segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

[#1018][Dez/95] MAUI MALLARD IN COLD SHADOW (ou "Donald in Maui Mallard" até 1995)


Eis aqui um jogo que me marcou profundamente quando eu era criança... e foi um jogo que eu nunca joguei!

Isso pq quando eu vi a capa do jogo na locadora, eu nunca tinha ouvido falar desse tal de Maui Mallard (nem ninguém, mais sobre isso em breve) e tudo que eu entendi foi que o Pato Donald ficou cego! Caraca, história pesadaça heim dona Disney?


... VOCÊ NÃO ERA O BISCOITINHO MAIS ESPERTO DO PACOTE, TENHO QUE DIZER.

É, eu suponho que não. Mas em minha defesa, estavamos no auge da febre de Cavaleiros do Zodíaco e eu achei que cegar um personagem fosse algo normal que as histórias faziam. Tá, colocando em voz alta não parece realmente que eu era uma criança muito brilhante... mas anyway, obviamente que anos depois (e por "anos depois" eu quero dizer só joguei esse jogo agora pro blog) eu descobri que esse NÃO é o jogo onde o Pato Donald fica cego. Para surpresa de absolutamente ninguém, é algo bem mais... bem, Disney... do que isso.


A Disney tem uma parada de pegar seus personagens e reutilizar o personagem em um contexto completamente diferente do original, mesmo que não faça exatamente muito sentido (o que é diferente de dizer que não funciona, normalmente funciona). Isso é algo que a empresa sempre fez, desde seus primeiros curtas animados, e na década de 90 fizeram bastante isso como, por exemplo, colocando o Pateta como um pai de sitcom em GOOF TROOP, o Balu do Mogli como ... piloto de avião???... em Talespin, ou Tico e Teco como Defensores da Lei em CHIP'N DALE RESCUE RANGERS. Como eu disse, nem sempre faz sentido, mas geralmente é mais bom do que ruim.


Sério, Disney, o Baloo do Mogli? Isso é a coisa mais aleatória da história dos cartoons...

E o mesmo aconteceu com o Pato Donald... mais ou menos. A Disney tentou fazer uma parada tipo a Warner fez com o Patolino, que tem o seu alter-ego para aventuras sci-fi através do "Duck Dogers no Século 24 1/2" (que virou o jogo DAFFY DUCK : THE MARVIN MISSIONS), e aqui eles pensaram em criar detetive particular (sob a alcunha de Maui Malard) que secretamente é um ninja (que atende por Cold Shadow).

O que é diferente nesse projeto, entretanto, é que a idéia da Disney foi começar esse spin-off nos games e só então virar quadrinhos e possivelmente uma série animada depois. O que faz certo sentido, porque depois do sucesso comercial de DISNEY'S ALADDIN do Mega Drive - ao criar o próprio jogo e não ter que dividir o lucro com ninguém, a Disney tomou gosto pela grana e decidiu ir full games sozinhos.


E, com efeito, os gráficos são compostos por celulas de animação desenhadas a mão por artistas da Disney - como já havia acontecido no próprio DISNEY'S ALADDIN do Mega Drive (mas não do Super Nintendo) e em MICKEY MANIA: The Timeless Adventure of Mickey Mouse.

Com uma direção de arte consistente e criativa, gráficos bonitos e uma jogabilidade diversificada,
o jogo tinha tudo pra ser o começo de uma franquia, mas infelizmente o jogo não vendeu
muito bem e essa ficou sendo a única vez que vimos Maui Mallard. O que aconteceu?


Bem, basicamente, timing ruim e marketing atrapalhado. Só ver pelo próprio nome do jogo: ele existe com dois títulos diferentes, Maui Mallard in Cold Shadow e Donald in Maui Mallard. Num primeiro momento, o jogo foi lançado em 1995, pela Disney Interactive, com o nome de Donald in Maui Mallard.

Inicialmente a ideia era essa, esse é um jogo em que o bom e velho Pato Donald está interpretando um papel, o do detetive/ninja Maui Mallard. Maui Mallard seria apenas um personagem sendo interpretado por outro personagem, nada tão fora do comum para o padrão da Disney como eu comentei antes. Assim, O jogo foi lançado com esse nome, em dezembro de 1995 pro Mega Drive apenas na Europa e no Brasil (que eram as bases mais fortes da Sega mundialmente).


Nos Estados Unidos, entretanto, a coisa foi mais complicada. De acordo com uma entrevista com um dos compositores da trilha sonora, Patrick J Collins, quando o jogo estava pronto, o departamento de marketing da Disney começou a mostrar preocupação de que o Pato Donald era considerado um personagem meio antiquado ou meio infantil pro gamer americano dos anos 90, e se você acompanha esse blog até aqui, não é dificil entender o pq dado a coisa que os US and A tinham com ATITUDE, SEU COROA!

E de fato, realmente, os quadrinhos do Pato Donald nunca fizeram tanto sucesso nos Estado Unidos quanto no Brasil e na Europa. Só ver como QUACKSHOT é tido como um clássico no Brasil e na Europa, mas raramente você vê americanos falando sobre ele. 


Adicionalmente, a Disney estava preocupada que a do Donald com uma arma na mão e enfrentando
criaturas sobrenaturais poderia causar problemas com a Associação das Mães Desocupadas da América, prejudican a imagem dele como produto de marketing pra um público infantil. E tem que ser dito que nesse jogo ele não apenas vai pro mundo dos mortos e como um dos chefes é derrotado jogando nativos vivos pra ele comer e cuspir apenas a pilha de ossos.

