quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

[#1012][Dez/95] SOUL EDGE (ou "Soul Blade" no ocidente)


Ao longo de todos esses anos nessa indústria vital, a Sega cometeu inúmeros, inúmeros, inúmeros, minha nossa foram inúmeros mesmo, erros. Porém se tem algo do qual não se pode nunca, jamais criticar a Sega é a respeito dos Arcades. Enquanto seus colegas na sala ao lado faziam coisas altamente questionáveis como lançar dois consoles domésticos ao mesmo tempo para competir consigo mesma (cof, 32X e Saturn, cof), o pessoal dos arcades da Sega nunca realmente pisou na bola - suas experiencias nos fliperamas sempre foram o state-of-art da videogamagem.

Quer dizer, quem não lembra que no flliperama para jogar RAD MOBILE não era "jogar o jogo", não era uma experiencia sensorial completa: 


Então kudos onde kudos são devidos, a Sega mandava benzão nos arcades. Mas, vocês sabem, um herói é tão bom quanto o seu maior inimigo e é claro que a Sega tinha uma rival mortal na batalha pelas maquinas de comer fichinhas, e é aqui que a Namco entra na história.

Nos anos 80 e começo dos anos 90, nenhum estúdio trocou golpes nos arcads mais do que a Sega e a Namco. Por exemplo, a Sega lançou seu mega giga clássico jogo de andar e atirar Shinobi...


... ao que a Namco respondeu com o não menos clássico TROVÃO ROLANTE!


É assim que eles rolavam. Porém a rivalidade da Sega e da Namco pela supremacia dos fliperamas japoneses meio que ficava nesse segmento, quando a Sega passou a lutar contra a Nintendo pelos consoles domésticos a Namco não realmente tomou parte nessa guerra.


Só que tudo isso mudou quando a nação do fogo da Sony atacou. Na geração seguinte as coisas não foram assim porque a Sony sabia que o seu novo videogame, o Playstation, estava vindo de lugar nenhum e eles teriam que fazer mais do que o habitual para ganhar espaço nos corações e estantes da sala da garotada. Ou seja, eles teriam que pegar pesado contra os seus inimigos, e enquanto encarar a Nintendo dependia muito do que viria a ser o Nintendo 64 (que era algo que ninguém sabia ainda) e dependia muito também do Miyamoto não acordar inspirado (heh, boa sorte com isso), com a Sega eles sabiam exatamente onde bater.

O Mega Drive nunca realmente foi um grande sucesso no Japão, o que sempre manteve a matriz japonesa da Sega foi sucesso dos arcades... e é exatamente aí que eles atacariam. Como? Ora, já dizia o velho ditado que o inimigo do meu inimigo...

Na época, a Namco estava fabricando suas próprias placas de fliperamas, mas fazer isso exigia tecnologia avançada - o que significa muito, muito dinheiro. Foi aí que a Sony encostou nos caras e fez uma proposta que eles não podiam recusar: a Sony ajudaria a Namco a desenvolver em conjunto uma placa de arcade... com a condição de que ela teria compatibilidade para seus jogos serem facilmente portados para o PlayStation.


Isso não apenas economizaria muito dinheiro para a Namco como daria a eles uma fatia dos jogos vendidos em consoles domésticos, algo que eles nunca tiveram. Pelo lado da Sony, isso bateria de frente com o maior ponto de venda do Sega Saturn no Japão que era "adaptações dos seus arcades favoritos para jogar em casa!", porque agora o Playstation também teria os arcades top de linha para jogar em casa!

Todo mundo ganha! ... bem, todo mundo exceto a Sega, mas a Sega nasceu nessa vida pra sofrer mesmo, coitada...



Isso fez com que o Playstation tivesse adaptação exclusiva de alguns dos arcades mais populares da época como RIDGE RACER e TEKKEN, ou um dos meus jogos favoritos dessa parceria porém nem sempre tão reconhecido como tal, Soul Edge. Porque enquanto ter jogos como TEKKEN 2 como exclusivos realmente ajudaram a vender o Playstation, se eu precisasse escolher um jogo dessa parceria Sony/Namco para ilustrar o meu caso, Soul Edge me parece o exemplo ideal.

