, vc precisa de máquinas de vendas pq as pessoas tem fome e sede (e isso dá um dinheirinho), e se elas comerem vc precisa de banheiros (com pias e secadores de mão pq senão vai ficar tudo nojento), precisa de cestos de lixo e de um faxineiro. As plantas e a decoração interferem no humor e stresse dos pacientes e equipe do hospital, enfim, todo rugalu que você esperaria de THEME PARK só que três anos melhorado: mais simples de gerenciar, porém mais perceptível ao gameplay.



Só que vc está jogando esse jogo para ver o que ele faz de diferente de THEME PARK, até senão vc estaria jogando THEME PARK oras, e é aqui que as coisas realmente começam a ficar loucas: vc precisa de um clinico geral pra fazer a triagem, e depois precisará psiquiatras, farmacias, salas de tratamentos e enfermarias. A principio é bem simples e o jogo é bem amigável para iniciantes, dando o beabá básico: doença X, Y e Z são tratadas pela farmacia, construa uma e contrate um enfermeiro para gerenciar enquanto certas doenças malucas – como a cabeça inchada ou o complexo de King, que transforma as pessoas em Elvis – exigem instalações de tratamento especiais. Tudo isso tem um custo, que é recuperado à medida que os pacientes pagam pelo diagnóstico e pelo pagamento.

Nada é realmente dificil de entender e o jogo não é de um misticismo arcano que vc precisa ler um manual de 200 páginas para jogar ele. Apenas ligue e na primeira fase o jogo já vai te por a par das suas mecanicas e o que vc precisa fazer.


VOCÊ FALA COMO SE ISSO FOSSE UMA GRANDE COISA

Hoje, não é. Isso é apenas o básico do básico que vc espera de um jogo minimamente decente. Porém estamos falando de um jogo de computador de 1994, uma época que o game design dos jogos de computador tinha orgulho de "quanto mais complicado e menos gente entender, mais chique o meu jogo ". Na verdade isso não é restrito aos videogames, era uma coisa de nerds da época: sistemas de RPG de mesa como GURPS, Shadowrun e Advanced Dungeons and Dragons tem muito isso de "se ninguém entender eu sou foda" no seu design.

Então, sim, Theme Hospital já começa ganhando pontos por fazer um jogo que você pode apenas ligar e sair jogando - caralho, com efeito ele é até mais simples de entender do que SIM CITY, e isso é um grande elogio.

Porém simples não quer dizer simplório, e de um modo que nunca realmente foge da sua compreensão, o jogo vai começando a te dar mais coisas para gerenciar. Você precisa fornecer banheiros e instalações de descanso para sua equipe, considerar o aquecimento e manter seus corredores limpos. Em fases posteriores, vc pega apenas calouros da faculdade de medicina e precisa treinar eles em alguma especialização (o que custa um dinheiro e tempo que aquele bonequinho estará indisponível) que vão fazer falta. Ou então vc precisa espremer corredores em um prédio apertado. Ou vc começa sem dinheiro e precisa estorquir dinheiro dos seus pacientes a qualquer custo necessário. Enfim, cada fase apresenta um desafio novo.


Você é avaliado com base em quantos pacientes você cura, que proporção de atendimentos você atende, quanto dinheiro você ganha e o valor geral do seu hospital. Atenda a esses critérios para um determinado estágio e você será levado imediatamente para o próximo, e se para isso vc precisar ser pouco... ético... ema ema ema, cada um com seus pobrema: você pode, por exemplo, como forçar os pacientes a obterem mais diagnósticos do que realmente precisam, pagando sempre, ou colocar a recepção e a sala de triagem bem afastadas pq enquanto o paciente está indo de um lugar para outro do hospital é um tempo que ele não estará parado contando como fila esperando atendimento. 

Para adicionar mais dedo no cu e griataria ainda por cima, existem vários eventos aleatórios e tarefas, como epidemias e tarefas de curar um conjunto de pacientes prioritários até um limite de tempo ou de repente enfrentar um terremoto que destrói equipamentos, e assim por diante de acordo com a fase que você está. 


VOCÊ JÁ MENCIONOU ISSO DE "FASE" ALGUMAS VEZES. MAS UM SIMULADOR DESSES NÃO É APENAS UM GRANDE SANDBOX ONDE VC CONSTRÓI AS COISAS COMO EM SIM CITY ou SIM TOWER: The Vertical Empire?

Então, essa é realmente a grande coisa que Theme Hospital trás para a mesa: sua principal atração é o modo campanha. Ao invés de dar um grande espaço para vc brincar de casinha até cansar (embora tenha essa opção também), o que TH faz é diferente: cada hospital tem três objetivos a serem alcançados. Cumpra os três e vc passa para a próxima fase.