Essa discussão fez a Disney repensar a sua ideia e o resultado disso foi que o jogo acabou sendo lançado apenas em setembro de 1996 nos EUA, com o título alterado para Maui Mallard in Cold Shadow - sem nenhuma referencia ao Pato Donald, não apenas na capa, mas todo manual e o todo o material promocional tiveram as referencias totalmente removidas.


TV Quack Pack foi possivelmente uma das coisas mais AGORA É ATITTUDE, SEU COROA! dos anos 90

Agora Maui Mallard seria era um personagem por ele mesmo, e não um papel pro Donald. O problema é que esse atraso acabou quebrando as pernas do jogo na janela de lançamento, pq de 95 pra 96 o cenário dos videogames mudou MUITO. No final de 96 o Super Nintendo e o Mega Drive já haviam perdido totalmente o holofote para o Playstation e mesmo os distantes segundos colocados, Sega Saturno e o Nintendo 64, e desse jeito a Disney ficou com um grande pé atrás de gastar com a produção de cartuchos para sistemas ultrapassados.

Eles cogitaram lançar o jogo para PS1 e Saturn, mas isso envolveria ter que refazer mais coisas no jogo para justificar o next-gen, a Disney não acho que apenas copiar e colar um jogo de Mega Drive de 1995 no Playstation passaria batido para pelo menos justificar os custos da adaptação. 


O que a Sega fez, então, foi empurrar o jogo do jeito que estava da forma que dava pra tentar recuperar ALGUM dinheiro, e assim a Nintendo então adquiriu a licença do jogo com a Disney Interactive por um preço não apenas camarada, como com uma exclusividade nos Estados Unidos e a Sega não pôde lançar sua versão americana pro Mega Drive em cartucho, apenas via Sega Channel - que eu já contei a história aqui em Mega Man: The Wily Wars e que tinha um alcance beeeeeem mais limitado.

Só que como desgraça pouca é bobagem, o port do jogo para Super Nintendo teve sua distribuição com problemas nos Estados Unidos e foi lançado só em Janeiro de 97, perdendo totalmente a janela para aproveitar as vendas de Natal. Resumo da opera: o jogo só realmente chegou nos Estados Unidos em 1997 (quando ninguém mais se importava com jogos de plataforma de 16 bits), apenas para Super Nintendo, PC e no Sega Channel.


Ou seja, a esse ponto a Disney largou os tacos e não se esforçou muito no marketing pq viram que essa era uma causa perdida. O jogo ainda viria a ter uma adaptação pro Game Boy, em 98, mas não ia ser isso que ia salvar a franquia. Dessa forma, os planos não apenas pra uma sequência foram cancelados (apesar da promessa nos créditos do jogo) como todo o projeto de quadrinhos e televisão. Havia originalmente até uma ideia pra colocar um quadro dele no Quack Pack do Disney Afternoon (Disney Club no Brasil), mas depois do fracasso do jogo nem isso foi pra frente.

E o pior de tudo isso é que o jogo não é ruim realmente, ele apenas foi pego no fogo cruzado das decisões de marketing da Disney. Se tivesse sido lançado em 95 como um jogo do Pato Donald, como era a ideia original, totalmente chamaria a atenção de uma forma positiva especialmente por ter uma vibe no gameplay que é claramente inspirada em EARTHWORM JIM. Quer dizer, EU particularmente detesto EARTHWORM JIM, mas eu seria maluco se dissesse que nao reconheço o sucesso que esse jogo fez na época e o quanto qualquer coisa associada a esse gameplay que flerta com o eurotrash-floaty de Amiga era bem recebida também.


Porém apesar da jogabilidade desse jogo ser perto do eurotrash demais pra mim, tenho que reconhecer que a mecanica de alternar entre Maui Mallard e Cold Shadow funciona já que eles jogam bastante diferente: Maui tem uma pistola com alguns tipos diferentes de tiros e pode subir em vinhas, Cold Shadow tem um ataque melee (com um alcance horrível, mas whatever) e pode se balançar no cenário com seu bastão como o grapling hook da Samus em SUPER METROID.

Definitivamente tem boas ideias aqui, e mais do que isso DEFINITIVAMENTE tem gráficos incríveis com a Disney não poupando recursos para socar vários tipos diferentes de quadros de animação para as mais diferentes situações. Adicione a isso cenários muito bonitos (eu especialmente gosto do Mundo dos Mortos, que tem um olhão te julgando silenciosamente ao fundo) e uma dificuldade que é surpreendentemente okay para um jogo da Disney. Você sabe, apenas eles não arrancarem o seu couro a cada segundo como THE LION KING já uma puta vitória no meu livro.


Enfim, eu realmente gosto do conceito deste jogo – a combinação maluca de Disney, Magnum P.I. e Kung-Fu - e eu diria que seus problemas são resolviveis o suficiente. Basicamente ele precisaria de controles mais tight, um alcance do ataque melhor e talvez um pouco de variedade de power ups, não é nada que fosse muito complicado de fazer na época.

Infelizmente nada disso aconteceu e Maui Mallard hoje vale mais a pena ser lembrado pelo projeto de explorar o Pato Donald enterrado junto com ele do que pela qualidade do jogo em si. Not terrible, but not great either.


MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 116 (Junho de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 036 (Março de 1997)


Edição 037 (Abril de 1997)



MATÉRIA NA GAMERS
Edição 015 (Fevereiro de 1997)