sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

[#1004][Nov/96] ARC THE LAD 2


Essa postagem demorou muito em relação a última por dois motivos bastante distintos. O primeiro é que estamos no meio da Copa do Mundo, então com quatro jogos por dia em um evento que acontece apenas a cada quatro anos é meio dificil encaixar umas jogatinas. Mas o real motivo é que esse segundo jogo do Arc - o camarada - é um dos maiores RPGs que eu já vi no PS1. O que é ironico, porque o primeiro ARC THE LAD é um dos - se não for "Ô", na minha experiencia é - RPG mais curtos do PS1.

Agora... ai mamãeziz... ARC THE LAD não é apenas um dos RPGs mais curtos do PS1, é um dos mais medíocres também. Não é nem que o jogo tenha algum defeito grave nem nada, mas como eu disse naquele texto, é apenas um jogo que foi feito de qualquer maneira única e exclusivamente porque o Playstation foi lançado sem nenhum RPG e isso não cola no Japão. Então fizeram qualquer porcaria no apavoro e essa coisa que essencialmente tem o sabor de um saladão de queijo coalho com chuchu é o primeiro jogo.

Então imaginem, apenas imaginem, a minha alegria ao descobrir que a continuação dessa tralha insossa é um dos RPGs mais longos do primeiro console da Sony? Yay me, eu digo... Mas bem, tirando o fato que é impressionante tecnicamente o quanto de informação eles conseguiram socar em um único CD (mesmo sendo em 2D, o jogo tem cutscenes longas, animações em CG e mais conteúdo opcional do que eu consigo lembrar de cabeça em qualquer outro jogo de PS1 até então), o jeito é trincar os dentes e ver o quanto eles podem ter melhorado em uma continuação lançada 17 meses depois do primeiro ...


... o que, saibam vocês, resultou em um jogo que não apenas é um dos mais longos do PS1, mas também um dos melhores! Não, sério, eu não consigo lembrar de outro jogo que melhorou TÃO radicalmente do primeiro para o segundo. Acho que Assassin's Creed 2 se qualifica (o primeiro tem ideias legais, mas é bem chatinho) ou ROCK'N ROLL RACING que é uma evolução inenarravelmente melhor que RPM RACING (que é um dos piores jogos de corrida do Super Nintendo), mas de qualquer forma esse aqui é um exemplo de evolução nesse nível que torna Arc o Camarada 2 tão MASSIVAMENTE melhor que o primeiro. Mas vamos começar do começo.

Pra começar, o primeiro ARC THE LAD meio que não tem uma história. Quer dizer, no papel até tem mas é só "reuna X mcguffins para derrotar o maligno imperador do mal, whatever who cares?". Então a primeira coisa que essa continuação faz é... meio que cagar para o primeiro jogo. Não, não é bem isso, é algo mais inteligente que isso na verdade.

Quem nunca teve esse chefe?

Veja, no jogo anterior Arc e seu galere estava lutando contra o imperador maligno do mal que queria fazer coisas de imperador maligno do mal. Não importa muito os detalhes, o que importa é apenas essa ideia central, porque na continuação não começamos jogando com Arc e seus amigos. Ao invés disso, jogamos com o caçador de recompensas Elc e o que Elc sabe da vida é que existem Arc e sua gangue sao terroristas (afinal o que o cidadão médio do império sabe é a versão oficial do governo) mas isso não é muito problema dele, o problema mais imediato dele são os boletos do mês mesmo.

Eu particularmente gosto dessa ideia de que os heróis da história que lutam contra um tirano corrupto, do ponto de vista do cidadão médio são apenas terroristas tocando terror por motivos que não lhe são particularmente importantes. Final Fantasy 7 Remake explora isso de um jeito bacana, e aqui AtL2 brinca com essa ideia também.


Isso quer dizer que Arc e seus amigos não aparecem na história até metade do jogo (o que é muita coisa, pq como eu disse esse é um jogo bem longo) e quando eles entram já está estabelecido no mundo do jogo o quanto eles são rebeldes fodas. A construção de expectativa é feita de uma maneira bem bacana, porque enquanto eu joguei o primeiro jogo e não poderia me importar menos com esses personagens, no segundo jogo é realmente construído de forma que quando os personagens antigos finalmente entram na história é aquela ideia John Wickesca de "fode, agora é a tropa dos fodão". Isso definitivamente ficou deveras legal.

Mas ... se Arc Rapazote é apenas uma adição posterior ao jogo, sobre o que é esse aqui então?

Então, o que rola aqui é que a família do nosso garoto Elc e os aldeões da sua vila foram mortos quando ele era apenas uma criança, e os eventos subsequentes foram tão horríveis que ele perdeu a memória da maioria deles. Quando o jogo começa Elc já um hunter de certo renome na sua cidade (Prodias alias é fortemente inspirada em Nova York, o que é um toque legal), porém ele ainda é atormentado por pesadelos de seu passado e, eventualmente, procura descobrir a verdade por trás de seu passado perdido.