Porque, pra começar, a esse ponto a Namco estava com a guaiaca cheia de dinheiro e isso nota-se nesse jogo desde os primeiros momentos. Eu quero dizer, literalmente desde os primeiros momentos: o jogo tem uma das (se não for "A") abertura mais memorável do PS1, em grande parte graças a épica música Edge of Soul que mistura rock'n roll com o estilo tradicional medieval japonês e europeu. Quando um jogo abre com uma abertura dessas, é pq os caras vieram pro crime.


Essa escolha de elementos de época para a música não é aleatória, entretanto. Estamos no ano de 1584 e nossa história aqui é que ninguém sabe quem ou quando a espada Soul Edge foi forjada, mas sabe-se que após séculos de sangue derramado e empunhada com ódio, ela se tornou uma espada amaldiçoada com uma alma própria. Desde então a Soul Edge é procurada pelos guerreiros mais poderosos do mundo, alguns querem destruí-la para que seus poderes não sejam usados para o mal, outros querem usar seus poderes das trevas para seus próprios objetivos pessoais.

A ultima vez que se ouviu falar do paradeiro da Soul Edge é que ela foi roubada pelo pirata Cervantes de Leon, de modo que todos os porradeiros medievais do mundo agora vão atrás do cabra pra ter uma espada do mochila-de-criança pra chamar de sua.

Pq a capa europeia do jogo colocou o VOLDO na capa é um dos grandes mistérios da vida. Why, blimeys, why?

SABE, ISSO LEMBRA UM BOCADO SAMURAI SHODOWN, NÃO?

Bastante. Um jogo medieval só que com guerreiros de todas as culturas do mundo - e em 1584 o que o mundo mais tinha eram culturas de violencia, afinal - ao invés de ser exclusivamente de temática japonesa. Temos um cavaleiro europeu, ninja japonesa, um pirata, monge chines, uma guerreira grega (tá, Grécia clássica não é exatamente "medieval", mas dessa vez passa) e... pelo amor dos deuses de panetone, seja lá que coisa for o Voldo mas que mostra que desde cedo a Alemanha já tinha problemas...




De qualquer forma, o ponto é que, Jorgelicia, Soul Edge frequentemente é chamado de o "Samurai Shodown 3D que deu certo"... o que nos leva então ao próximo ponto da review, que é falar do jogo em si. Pq não adianta nada ter toda essa preparação e o jogo desapontar, né?

Então, a questão que realmente é relevante aqui é... todo mundo e a mãe de todo mundo estava fazendo um jogo de luta 3D por esses dias, não raramente com resultados catastróficos como ADVANCED DUNGEONS & DRAGONS: Iron & Blood: Warriors of Ravenloft .... Jesus no pogobol me deu três tipos de PTSD só de lembrar... mas então, o que Soul Edge trás de novo para a mesa, gamisticamente? Algumas coisas.


Pra começar, tem o uso de armas. O que é que isso tem de mais? Bem, imagine jogos como TEKKEN ou VIRTUA FIGHTER 2 em que a física dos personagens 3D é o elemento definidor do jogo (embora cada jogo tem uma abordagem diferente de como usar a fisica no gameplay). Agora imagine que além do peso, movimento e velocidade dos personagens, tem nessa brincadeira também o alcance e até mesmo o momentum da arma.

Uma lança, como a que a Seung Mina usa, tem um alcance maior porém é uma arma dificil de manejar e deixa sua guarda aberta devido a pouca manobrabilidade dela. Já as kodashis da Taki causam pouco dano e tem curto alcance, mas não prejudicam em nada sua manobrabilidade devido a serem leves.


Então, a grosso modo, o que faz esse jogo diferente é ter um segundo ponto de fisica para controlar no jogo alem do seu personagem e isso, dentro das limitações do PS1, foi bem implementado. As espadas colidem se bater lamina com lamina (e a hit detection é bem boa), então isso entra nessa dança fazendo desse jogo diferente dos demais.