Sabe, esse meio que sempre foi (e ainda é) o meu problema com jogos de gerenciamento do tipo ou jogos muito abertos: a falta de um objetivo dado pelo jogo me desanima. Eu nunca fui a pessoa que passa 28 horas por dia fazendo coisas em Minecraft pq eu perco o interesse se não tem um objetivo palpavel em vista. E TH aborda diretamente isso, pq todo o jogo é estruturado em te manter focado e interessado!



Por mais que eu me divirta com jogos de gerenciamento estilo god game, usualmente são apenas algumas horas antes de eu ficar sem objetivos. Resolver isso e transformar um god game em algo que efetivamente me mantem interessado por horas e horas e horas é algo nunca antes visto na história desse país.

Sim, verdade que mesmo desde SIM CITY jogos assim possuiam cenários com missões para você resolver, mas aqui é a primeira vez que eu sinto que esse efetivamente é o cerno jogo, que realmente existe uma campanha e não tenho como esconder que isso apela muito mais ao meu paladar videogueimistico.

E por baixo de tudo isso, é realmente importante ressaltar esse ponto, temos um adorável jogo de estratégia que ronrona. Theme Hospital começa como um desafio espacial - vc nunca mais vai ver o espaço gasto em banheiros da mesma forma - mas logo se torna um trabalho de malabarismo com pessoas, dinheiro e caprichos de uma população doente. É um clássico problema do triângulo: faça as coisas bem, faça as coisas rápido, faça as coisas barato, mas não pense que você pode fazer todos os três. 


E, em adição a tudo isso, tem o bonus que o jogo teve em mim meio que o efeito em que SID MEIER'S COLONIZATION: gameplay e piadocas a parte, esse foi um jogo que me ajudou a entender pq as coisas são como elas são. Assim como SID MEIER'S COLONIZATION me colocou em situações que eu pude entender as escolhas que os colonizadores tomaram (não concordar, mas entender pq eles fizeram o que fizeram), Theme Hospital funciona de um modo parecido.

Eu não comecei Theme Hospital querendo espremer cada centavo de cada paciente e cada gota de suor de cada funcionário, mas eventualmente isso se tornou uma necessidade. Não apenas por causa do dinheiro (embora no mundo real isso seja um fator gigantesco, se não o principal), mas pq todo o sistema de saúde é muito mais frágil do que achamos confortável pensar.

Isso em 1997 podia parecer uma brincadeira da Sapoboi, mas em 2020 vimos como é delicado o sistema de saúde: a COVID nem é uma doença particularmente perigosa per se, menos de 10% dos casos precisam de internação hospitalar. Porém esses 10% já são o suficiente pra destroçar completamente o sistema de saúde que já trabalha a 98% da sua capacidade na base do suor e cuspe.


O sistema de saúde como um todo é mantido à tona pelo seu pessoal que estouram as horas extras e sua própria saúde para que a coisa continue funcionando, e isso é uma coisa que você vê em Theme Hospital. Alias não apenas vê, como é obrigado a explorar - seja negando folgas para funcionários se arrastando pelos corredores, seja cortando orçamento e demitindo veteranos para contratar jovens que se não vão fazer tão bem, pelo menos vão fazer mais por menos.

Não é o ideal e não é o que eu queria fazer quando comecei a fase. Mas então acabou de estourar uma epidemia da doença que transforma a cabeça das pessoas em lampada, a máquina de raio-x está quase pegando fogo e eu não posso parar ela pra manutenção e muito menos tenho dinheiro (ou o espaço) pra uma sala nova de raio-x e eu ainda tenho que parar pra dar atenção a um politico que decidiu que fazer uma social no meu hospital daria votos pra campanha dele e eu não posso lidar com mais impostos agora.

Mas hey, olha só, eu coloquei umas plantas novas na sala de recesso dos funcionários! Então se animem! ... bem, tá certo que elas são de plástico pq o zelador não tem tempo de ir regar elas já que ele está limpando alguém que vomitou no chão, eu suponho que poderia ter colocado mais um banheiro naquele corredor SE EU TIVESSE O ESPAÇO PRA ISSO, mas... é bem, foi o que deu pra fazer. 



Enfim, Theme Hospital senhoras e senhores.

Um fodendo jogo para encerrar a fodelagem que foi 2023, e que 2024 seja melhor... mas se não for, ao menos estaremos aqui com mais joguíneos! Essa é uma resolução de ano novo que eu realmente posso cumprir!

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 129 (Julho de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 048 (Março de 1998)


Edição 052 (Julho de 1998)