Durante um dos primeiros trabalhos como hunter no jogo, Elc impede um terrorista de explodir o aeroporto e na perseguição conhe uma garota misteriosa, Lieza, que é capaz de se comunicar com monstros. Elc e Lieza recebem outros companheiros enquanto a trama vai conectando os passados de todos eles e a medida que suas histórias começam a se entrelaçar, eles acabam por se envolver com a cadeia sombria de eventos que anunciam o renascimento do Dark One, cuja presença foi apenas sugerida no jogo anterior.


O destaque aqui, entretanto, é que Arc the Lad II segue as ideias de FINAL FANTASY 6 e é bem mais focado nos personagens do que no overall da história. Cada personagem tem seu próprio conflito e suas próprias jornadas a seguir, a maioria dos quais é realmente interessante e bem desenvolvida. 


Gruga, por exemplo foi um soldado durante a guerra e como tal matou uma galerinha. Porém isso mudou quando durante um conflito ele explodiu uma casa com civis matando todo mundo, exceto uma criança que perdeu a visão na explosão. Arrependido, ele então decidiu criar a menina cega como sua própria filha e quando o grupo de Elc o encontra ele está lutando em um torneio para ganhar dinheiro para recuperar a visão dela. 

A coisa é, entretanto, que assim que a menina recuperar a visão ela vai perceber que aquele homão não é realmente o pai dela e que ela foi enganada pelo homem que matou seus pais. Ainda sim, ele está disposto a fazer o que for necessário para recuperar a visão da filha que ele aprendeu a amar, mesmo que isso signifique que ela vá odia-lo por isso.

Dramático, não?


Ao longo do jogo, o jogador testemunha o desenvolvimento de quase todas as histórias dos personagens. Elc busca enfrentar seu passado para poder seguir em frente, Shante busca descobrir o que aconteceu com seu irmão, Lieza busca descobrir o destino de seus companheiros aldeões e muito mais, tornando a experiencia sempre interessante.

O jogo não tenta esconder que os personagens e seus problemas pessoais (todos mais ou menos envolvidos com o reino de Romalia tentando ressucitar o Dark One para dominar o mundo) é o ponto forte do jogo, inclusive mecanicamente influenciando o jogo já que a party de Elc é frequentemente dividida e você é obrigado a usar certos personagens em certas partes, ou proibido de usar outros por razões narrativas. 

Isso é ousado porque jogadores geralmente não gostam disso, não gostam de ter sua liberdade de montar a party cerceada, só que aqui o jogo fincou o pé no que é o seu ponto mais importante, o jogo é sobre os personagens e o gameplay tem que acomodar isso, não o contrário. Ao que eu aplaudo, foi uma decisão corajosa que acaba dando a esse jogo uma personalidade única.

Embora precise ser dito que quando não está fazendo isso e focando na história principal, AtL2 é beeeeem padrãozinho. Império do mal com quatro generais e para derrota-los vc precisa de X mcguffins (nesse caso são destruir as 4 torres de controle mental e depois voce viaja no tempo para coletar 5 guardiões do passado), coisa bem generic anime stuff. Isso torna a reta final do jogo - quando os plots pessoais dos personagens já estão resolvidos e falta apenas lidar com império maligno do mal - bem menos interessante do que o seu miolo. 


Isso não quer dizer que o jogo fique ruim, mesmo em sua parte mais fraca. Isso porque esse jogo tem uma quantidade impressionante de conteúdo adicional a ser explorado. Pra começar, Lieza tem a habilidade de domar monstros e integra-los a sua party - bem que nem Pokemon mesmo - e os monstros tem seus próprios ataques especiais e podem equipar equipamento diferentes. Ao todo existem mais de 30 categorias de monstros em mais de 150 criaturas.

Não isso obstante, em cada cidade existem postos da Hunter's Guild em que você pode fazer 58 sidequests, sendo que as sidequests são completas com cutscenes e tudo que inclusive contem desenvolvimento de alguns personagens, e elas estão disponíveis apenas em cidades especificas depois de triggerados eventos especificos do jogo. O que quer dizer que depois de um avanço da  história principal vale a pena passar nas cidades para ver se desbloqueou novos jobs em algumas delas (o que soa meio inconveniente, mas pelo menos é rápido já que o sistema de world map é bem prático).


E SE tudo isso ainda não fosse suficiente... ainda existem monstros especiais que você pode caçar por recompensas também. Cada hunters guild tem um mural de "procurados" com os monstros especiais e onde encontra-los, então essa é outra atividade que você pode fazer também. Como eu disse, a quantidade de conteúdo que tem em um jogo de um único CD é realmente impressionante.

