Uma das primeiras coisas que eu aprendi nesse projeto (eu digo o blog, não o project do jogo) é que reviews de jogos antigos tem que ser tomados uma pitada de ceticismo porque a imensa maioria é apenas nostalgia ou, o que é bem frequente, algum maluco querendo chamar atenção dizendo que descobriu uma "perola escondida" que ninguem lembra... apenas para na maioria das vezes não ser nada senão um jogo medíocre que ninguém lembra por um motivo. Mas hey, esses cliques não vão se caçar sozinhos, certo?
Sério, já tem mais de mil reviews e raras vezes um jogo completamente desconhecido saiu do nada e levou nossos corações de assalto. Uma dessas raras vezes, entretanto, foi justamente com WONDER PROJECT J.
WONDER PROJECT J é um point'n click/raising sim que não apenas espreme cada gota de capacidade do Super Nintendo em programação, cutscenes e música, como é um jogo que mete o dedo na ferida falando abertamente de racismo, discriminação e como as pessoas podem ser melhores do que isso. De todas as coisas que eu esperava ver na vida, um jogo que tem uma referencia clara a quando Jesse Owens (que é negro) venceu os 100 metros rasos nas olimpiadas de Berlim na cara dos nazistas e do her fuhrer. Pois é.
E como esse é um jogo que nunca foi lançado fora do Japão, ESSE é um jogo que definitivamente merece ser chamada de "hidden gem" do Super Nintendo. Na real até agora eu não entendo pq a Super Game Power dedicou duas páginas a um jogo que não tem como ser jogado sem saber japonês, mas sou grato que eles o fizeram (e a quem traduziu o jogo na internet anos depois) pois me permitiu ter uma das experiencias mais emocionantes de todo esse blog.
Então imaginem vocês minha alegria quando eu soube que esse jogo teve uma continuação para o Nintendo 64! Mesmo que as midias em cartucho do N64 não tenham tanta capacidade de armazenamento quanto os CDs, a quantidade de animações, músicas e mecanicas que esse jogo pode ter aumentaria em pelo menos 10 vezes! É tipo pegar um piloto de F1 extremamente talentoso mas que pilota um carro limitado e coloca-lo na equipe de ponta, a imaginação é o limite!
E olhando as primeiras imagens o hype é real, pq esse é o jogo com o maior número de cutscenes que eu já lembro de ter visto no N64, ele é REALMENTE bem animado! Bem, claro, e tem a coisa que a protagonista agora é uma garota.
AHAM, TO VENDO NO QUE TU TÁ INTERESSADO AQUI...
Hã, eu... err...
ALO, É DO FBI? EU QUERO DENUNCIAR UM "INTERESSE" AQUI
Hã... mas então, o jogo, né... quer dizer, o que possivelmente poderia dar errado?
TALVEZ VOCÊ NÃO DEVESSE USADO ESSAS PALAVRAS...
Temo que tenha condenado a todos nós... mas o que foi dito está dito e o que não foi dito é um cabrito. Vamos começar pelo começo.
Pra começar, WPJ2 é de fato um jogo muito mais bonito, muito mais bonito do que se poderia esperar para um jogo de Nintendo 64. Isso porque enquanto o Nintendo 64 é de fato mais poderoso que o PS1, esse poder de processamento se aplica a coisas que exigem calculos matemáticos ou vários elementos na tela (é por isso que os sprites não arrebentam quando você se aproxima deles com a camera em SUPER MARIO 64).
Para gráficos 2D poder de processamento não importa tanto quanto capacidade de armazenamento de informação, logo o espaço limitado do cartucho poderia ser um problema. O que não é o caso, talvez esse jogo fosse MUITO mais bem animado se fosse em CD, mas do jeito que foi o que ele faz é impressionante pq as animações (e eu digo de movimentação dos personagens) são as melhores que eu já vi no N64 até aqui. Adicione que esse jogo tem um conjunto muito grande de recursos e temos um jogo dinamico e bem animado como poucas vezes se viu nessa industria vital. Nos seus melhores momentos, o jogo parece uma animação do estúdio Ghibli (e com efeito parte do staff do estúdio fizeram animações para esse jogo).
Essa quantidade maior de movesets que um personagem tem para fazer não é apenas um deleite para os olhos, mas nossa menina-robo protagonista Janette tem imensamente mais rotinas de comportamento do que o menino-magia Pino do jogo anterior - e olha que já eram muitas. O que quer dizer que ela tem mais personalidade, ela age mais por conta própria e tudo mais que você poderia esperar de um jogo que é sobre criar um serzinho virtual.
Verdade que é um pouco irritante quando ela decide que quer parar o jogo para ficar batendo papo com você, ou não quer seguir suas instruções porque não tá no mood, mas não chega a ser nada que estrague o jogo ou faça você querer espanca-la com uma frigideira na cara, como acontece com a inhaca do Pac-Man em PAC-MAN 2: The New Adventure.
Então, por todos aspectos tecnicos, esse jogo não desaponta de forma nenhuma como uma "continuação next gen" de um jogo que já era um dos mais bonitos do Super Nintendo. Taí um salto geracional de um console para o próximo que dá pra sentir no tutano do osso, eu te digo.
