sábado, 11 de fevereiro de 2023

[#1046][Jul/96] STAR OCEAN

A Telenet era uma empresa interessante, que começou em meados dos anos 80 desenvolvendo software de computador e, em seguida, aproveitando a onda dos consoles de CD-ROM japoneses (como o PC Engine ou o prório Sega CD) entrou no mundo dos videojogos. Seus jogos raramente eram ótimos - sua biblioteca inclui jogos como VALIS 3, El Viento e Sol Feace. Dentro da Telenet, um grupo em particular era chamado Wolf Team, que geralmente fazia seus melhores títulos.

E em 1995, os membros da Wolf Team não estavam felizes. Não que a felicidade dos caras que fizeram EARNEST EVANS ocupe um lugar muito algo na minha lista de prioridades, mas definitivamente eles não estavam felizes. Pq? Pq o desenvolvimento de Tales of Phantasia tinha sido um absoluto pesadelo. 

O time passou alguns anos batendo cabeça com o estúdio, seja por querer usar cartuchos com mais memória (o que era mais caro e por isso a publisher tava putaça), seja porque eles queriam usar temas mais Lovecraftianos e os caras do contracheque disseram "MAI NEM FOUDENDO!".

Então terminado o desenvolvimento de Tales of Phantasia, eles decidiram que foda-se e que não iam passar mais por aquele perrengue do caralho: eles seriam seus próprios chefes dali pra frente. Assim eles fundaram o estúdio "Tri-Ace" e... 

... e grandes bosta, né?

Quer dizer, existiam 8 bilhões de estúdios desenvolvendo jRPGs no Japão. Se eles quisessem se sobressair nesse cenário ultra competitivo, eles teriam que fazer algo diferente, teriam que chamar atenção dos cachorros grandes de alguma forma. O mundo ideal era ser adotado para debaixo da asa de alguém com dinheiro infinito para não lhes encher a porra do saco, mas falar é mais fácil do que fazer. Quer dizer, qual estúdio iniciante não gostaria de ser adotado pela Sony ou pela Squaresoft? Como eu disse, a concorrencia era pesada.

Então como fazer? Bem, os caras da agora Tri-Ace tinham um plano: ao invés de lançar um jRPG meio bunda para Playstation, eles chamariam atenção fazendo o mais arregaçante, ximforimpolo e tungstenico jogo de Super Nintendo jamais feito.


Verdade que em 1996 o Super Nintendo não era a coisa mais quente da praça, mas esse não era o ponto. O ponto era esbodegar a boca do balão com o que o console fosse capaz de fazer e com isso colocar o nome da Tri-Ace no mapa dos caras que tinham dinheiro. E isso foi EXATAMENTE o que eles fizeram.

Pra começar, eles repetiram usar o cartucho de 48 Mega de memória (o maior disponível para SNES), sendo o único jogo a usar esse cartucho além de Tales of Phantasia. O que era caaaaaaaaaaaro para uma caceta, mas aqui isso era um investimento já que o ponto do jogo era chamar atenção.

Em segundo lugar, eles também usaram nesse jogo o chip S-DD1, uma tecnologia de compressão de dados fazia qualquer winzip chorar de inveja, permitindo uma quantidade inenarravel de informação fosse colocada em um cartucho. Pra vcs terem uma ideia, o único outro jogo a usar esse tecnologia é o STREET FIGHTER ALPHA 2 de Super Nintendo.


Tá, mas o que tudo isso significa? Elementar, meu caro Filho do Wat, some um cartucho de 48 Mega de memória com uma tecnologia .rar fodidaça e temos um jogo capaz de rivalizar com os primeiros jogos do PS1 em questão de informação armazenada no cartucho.

E por "informação armazenada no cartucho", eu quero dizer que esse é um dos jogos mais bonitos de Super Nintendo, se não for "Ô" mais bonito. Quer dizer, não, sério, olha esse efeito de reflexo na água que coisa linda:


Porém ser bonito não, e o jogo realmente é, não é tudo que Star Ocean gastou sua enorme gigantesca colossal memória extra, mas nem de perto. O jogo tem também clipes de som, o que é impressionante.

É, NAQUELA, O SUPER NINTENDO JÁ TEM PALAVRAS FALADAS DESDE OS PRIMÓRDIOS, COMO NO CLÁSSICO:


Bem, sim, porém eu não estou falando de um narrador falando uma fala ou outroa e sim que TODA A ABERTURA DO JOGO É DUBLADA!

 
Toda coisa tem uma qualidade de audio impressionante para o Super Nintendo, porém não para por aí! O jogo também apresentava uma tecnologia especial chamada "Flexible Voice Driver" que permitia a compressão do som, permitindo clipes de voz para os personagens durante as batalhas, outra característica que era muito rara para um jogo de Super Nintendo e que nem os primeiros jogos de PS1 tinham. 