Embora descrevendo desse jeito o jogo parece bem tecnico, e não deixe de ser, ao mesmo tempo não é um VIRTUA FIGHTER da vida. Ele é bem rápido e usa seus elementos tecnicos para fazer um jogo que tenta ser mais arcad-y como TEKKEN. Se isso parece o melhor dos dois mundos - um jogo técnico mas com a diversão de um arcade - é pq é bem o tipo de jogo que Soul Edge é. E é isso que faz esse jogo tão especial.



Mas o que é que torna o combate REALMENTE especial, vc quer saber em mais detalhes? Bem, Soul Blade é mecanicamente uma obra-prima. Não quero dizer isso em voz alta, mas pode muito bem ser meu jogo de luta favorito no PS1. Mais do que TEKKEN 2. E esse jogo também foi uma obra-prima. Embora eu ainda tenho que jogar Tekken 3, então não vou colocar nada em definitivo

Seja como for, Soul Blade tem sistema que usa ataques verticais e horizontais onde os ataques verticais são um pouco mais fortes, mas mais difíceis de conectar. Os ataques horizontais têm um alcance maior, mas não são tão contundentes. Se você pensar bem, lançar um ataque vertical usa mais o peso do personagem e da arma, enquanto os horizontais são mais sobre o peso da arma por trás dela e qualquer força que seus pulsos deem.


Ah é, tem também um botão de chute, mas QUEM VAI USAR O BOTÃO DE CHUTE EM UM JOGO DE LUTA COM ESPADAS, MACHADOS E NUNCHUCKS? QUEM EM sã consciência? QUEM, EU TE PERGUNTO, QUEM?

E talvez o mais importante...

Não. Não. Vamos voltar a esse ponto. Se você tem uma porra de uma espada gigante que pode cortar seu oponente em pedaços, por que, em nome de tudo que é bom e poderoso, você jamais, NUNCA, consideraria chutar o oponente? Quero dizer, chutá-los na virilha, tudo bem eu consigo ver onde isso entra numa luta, mas SABE O QUE FUNCIONA MUITO, MUITO MELHOR QUE ISSO? CORTAR SEUS ROSTOS COM UMA ESPADA FUNCIONA MUITO MELHOR. SEMPRE.


Tem também como bl-

E OUTRA COISA: SE VOCÊ CHUTAR UM ADVERSÁRIO, QUAL É A PROBABILIDADE DE VOCÊ PERDER A PERNA QUANDO ELES REVIDAREM COM UMA FUCKING ESPADADA? Quero dizer, sim, eles poderiam fazer isso em seus braços também, mas VOCÊ TEM UMA ESPADA EM SUAS MÃOS E MAIS PROVÁVEL UMA ARMADURA EM SEUS BRAÇOS, MAS CHUTAR UM CARA DE ESPADA? VOCÊS NUNCA ASSISTIRAM MONTY PYTHON PRA VER COMO ISSO TERMINA? ESSA MERDA É APENAS ESTÚPIDA. DE VERDADE. PORRA DO INFERNO!


Tem um botão de defesa também. O que é importante. Pelo visto.



E assim com Tekken, apertar quadrado+X faz o agarrão no seu oponente com uma animaçãozinha maneira e violenta. Quer dizer, realmente violenta.. A facada no pescoço da Taki ainda parece e soa horrível ainda hoje.

O estalo do pescoço quando a Sophitia dá o agarrão também é bastante memorável. Ela enfia os joelhos em volta de suas orelhas, estala seu pescoço e então, inexplicavelmente, dá uma cambalhota para trás para jogá-lo no .

Quero dizer, é fisicamente impossível, mas é épico de se olhar. Além disso, ela também tem o épico movimento de arremesso 'joelho na virilha' que é acompanhado por um grito de desculpas de "Sinto muito!".


E tem o arremesso de espada do Mitsurugi, onde ele corta você para cima, gira sobre sua cabeça e corta suas costas, fazendo com que seu personagem caia para frente em agonia. Para ser honesto, como alguém realmente sobrevive a tudo isso ainda está além de mim. 