Só que enquanto os gráficos, a animação e a protagonista não realmente desapontam... bem, meio que todo o resto do jogo sim. Eu digo isso porque as mecanicas de Raising Sim do jogo anterior foram realmente simplificadas...
E ISSO É UMA COISA RUIM?
Considerando que quando eu digo "simplificadas" eu quero dizer "não estão mais no jogo", sim, eu diria que é algo ruim. Ao contrário de Pino, Janette não tem mais atributos controlando como ela se comporta ou interage com as coisas, as rotinas dela foram bastante simplificadas a um ponto que são bastante inferiores ao que rola no jogo anterior de Super Nintendo.
Agora quando Janette interage com um item novo primeiro ela faz errado, aí você diz pra ela que tá errado, ela erra numa segunda interação, você corrige ela novamente, e na terceira ela já acerta. Você elogia o comportamento dela e pronto, ela aprendeu a usar o item certo.
Seja como usar uma vassoura, ler uma enciclopedia ou usar halteres para ganhar força no braço, o procedimento é esse. Mande ela interagir três vezes com o item, na terceira ela pegou o jeito e aprendeu essa skill pro resto da vida. Piora ainda mais que o unico lugar que você realmente interage com ela é na casa dela, então todo o ponto do jogo é conseguir dinheiro para comprar os itens na lojinha (que tambem fica na casa dela), ensinar ela a usar o item e pronto, essa é sua participação no jogo.
Esqueça gerenciar skills conforme a necessidade narrativa, você literalmente compra tudo que conseguir e coloca essa skill no arsenal de movimentos dela... e 90% do jogo é isso. Então a parte mecanica do raising sim sofreu um demake cavalar e isso definitivamente não é legal.
MAS SE A PARTE DE "CRIAR O PERSONAGEM" FOI SIMPLIFICADA DESSA FORMA... O QUE VOCÊ FAZ NO JOGO, EXATAMENTE?
Na prática, na prática mesmo esse jogo é uma visual novel. O único lugar que você interage com Janette é na casa dela, nos outros lugares você apenas seleciona no mapa onde ela tem que ir e a cena rola sozinha dali pra frente. As vezes tem um evento ali pra você assistir, as vezes não. Então o jogo é mais sobre triggerar os eventos certos para o jogo avançar.
Existe uma lista de 25 achivements que Janette (sim, eu sei que o nome que o jogo dá é Josette, mas eu gosto mais do meu jeito) pode atingir e apenas alguns deles são obrigatórios para terminar o jogo. Coisas como aprender a cumprimentar, aprender a tomar banho ou estrelar um filme. Alguns poucos desencadeam minigames em particular (como o labirinto 3D de explorar a mina) ou pescar peixes e tesouros com o submarino, mas a imensa maioria desses eventos são feitos indo nos locais certos na ordem certa e quando necessário voltando pra casa pra você ensinar ela a usar um item comprado no shop.
VOCÊ NÃO PARECE REALMENTE EMPOLGADO COM ESSA ESTRUTURA, DEU PRA NOTAR...
Então, Jorge, esse é o negócio: eu não tenho problema o jogo ser essencialmente uma visual novel com frescuras extras. Juro pra você que não tenho, alguns dos jogos que mais mexeram comigo são visual novels (como Katawa Shoujo ou Saya no Uta), mas esse é o negócio: uma visual novel é tão boa quanto sua escrita, e WPJ2 não é particularmente bem escrito ou sequer particularmente interessante.
O primeiro jogo tinha aventuras bobas com Pino aprendendo a fazer coisas e se metendo em confusões simples, mas tinha também temas pesados. Esse jogo não. Pra vc ter uma ideia, o fato de que Janette é uma gijin (os androides desse mundo que foram criados para trabalho escravo e por isso recebem muito preconceito) não é abordado em nenhum momento até a reta final. Ela apenas "esconde isso" e não se toca no assunto. O jogo não é sobre isso.
MAS ENTÃO SOBRE O QUE O JOGO É?
Heh, não muita coisa. O jogo se passa numa ilha ocupada por um invasor militar, mas não tem muito nisso que todas as obras de "império maligno do mal que odeia o bem" já não tenham coberto antes. Alguns NPCs tem alguns objetivos menores, mas nada realmente chocante ou que se ligue a muita coisa (um pescador está tendo sua pesca roubada por um gato e vc tem que ajudar ele, a dona do bar quer te ensinar a cozinhar para impressionar um crítico culinário, etc).
Enquanto existe um plot maior envolvendo o império maligno do mal que odeia o bem, o cozimento da coisa toda tem muita cara de "continuação lançada direta para DVD". O que é definitivamente uma pena, Janette é tão doce e inocente que é difícil não gostar dela pelo menos um pouco, e os devs claramente colocaram muito esforço nas rotinas de programação dela. Ela definitivamente merecia um jogo mecanicamente melhor, ou pelo menos narrativamente mais interessante.
Infelizmente, esse jogo não é nenhum dos dois.