Depois de ordenhar até o último grão de areia do já ressecado leite de Mortal Kombat (sério, MORTAL KOMBAT 3 e seus dois patches de update ULTIMATE MORTAL KOMBAT 3 e MORTAL KOMBAT TRILOGY foram lançados no intervalo de menos de um ano e meio), a Midway decidiu que era hora de tentar outra coisa para Mortal Kombat 4.
O que, você pergunta? Ora, é claro que eles iriam fazer o que todos os garotos descolados das lutas estavam fazendo: ir pelo caminho dos jogos de luta 3D! Era isso que os jovens ultradinamicos estavam curtindo, não era?
Okay, mudança é bom, eu sempre elogio uma tentativa de fazer melhor do que apenas ordenhar o que já deu certo, mas tinha um problema nisso: a Midway não sabia absolutamente nada sobre jogos de luta 3D. Algumas pessoas argumentariam que MK nunca foi um jogo muito bom em primeiro lugar e portanto eles também não sabiam muito sobre jogos de luta 2D, mas essa é outra discussão.
Acontece de, veja só você, ser o caso que a Midway também sabia disso e eles decidiram não arriscar o nome da sua maior franquia na loucura. Ergo, eles pegaram um bando de estagiarios e mandaram eles fazer um jogo com a engine 3D que eles tinham pra ver se o negócio pelo menos funcionava. É importante ressaltar que esse jogo não foi feito pelo time que estava trabalhando em Mortal Kombat 4 pq, bem, ele estavam trabalhando em Mortal Kombat 4, duh.
E se o time A da Midway estava ocupado na próxima grande coisa da empresa (que, novamente, eu nunca achei MK mecanicamente bom, ele sempre dependeu muito do hype da violencia pra chamar atenção), que tipo de jogo o time B fez só para testar a engine?
Eles fizeram Mortal Kombat só que em 3D, basicamente. Não, sério, esse jogo é essencialmente Mortal Kombat só que com outros personagens, mas a jogabilidade, os menus, até o narrador falando "FATALITY" é o mesmo. Quer dizer, sério, olha só como é a progressão do modo campanha:
Isso te lembra de alguma coisa?
Então quando eu digo que o time B da Midway tentou fazer MK na engine 3D, eu estou falando bem literalmente. Mas bem, o quão ruim isso pode ser? O que possivelmente poderia dar errado, eu me pergunto...
Uma dica para entender o que deu errado é que os ports domésticos desse jogo, tanto para PS1, PC e N64, simplesmente não tem modo versus. Isso quer dizer que a única forma que vc tem de lutar com o seu amiguinho é começar uma partida no modo campanha, então o player 2 apertar Start para interromper a partida e escolher o seu lutador. Isso quer dizer que não tem como escolher o cenário no modo versus a menos que vc entre um cheat code pra isso... sério caras, pra que complicar tanto a vida?
Tá, eu entendo o pq: pra poder apenas copiar e colar a programação do arcade sem adicionar nada. Compare com outros ports de arcade na época que adicionavam TONELADAS de conteúdo, personagens, videos, extras e etc, como
TEKKEN 3 ou
SUPER PUZZLE FIGHTER 2X, War Gods não se deu ao trabalho nem de criar um misero modo versus que existe nos jogos domésticos desde o primeiro
STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR. Sério caras, nem um versus mode? For real?
A história do jogo, por sua vez, demonstra tanto esforço quanto os modos de jogo. Sim, eu sei que se costuma dizer por aí que esse é um jogo de luta que vc joga com deuses, tanto pelo nome do jogo, tanto porque um dos lutadores se chama Anubis.
Entretanto, War Gods não é a versão de deuses mainstream de
RAGNAGARD (onde vc joga com deuses ultra alternativos), e sim o que rola aqui é que Muitos, muitos anos atrás, antes mesmo do nascimento do Dr. Chapatin, uma nave espacial carregando minério precioso que cria vida cai na Terra. Esse minério se espalha pelo planeta e ao longo das eras, dez pessoas acabam encontrando eles e se tornando tão poderosos como deuses da guerra.
O que quer dizer que agora eles estão lutando entre si para reunir todas as pedras e se tornar o super-guerreiro supremo para a todos guerreirar, enquanto os aliens responsaveis pelas ores em primeiro lugar tentam sentar todo mundo na mão pra eles pegarem as ores para si e voltarem para casa, dado que foi uma grande mancada essa porra cair na Terra.
Ou seja, a história é algum ponto entre Liho e Stich e Evangelion... e eu nunca achei que faria essa associação na vida. Pra vc ver. Seja como for, como dá pra ver apesar de um dos personagens se chamar "Anubis", eles são mais uns Zés aleatórios e uns bastante sem graça nisso. Vamos dizer que nosso elenco está muito mais para
ULTIMATE BODY BLOWS do que para Street Fighter no espectro de carisma das coisas.
