domingo, 5 de fevereiro de 2023

[#1042][Jun/96] LUNACY

 Hoje eu vou fazer uma coisa diferente: eu vou começar essa review ANTES de jogar o jogo. Sim, eu sei que é muito comum na internet - especialmente em grandes portais por causa de prazos - falar do jogo antes de terminar ele, mas eu estou falando que eu sequer COMECEI o jogo. Com efeito, eu nunca na minha vida eu possivelmente... hã, essa não parece a expressão correta... sequer ouvi falar desse jogo até então. Até onde me consta, até dois segundos atrás sequer existia um jogo chamado LUNACY para Saturn. Tá, mais que dois segundos pq eu faço os indices das revistas com bastante previa.

Eu sei NADA ZERO ZILCH ZIP sobre esse jogo, então de modo que a primeira coisa que eu faço obviamente é olhar a capa dele e...


... mano, como assim, Atlus? Sério, pq o jogo tem um cara claramente desapontado com minhas escolhas de vida na capa?


Essa é a sensação mais próxima que eu vou sentir de ter uma família, eu suponho. De qualquer forma, eu não acho que esse cara desapontado ajude muito a vender o jogo. Me pergunto como será que é a capa japonesa, não é possível que seja mais estranha que isso....


... uau, não apenas é pior - o cara decepcionado tem mais destaque ainda - como eu descubro que o jogo em japones se chama TORICO. Desculpem, gente, mas a quinta série em mim não tem maturidade para jogar um jogo chamado TORICO. A continuação dele é o que? O TOPOBRE?

Eu até ia comentar o nome soletrado em caracteres ocidentais, algo bem incomum no japones, mas sério, eu não tanko o TORICO. Mas tá, vamos dar uma dar chance ao jogo do tobinha e assim que eu vou "conseguir" uma cópia do jogo, eis o que o CDROMANCE (meu site favorito para esse fim) me mostra na tela de recomendações para quem jogou TOBICO:


Nadesico? Evangelion?! Discworld?!? Sério, agora eu to REALMENTE curioso. Eu nem remotamente consigo imaginar que tipo de jogo consegue ser relacionado a Nadesico, Evangelion, Discworld, ter ESSE cara desapontado na capa...


... e se chama FUXICO. Sério, esse jogo tem potencial para ser um dos jogos mais bizarros que eu já joguei nesse blog e olha que eu ainda nem comecei ele ou sequer faço ideia de que genero é isso, os mistérios apenas se empilham.

Ah, e é um jogo da Atlus. Você sabe, os caras que fizeram o jogo de luta da velhinha beijoqueira e um jRPG cujo inimigo é um penis em uma carruagem. Parece bem a praia deles, isso tem que ser dito. Mas tá, chega de enrolar, esse post já tá com mais de 400 palavras e eu nem comecei a jogar ainda. Vamos ver qual é a desse TAMBURICO, afinal...

E pra começar, vamos assistir a intro do jogo que talvez nos de uma pista sobre como o TAMPICO rola:


Oh... aaaaaah... hmmm....



Sabe que é a primeira vez que eu posso usar esse meme com 100% de precisão? Pq o fato de eu não entender absolutamente nada dessa abertura realmente me fez compreender que tipo de jogo CARRAPIXO é, e isso responde muitas questões realmente.

Isso pq eu já comentei aqui algumas vezes que em 1995 aconteceu uma hecatombe na cultura japonesa: Neon Genesis Evangelion mudou radicalmente não apenas os animes, mas toda produção japonesa a partir daquele ponto passou a conter grandes doses de simbolismo, poesia, metaforas e as vezes nem mesmo uma história real por trás disso, apenas conceito puro.

Foi uma época... estranha

Foi a época de animes experimentais conceituais como Serial Experiment Lain, The Big O ou Revolutionary Girl Utena, porém que não deixaram de ter sua contraparte nos videojogos com as crises existenciais de FINAL FANTASY 7 ou a tentativa de replicar a formula harém de waifus+robos gigantes com SAKURA TAISEN

E, claro, como não poderia deixar de ser, houveram muitos walking simulators japoneses querendo vender essa ideia de poesia e a sensação de "que porra tá acontecendo aqui?", e nesse ramo suponho que dos que chegaram até o ocidente nenhum seja mais "que porra tá acontecendo aqui" do que esse TOBICO.

Se essa é a pose que o seu companheiro de cela fala com vc, é pq hoje vai ter tueum-chiripaticupa


Lunacy abre com nosso protagonista Fred em uma prisão, se perguntando quem ele é e por que ele tem uma tramp stamp em sua testa (herói amnésico, check) e porque ele foi encarcerado pelo governante totalitário da cidade, Lord Gordon.

E logo nessa primeira cena voce já entende tudo que precisa entender sobre COCORICÓ, apenas pelo dialogo com seu companheiro de cela:

- Bem-vindo a ilustre prisão de Misty Town, estranho. Voce não é dessas partes, não é?
- Não, eu não sou. O nome que eles me chamam é Fred.
- Eles te chamam de .... Fred? Qual é o seu nome verdadeiro?
- Eu não consigo me lembrar de nenhum outro que eu tenha, eu perdi minha memória quatro anos atrás
- Hmm, isso é realmente uma dureza. Então eu vou te chamar de... Fred. Eu tenho uma memória: as pessoas me chamam de... Anthony. Bem vindo a prisão de Misty Town.

Fufufu... esse é um jogo daqueles, né?