A coisa do "Flexible Voice Driver" era que clipes de voz eram reproduzidos dependendo da situação: se os personagens estiverem lutando contra inimigos fracos, eles dizem algo mais confiante, enquanto que se confrontados por inimigos fortes, eles dizem algo mais preocupado ou esforçado. E, novamente, todos os clipes de audio desse jogo são realmente bons.



Isso, por si só, já faria esse jogo bem diferente: é o jogo mais bonito e com melhor som do Super Nintendo, porém a Tri-Ace foi ainda um passo a mais e criou a razão pelo qual o jogo é mais conhecido: sua programação condicional.

Funciona assim: os personagens tem "pontos de afeição" uns com os outros. Não é um atributo que é mostrado para o jogador, mas é algo que o jogo contabiliza conforme suas opções de respostas nos dialogos. O que não é tão grande coisa assim, muitos jogos fazem isso (como por exemplo, FINAL FANTASY 7 faz isso para decidir quem Cloud vai levar no date na Gold Saucer), porém nenhum faz com o grau de complexidade de Star Ocean.



Sério, eu vi walkthrougs do jogo daqueles que olham o código-fonte do jogo para descobrir as coisas, e ninguém parece ter absoluta certeza do que faz determinados eventos ou mesmo personagens secretos triggerarem.

Vários detonados do jogo dizem por exemplo que a personagem Milly se junta ao grupo na terceira cidade do jogo. Por algum motivo, na minha gameplay ela aparece apenas na última. Pesquisando na internet, ninguém parece ter muita certeza de quais eventos e escolhas triggeiam o aparecimento dela.


O mesmo vale para itens e até mesmo chefes, o jogo tem toda uma programação rodando no background que modificam variaveis no jogo que não é simples apontar o que causa o que - o que é uma coisa boa, não me entendam errado, pq faz o jogo parecer bem menos scriptado e o mundo mais vivo.

A outra coisa que os pontos de afeição são usados é o aumento da probabilidade do efeito de Explosão de Raiva.



Uma Explosão de Raiva ocorre quando um amigo de um personagem, alguém para quem ele tem PdA alto, fica incapacitado em batalha. Isso resulta no personagem restante ficando vermelho e ameaçando os inimigos. Esse estado de berserk aumenta o poder de ataque 2-3 vezes, dependendo de quão alto é a afeição para o personagem abatido, e o efeito Explosão de Raiva continua mesmo depois que o personagem caído for revivido, abrindo ainda mais estratégias em potencial.

Explosão de Raiva também aumenta as chances de aprender novos Killer Moves, pelo uso repetido de uma habilidade pré-existente, desde que o jogador tenha obtido o item apropriado. Ufa, é bastante coisa nesse jogo mesmo.


Falando em coisas rodando ao fundo, acho que esse é um bom momento para apontar que o jogo tem um conjunto de skills (com 10 níveis cada) que tem os mais diferentes efeitos: desde habilitar o sistema de crafting (para criar armas vc precisa ter a skill Smithing, e quanto maior o seu rank maior chance de sucesso), passando por alteradores de atributos (como a skill Biologia que dá 2xskill level de HP), e até mesmo skills condicionais de combate (como a skill que dá uma chance do seu ataque ignorar a defesa do adversário).

Existem até mesmo para compor prosa ou música. As habilidades de música, por exemplo, depois de aprender as habilidades apropriadas e comprar instrumentos, o jogador pode fazer com que o personagem tente compor uma música para cada instrumento. 

Os efeitos da música variam de curar HP/MP, summonar monstros, alterar a taxa de encontro e aumentar a probabilidade de sucesso na criação. Tem ainda que cada personagem tem pré-disposição a ter mais sucesso com determinadas areas de talento, então alguns tem mais chance de sucesso em cozinhar, outros em escrever, etc


E agora considere apenas que existem QUARENTA E NOVE skills nesse jogo e vc consegue sentir o cheiro do plástico do Super Nintendo derretendo enquanto o console urra para trackear todas essas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Porém o jogo faz isso, sua party pode ter até 8 personagens (sendo 4 ao mesmo tempo na luta) e o jogo mantém controle de todas as skills - inclusive as que alteram o combate em tempo real.

UAU, ISSO PARECE REALMENTE MUITA INFORMAÇÃO ROLANDO AO MESMO TEMPO E...