Quer dizer, sério, que garoto de 1996 nunca sonhou jogar com figuras interessantissimas como Kabuki Joe...
... Ahau Kim (sério, eu não inventei esse nome) ...
... ou qualquer uma das duas minas peladas que eu nem lembro o nome Pagan e Vallah, pq isso é um jogo de luta dos anos 90, é óbvio que as minas usam o minimo de roupa possível.
Porém nem tudo é desgraça: como dá pra ver o jogo tentou uma tecnologia inovadora na época... e que após ser testada nesse jogo, a Midway totalmente decidiu que NÃO iria usar isso em Mortal Kombat 4. Eu estou falando que o jogo usa a tecnologia de captura de imagens de atores vestidos (como nos MK tradicionais) e essas imagens são colocadas como textura sobre os bonecos 3D.
O que quer dizer que alguém efetivamente se vestiu como Cy-5, e taí uma pessoa que eu não invejo nesse mundo:
Com efeito, todas imagens do jogo foram capturadas por apenas dois atores - um para todos os caras, uma para as minas - sendo um deles Kerri Hoskins - a Sony Blade do
MORTAL KOMBAT 3. E embora essa tecnologia fosse inovadora para a época, como eu disse a Midway achou que ficou ó, uma bosta, e não usou para o MK4.
Pessoalmente, eu não acho que ficou tão ruim assim e não é nem de perto a pior coisa a respeito desse jogo. Jogar o jogo é uma das piores coisas a respeito dele. Pra começar, as arenas são estranhamente pequenas, como dá pra ver apenas uns três passos e já chegou na beirada e não tem nenhum motivo pra ser assim - é um jogo, eles poderiam ter todo espaço que eles quisessem!
E enquanto jogos como
FIGHTING VIPERS usam isso a seu favor no gameplay, aqui não, ao chegar na beirada da arena os personagens apenas "deslizam" para o lado, como se tivessem esbarrado em uma barreira invisivel coberta de lubrificante... o que é uma frase muito estranha agora que eu disse em voz alta, mas não menos precisa por conta disso.
Porém o real problema aqui, a cereja no bolo de dor, é que esse jogo é uma versão piorada de Mortal Kombat (que nunca foi muito bom em primeiro lugar) feita pelo time B da Midway que estava tentando copiar algo que eles não realmente sabiam fazer. Isso quer dizer que a jogabilidade aqui é terrivelmente dura e travada, e parece terrivelmente datada ao ser lançada numa época que haviam arcades de luta 3D muito mais fluídos saindo ao mesmo tempo (como
SOUL EDGE e
TEKKEN 3, que foram lançados mais ou menos na mesma época).
E quando eu digo que o time B da Midway estava tentando copiar MK, eu estou falando bastante literalmente: os golpes são copiados na cara dura mesmo. Depois de jogar por apenas alguns minutos, dá pra reconhecer as magias de paralização do Anubis e da Pagan como a magia de gelo do Sub-Zero, a rede do gladiador Maximus é a rede do Cyrax, o grappling hook do Scorpion reencarnou como a mão reptiliana do Voodoo e por aí vai.
Diabo, mesmo os movimentos básicos são iguais: a rasteira é a mesma do MK, o uppercut igual, o pra trás e chute forte idem, e por aí vai. Sério, a sensação de jogar esse jogo é estar jogando um clone da Shopee de
MORTAL KOMBAT 3... e vc não quer estar jogando uma cópia barata de
MORTAL KOMBAT 3. Eu diria que vc não queria estar jogando nem o próprio
MORTAL KOMBAT 3, quanto mais seu reskin feito no Paraguai.
MAS ESSE JOGO NÃO TEM ABSOLUTAMENTE NADA DE BOM, TIPO NADA MESMO?
Hmm, tá. Eu não diria nada tipo NADA, eu gostei dos Fatalities. Eles são violentos e ridiculos na medida certa e não apenas ridiculos como passaram a ser em
MORTAL KOMBAT 3 pra não ter problemas com a censura (ó, a ironia). Então é, os Fatalities são legais, embora a detecção de comandos pra aplicar eles também seja uma cópia piorada da programação de MK... como todo o resto.
Sabe, ao longo dos anos MK teve inumeros ripoffs que sempre tentaram explorar o sucesso da franquia no ocidente sem nenhum sucesso, dado que o segredo do sucesso de MK sempre foi mais marketing do que gameplay, e colocando dessa forma é estranho que um dos ripoffs mais famosos tenha sido feito pela própria Midway. Então, é, se o seu sonho sempre foi ver como seria ver uma versão de MK feita por estagiarios, com controles piorados (de alguma forma isso é possível, eu fiquei chocado) e um elenco bosta pensado 15 segundos antes de entregar o jogo... ta aí, War Gods é exatamente isso.
É um sonho estranhamente especifico e bem bosta, eu tenho que dizer, mas que esse jogo existe, ele existe.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 118 (Agosto de 1997)
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