Bem, após fugir da prisão e conversar com vários moradores da cidade, Fred descobre que a marca que tem na testa indica que ele é alguém que viajou para outra dimensão conhecida como “Cidade das Luas”, um tipo de Terra Prometida onde tudo é lindo e maravilhoso o tempo todo (descrito de um jeito realmente vago, eu não tenho certeza até agora do que faz a Cidade das Luas ser tão especial senão todo mundo dizer o tempo todo que é). 

Seja como for, Fred é novamente abduzido e levado para ver Lord Gordon - o cara desapontado da capa - que exige que Fred descubra como encontrar a City of Moons para não ser executado. O que já era o que ele pretendia fazer de qualquer maneira, mas suponho que um incentivo extra sempre ajuda né... de toda sorte, Fred começa a explorar Misty Town em busca de pistas.


Mecanicamente o jogo não é diferente de MANSION OF HIDDEN SOULS ou sua continuação THE MANSION OF THE HIDDEN SOULS (Deus, esse ainda é o pior nome para uma continuação que eu já vi na vida, a Sega é foda): vc anda, fala com as pessoas, coleta itens, usa itens. Walking Simulator raíz, onde os puzzles não são tão cripticos assim. Na verdade eles são bem óbvios pq os NPCs comentam aleatoriamente que "se vc queimar a terra vermelha de uma bisnaga de tinta em um balde de prata, quem sabe o que pode acontecer?".

A grande real diferença é que o mapa da cidade é muito maior que a mansão das almas perdidas, mas suponho que isso já deveria ser esperado:



... embora seja menos esperado que o mapa da Cidade das Luas, no CD 2, é REALMENTE mais confuso que isso:


Enfim, tirando ocasionalmente navegar pelas cidades, jogar o jogo não é a parte dificil e se vc veio para simular caminhadas com alegria e o coração puro, é exatamente isso que o jogo entrega. Agora entender o que está acontecendo... bem, essa parte é bem mais complicada devido ao fato que os dialogos com os NPCs orbitam uma area muito especifica de cringe entre teatro de aluno de artes cenicas do primeiro ano e THE CROW: City of Angels.

Quer dizer, sério, segura essa cena:


Nosso capitão entediado espeteia a mina que era sua fiel sidekick e apenas APÓS atravessar uma espada no peito dela, ele diz: "Você deveria morrer". Sim, realmente é uma coisa que deveria acontecer após você atravessar uma espada no peito de alguém, obrigado Capitão Óbvio...

Porém se vc acha que realmente acabou, é aqui que vem a magia de FUMIKO: após ele ir embora, ela levanta a cabeça para dramaticamente dizer suas ultimas palavras para ninguém senão a camera: "Eu te servi, eu fui leal a vc... como você pode me matar?". Arte, meus amigos, pura arte. Desde Mortal Kombat Anihilation e seu lendário "Too bad you... gonna die" que eu não via uma entrega de frase tão profunda assim.


Quer dizer, é um jogo que para informar ao jogador que o protagonista não tem memória, não resiste a mandar um poético "Where is my mind? Why am I here? What’s going on? What is my name?” em voice-over. Eu realmente acho que a parte do "where is my mind" ficou um pouco over, mas é o que a casa oferece.

Ou então um NPC para te provocar não apenas te ofende, claro que não isso seria deveras BÁSICO, não, o que ele diz é “Hi ya, stupid! You’re looking chesty!”. O QUE ISSO AO MENOS SIGNIFICA?! Eu não faço a mais remota ideia, mas o jogo entrega as palavras que ele acabou de inventar com tanta convicção que eu não posso deixar de considerar que apenas eu não seja culto o suficiente para compreender a sua genialidade. Ou, você sabe, eu devo ser chesty demais.



Esse jogo exala uma vibe muito parecida com The Room, sabe? Ele é batshit crazy e seus dialogos sequer fazem sentido mesmo em um contexto poético de fantasia, mas também não tem como não perceber que esse jogo maluco foi feito por pessoas que pareciam amá-lo até a morte. Eu não faço ideia DO QUE é essa coisa que eles estão amando, mas eu consigo sentir a entrega e a confiança de uma obra nascida de um lugar verdadeiro aqui.

O resultado disso, por consequencia, é que eu não saí quatro horas depois odiando esse jogo. Era uma época estranha no universo dos videogames. As pessoas ainda estavam tentando entender em como usar essa nova mídia como forma de arte, como expressão de ... hã, alguma coisa. Eu definitivamente não sei que faceta na natureza humana TORICO esta tentando expressar, mas sei que tem alguém tentando de verdade aqui. 



De um ponto de vista técnico o jogo é péssimo? Não ao que ele se propõe a fazer. Narrativamente ele beira o rísivel? Definitivamente, mas esse é o charme do jogo, sua total falta de noção do quão ruim seus dialogos são e acham que estão sendo super profundos é a coisa mais divertida a respeito dele.

Então não é um jogo que realmente fica chato de jogar. E definitivamente existe amor aqui, e eu amo o amor. É um jogo ridiculo, mas é um jogo ridículo feito com o kokoro e isso eu posso respeitar. Então por isso eu vou concluir minha análise considerando esse jogo em seu lugar na história, um ponto no tempo em que as pessoas ainda estavam tentando, estavam errando também verdade, mas definitivamente estavam tentando. Seja lá o que fosse o objetivo aqui, mas estavam.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 038 (Maio de 1997)