Mecanicamente, o jogo não é muito diferente do primeiro - o que é okay, é um RPG Tático raíz que não tenta nada de novo mas também não falha em particularmente nada. Se eu tivesse que apontar uma diferença, entretanto, é que o primeiro jogo tinha inimigos muito estúpidos que do nada ficavam muito dificeis para compensar seu vazio intelectual. Os inimigos nessa não são necessariamente mestres estrategistas, como demonstrado por alguns deles sendo incapazes de entender o conceito de se mover em qualquer coisa além de uma linha reta até os heróis, mas eles são muito bons em atacar pelo flanco e pela retaguarda sempre que possível. 

De qualquer forma, gerenciar as batalhas geralmente é possível através de táticas boas em vez de grinding sem fim, mesmo na longa luta final (sério, a luta contra o último chefe leva mais de uma hora SEM INTERRUPÇÕES, sabe o que é uma hora de luta em batalha de turnos?). E também porque ao contrário de apenas dar Game Over quando você perde uma luta, esse jogo de Shining Force a ideia de tirar metade do dinheiro atual na derrota, reduzindo ainda mais o estresse potencial pela dificuldade.

Outra grande diferença mecanica é que a personalização dos personagem também foi levada a um nível totalmente novo em Arc the Lad II. Os personagens agora têm armas nas quais são proficientes. Por exemplo, Elc é habilidoso na lança, mas ele é capaz de treinar as formas de usar uma espada ou um machado. Uma Espada tem ataque maior que uma Lança, mas não tem o alcance de uma Lança, e um Machado é mais poderoso que uma Espada, mas carece de precisão. O jogador decide no que quer que seus personagens se especializem, quando um personagem usa uma arma por tempo suficiente, sua habilidade com essa arma aumenta e eles se tornam mais proficientes em usá-la. Com este sistema, não é necessário que Elc use uma Spear o tempo todo ou que Lieza use Knives o tempo todo.

Tá, esse menu de itens é algo que eu não posso elogiar. Estamos em 1997 e os caras não indicam se a arma na loja é melhor que a que o personagem tá equipado, isso já foi resolvido anos antes!

Adicionalmente, a inclusão de armas de longo alcance e perfurantes adiciona um novo nível de estratégia às batalhas do jogo. As lanças podem ser usadas para atacar inimigos a um quadrado de distância, sem risco de contra-ataque, ou podem ser usadas para espetar dois inimigos em linha reta.  Considerando que você não pode passar por cima dos aliados e espaço e posicionamento são muito importantes, tem um grande elemento tático aqui que supera apenas pegar a arma com mais dano. Outras armas, como bastões e revólveres, também têm seu próprio alcance e estilos de ataque únicos para enfrentar vários inimigos. Os inimigos também têm acesso a essas armas, então aprender a lidar com elas é outro ponto a ser observado ao planejar uma estratégia de batalha.

Os gráficos do jogo passaram por um overhaul marcante e a pixel art é impressionante. Não apenas os personagens são muito bonitos e fofinhos, como eles tem uma quantidade impressionante de sprites de animação únicos para situações especificas - tipo uma animação em que a Shante dá um tapa na cara do coleguinha que está surtando e acontece só uma vez no jogo, jogos em cartucho não podem se dar ao luxo de gastar sprites de animação com coisinhas assim mas essa nova era dos jogos em CD pode. Embora, novamente, é realmente impressionante o quanto eles conseguiram colocar coisa nesse disco.

Se tem algum aspecto tecnico que eu não posso elogiar, entretanto, definitivamente são as músicas. Especialmente depois de ouvir as obras primas do mestre Uematsu em FINAL FANTASY 7, não tem como não reparar o quanto as músicas desse jogo são genéricas e frequentemente nem encaixam com a cena. Tipo quando uma cena dramática começa a rolar o jogo não se dá ao trabalho de mudar a música padrão da cidadezinha que estava tocando, algo bem básico que mesmo RPGs de Super Nintendo já faziam. Bem, pelo menos as vozes dos personagens estão legais embora o jogo não seja exatamente dublado, são apenas para os ataques especiais. Verdade que eu tenho um fraco por engrish, então eu sempre acho muito fofo uma personagem falando "Card Shuffle" como "carudo shufuru!".

Enfim, no geral posso dizer que Arc the Lad II é um jogo muito profundo - e por isso eu quero dizer que realmente tem conteúdo pra caceta - e cativante. Em seu melhor, tem um elenco interessante de personagens com histórias interessantes e bem desenvolvidas, elementos de jogabilidade profundos, grande quantidade de missões secundárias e montanhas de segredos, tudo isso junto faz desse um dos grandes RPGs Táticos para PS1. 

Eu gostaria de uma história principal apenas um pouco mais ambiciosa? Sim, gostaria. Mas se o jogo tivesse personagens interessantes com boas histórias pessoais E um main plot ambicioso ele seria Final Fantasy e não Arc the Lad. Para o jogo que é uma continuação de um dos RPGs mais medíocres e esquecíveis de todos os tempos tá MUITO acima do que eu poderia esperar nos meus sonhos mais loucos!

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 113 (Março de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 026 (Maio de 1996)


Edição 035 (Fevereiro de 1997)