E essa ação visceral e brutal faz parte da diversão aqui. Tudo tem um peso real por trás disso. Os personagens caem no chão com um baque, os ataques parecem realmente se conectar e os efeitos sonoros que acompanham seus cortes e golpes parecem carnudos. Eles são o tipo de efeito sonoro que você não quer receber. Se você os ouviu na vida real, é melhor ir para o hospital agora. Nem olhe para o que aconteceu, apenas vá. Apenas vá e não olhe para o-HOOOOOOOOOOOOL MERDA, ESSES SÃO MEUS RINS!??!


Violencia a parte, tem a questão do conteúdo também. Além do clássico modo arcade, tem também um modo Edge Master realmente bacana que funciona como um RPG de contar a história de cada personagem que é usado como uma forma de coletar novas armas para cada personagem. É muito divertido, pois essas armas têm características variadas que podem ajudar ou atrapalhar seu progresso. Alguns drenam sua saúde enquanto tornam os ataques mais rápidos ou mais fortes, enquanto alguns retardam os ataques do seu personagem, mas oferecem um ataque enorme. Alguns são inquebráveis, etc, etc. 

Há muito para encontrar e coletar, o que é ótimo, pois aumenta tremendamente o valor do replay, oferecendo um desafio extremamente interessante e um pouco de conhecimento sobre o lore dos personagens. Além disso o combate tem sidesteps, ring outs, uma barra de energia da armas que se esgota conforme você protege os ataques e ataques especiais... é bastante coisa.


Porém tem mais que isso: esse foi apenas o segundo jogo de luta a usar captura de movimento (o primeiro foi VIRTUA FIGHTER 2), o que nesse jogo é mais importante ainda pq torna o movimento das armas mais realistas dando aos desenvolvedores noções que provavalmente eles não teriam de outra forma. Como por exemplo, a Seung Mina chuta a base da lança dela para acelerar a ponta no ataque.

Isso é definitivamente muito cool.

Porém não é apenas isso que é cool, já que a apresentação desse jogo é a obra prima da Namco até o momento. Apenas as armas dos personagens aqui tem mais poligonos que todos os personagens inteiros de VIRTUA FIGHTER. Porém enquanto os personagens são surpreendentemente complexos para um jogo dessa época, o que realmente me chamou aqui foram os cenários: a Namco sempre colocou em cada um deles algo diferente que realmente chamava atenção.


Como por exemplo esse cenário que tem essas graminhas com movimento próprio do vento, especialmente em TV de tubo que as edges se borravam e davam uma ilusão de matinho fechado.


Ou esse cenário que é uma TAUBA flutuante. Cool, huh?

E, por fim, se você concluir a campanha principal no modo arcade, recebe um final feito com os gráficos do jogo em tempo real. Não era comum o jogo ter final processado em tempo real pq isso exigia programação extra ao invés de só colocar um filme em FMV, mas esse jogo se dava a esse trabalho. Porém o que você não sabe é que na verdade existem dois finais para cada personagem, mas precisa saber a combinação de botões e saber a hora certa de executá-la. Tem um momento em que as bordas pretas na parte superior e inferior se espremem um pouco, e esta é a sua janela para começar a fazer... alguma coisa. O que? Quem sabe. Mas em cada caso, muitas vezes oferece um final muito diferente (particularmente para o Siegfried, que é o final canonico do jogo que será considerado na continuação).

E então tem o final de Voldo.


Você precisa ver por si mesmo. Eu prometo que você não ficará desapontado. Enjoado, talvez, repugnado, provavelmente, mas desapontado? Não.

De qualquer forma, Soul Blade é um jogo especial que no seu lançamento é o paragon do que um jogo de luta 3D deve almejar ser quando foi lançado. Diferente do normal, que é uma série começar meio tropeçando e então se achar, mas aqui não, essa série começou em um estágio vencedor e precisava apenas manter o nível. A série Soul não precisa fazer muito diferente, só precisa continuar ser tão brilhante quanto este jogo. Só isso.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 113 (Março de 1997)


Edição 114 (Abril de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 020 (Novembro de 1995)


Edição 036 (Março de 1997)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 017 (Abril de 1997)