E eu ainda não disse que você controla apenas o protagonista, todos os demais membros da party são controlados pelo computador de acordo com ordens de comportamento que vc dá (ataque a distancia, concentre-se na cura, não gaste MP, etc). Novamente, Star Ocean não é o primeiro jogo  do mundo (mesmo de Super Nintendo) a ter IA controlada pelo jogo, mesmo que seja infinitamente melhor que coisas como SECRET OF MANA, o que é realmente importante aqui é apontar o quanto de coisa AO FUCKING MESMO TEMPO a programação desse jogo está gerenciando. 



Sério, sem exagero é fácil vc esquecer que está jogando um jogo de Super Nintendo e sim jogando um dos primeiros jRPGs de Playstation. Quer dizer, MUITO mais complexo e com MUITO mais sistemas que jogos como ARC THE LAD ou BEYOND THE BEYOND ele com certeza é.

UAU, É REALMENTE IMPRESSIONANTE. SE ESSE JOGO TIVER UMA GRANDE HISTÓRIA, ENTÃO É FACILMENTE UM DOS MAIORES RPGS DE TODOS OS TEMPOS!

Star Ocean tem uma boa premissa. Uma grande premissa, na verdade: nossa história se passa em um mundo de fantasia medieval habitado por furry-people...


... JÁ VI PQ VC GOSTOU TANTO DESSA IDEIA...

... que se deparam com um problema: uma estranha doença está transformando as pessoas em pedra e é aqui que acompanhamos as desventuras de Ratix e seus amigos conforme a doença vai chegando cada vez mais perto da sua vila e eventualmente infectando pessoas próximas a ele.

O que Star Ocean faz de diferente, no entanto: é a origem dessa doença misteriosa, pois na verdade ela é uma arma biologica testada por uma raça alienigina que está em guerra contra a Terra. Então os terraqueos são obrigados a quebrar a primeira diretriz de Star Trek (não interferir em planetas com a cultura pré-espacial) e ajudar Radix a encontrar uma cura para a doença que seus inimigos usaram no furry-people.


OKAY, POSSO VER UM GRANDE MATERIA AQUI: UMA CULTURA MEDIEVAL TEM QUE TRABALHAR COM VISITANTES DE UMA CULTURA TECNOLOGICAMENTE MAIS AVANÇADA, HÁ MUITO O QUE EXPLORAR AQUI!

Então... não. Star Ocean tem toda essa premissa capaz de inúmeras possibilidades... e não usa absolutamente nada disso. Mas sério, é nada ao nível "Como Treinar seu Dragão" de não usar. Isso pq logo na intro, após o contato inicial, eles descobrem que a cura do vírus pode ser encontrada naquele mesmo mundo 300 anos atrás, então eles viajam no tempo e 95% do jogo se passa nesse mundo de fantasia genérico com o qual nenhum dos personagens tem nenhuma relação.


Nem Ratix e sua gangue, já que o mundo atual deles não foi estabelecido em 10 minutos de intro, não existem referencias para serem exploradas no "mundo deles 300 anos atrás". Para todos efeitos práticos, é apenas um mundo de fantasia medieval genérico com o esquema de "vilazinha da semana", onde cada cidade tem seu próprio problema sem nenhuma grande relação com nada muito maior.

Infelizmente isso quer dizer que não apenas a premissa sci-fi é completamente jogada no lixo depois da intro, como a aventura medieval que é o jogo de verdade não é realmente interessante. Cidade tem um problema aleatório, vc precisa fazer a dungeon correspondente para coletar o item pedido, repita e enxague.


E é realmente uma pena que o grosso do jogo não seja tão interessante assim, pq os seus sistemas e mesmo sua premissa são estelares... estelares, viram o que eu fiz aqui? Hã? Hã? Mas trocadilhos ruins a parte, meu ponto é que é realmente uma pena um jogo que tenha mecanicas tão interessantes esteja diluido em uma narrativa sem nada de especial.

É desapontante, mas compreensível: feito em menos de 6 meses em cima da engine de Tales of Phantasia, Star Ocean é essencialmente uma demo tecnica do que a Tri-Ace ser notada por alguém com dinheiro e aí desenvolver o seu joguim com toda calma do mundo. O que deu certo, diga-se de passagem, já que o próximo jogo da Tri-Ace lançado alguns anos depois não é nada senão o aclamadíssimo Valkyrie Profile. 

E a própria série Star Ocean existe até os dias de hoje, o que quer dizer que as coisas acabaram dando certo para a Tri-Ace no final das contas. Mas esse primeiro jogo aqui... vale mais como uma curiosidade de ser uma demo tecnica que esbagaça os limites do Super Nintendo e como um prototipo de até onde o talento da Tri-Ace iria do que um jogo 100% pronto. Star Ocean não é ruim, mas para ser uma experiencia inesquecível precisaria ter tido mais alguns meses de desenvolvimento.

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 018 (Maio de 1997)