O que é "talento"? Existe mesmo uma predeterminação de até onde as capacidades de alguém podem chegar? E se existe, qual sua origem? É uma predeterminação genética ou uma consequencia do fenótipo onde alguém se desenvolve? Uma combinação de ambos, mais possivelmente?
Bem, enquanto essa é uma discussão mais complexa do que esse blog se propõe a faze-lo, o que é eu sei é que nem todos os homens são capazes das mesmas coisas. Mesmo que a partir das 00:01 de hoje eu execute a dieta e treinamento mais perfeito do mundo, eu nunca vou conseguir correr a mesma coisa que o Usain Bolt. Vou conseguir correr pra caceta e ganhar de todos vocês (o que não é tão dificil), mas existe um limite de até onde dá pra chegar.
Tá, mas pq eu estou falando de determinismo e talento? Não é, como alguém poderia pensar, que eu vou falar sobre um jogo solo do Neji Hyuga hoje e sim pq esse é o caso desse jRPG da Natsume. Lufia 2: A Subida dos Sinistrões é muito a cara de um jogo feito por gente obviamente esforçada em não fazer nada errado, mas falta aquele Schutzpa, aquele toque especial de genialide, aquele diferencial que as grandes obras de arte tem.
Lufia 2 é um bom jogo para o que um bando de pessoas comuns poderia fazer, mas justamente bate no teto de até onde o puro esforço pode levar alguém. É isso que veremos a seguir, mas vamos começar pelo começo.
Quando eu falei de SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars, eu disse que aquele jogo foi concebido para ser um jogo introdutório perfeito dos RPGs ao público ocidental e foi exatamente o meu caso, foi o primeiro RPG que eu joguei na vida tendo alguma ideia do que estava fazendo. Esse foi o primeiro RPG, o segundo foi este Lufia 2 que vos fala. Eu não lembro exatamente de como esse jogo se tornou recorrente nos meus alugueis, mas lembro claramente que os puzzles me marcaram. Eu não entendia quase nada do inglês, mas a estrutura super simples do jogo era fácil de acompanhar: cada cidade tem uma dungeon corresponde, passada ela você vai até a próxima ilha onde tem a próxima dungeon e assim vai até onde eu consegui ir na época.
Mas hoje, revisitando esse jogo quase trinta anos depois eu consigo ter uma imagem maior do que está acontecendo aqui.
"Lufia & The Fortress of Doom" é um RPG de Super Nintendo de 1993 que tinha um começo peculiar: a aventura abria na luta final de quatro aventureiros enfrentando os malignos Sinistrals - você já começava o jogo no boss final (estratégia que foi depois utilizada em DRAGON QUEST 6: Realms of Revelation), então a história avançava cem anos e começava de verdade com o retorno dos Sinistrões após um século. Bem, então aqui entra Lufia 2 que é na verdade uma prequel e que conta a história desse primeiro grupo de aventureiros que colocou os Sinistrões pra nanar por um século.
A primeira grande diferença entre Lufia 2 e Lufia 1 é que, obviamente, os gráficos melhoraram drasticamente. No jogo original sequer havia uma tela de combate (os stats da luta rolavam em cima do mapa principal mesmo, não tinha aquela "tela de combate" pelos quais os jRPGs são tão conhecidos), agora o jogo parece um RPG de 1996. Não é tão bonito quanto os RPGs pica das galaxias para Super Nintendo nessa mesma época (como TACTICS OGRE: Let Us Cling Together, por exemplo), mas não dá pra dizer que é um jogo feio. Eu chutaria que a maior influência no novo de Lufia 2 foi FINAL FANTASY 6, já que não apenas os bonequinhos são parecidos mas as cidades e o world map têm um estilo que lembra muito.
Mecanicamente... bem, eu ia dizer que Lufia 2 é a encarnação em jRPG de THE LEGEND OF ZELDA: A Link to the Past plenamente ciente que metade dos jogos no multiverso se descreve através de comparações com THE LEGEND OF ZELDA: A Link to the Past, porém nesse caso a descrição é bem precisa.
O jogo tem uma estrutura baseada não apenas em dungeons, mas nos puzzles que você tem que resolver nessas dungeons. Mais do que isso, volta e meia você recebe uma "ferramenta" para apimentar as possibilidades de soluções e são exatamente os mesmos itens que você usa nas masmorras de THE LEGEND OF ZELDA: A Link to the Past: um hook shot, bomba para explodir paredes rachadas, flechas de fogo para acender coisas a distancia, etc.
Isso é uma coisa ruim? Não, definitivamente não é. Pelo contrário, Lufia 2 tem alguns dos melhores e mais interessantes puzzles que eu já vi em um RPG de Super Nintendo e apenas por isso o jogo já torna as masmorras interessantes. Adicione que elas não são terrivelmente longas e temos um jogo que faz muito bem a coisa principal que ele se propõe a fazer.
A capacidade de ver monstros na tela antes de entrar no combate também é um ponto extra porque embora essa mecânica seja comum nos RPGs de hoje, naquela época Lufia 2 era um dos não tão comuns assim jogos que a tela parava a cada 3 passos para um encontro aleatório. Outros recursos interessantes incluem o sistema de pokemons que permite que você tenha um 5º membro do grupo (todo controlado pelo jogo), que você pode alimentar com equipamentos para ele evoluir de forma e de poder - ou seja, uma versão do homem pobre de BAHAMUT LAGOON.
Mas no geral geral mesmo, o combate é todo muito básico. Vc faz o que se costuma fazer em um jRPG: ataques, magias, defesa, itens, tudo que vc já viu em qualquer jogo do mundo vc já viu aqui. É algo ruim? Novamente, não realmente. Mas é tão básico, tão simples que cabe se perguntar pq eles sequer se deram ao trabalho de fazer um sistema de combate de turnos e não apenas um Action RPG? Combinaria muito melhor com o sistema de puzzles que é a verdadeira graça do jogo, isso é um fato.
Essa dúvida não é apenas minha, saibam vocês: em 2010 foi feito um remake desse jogo para Nintendo DS, e então o jogo foi inteiramente refeito como um Action RPG - o que se provou uma decisão mutio acertada, tendo jogado os dois posso te dizer que não faz nenhum sentido ser um jRPG se turnos quando o jogo tem tão pouco a oferecer nesse setor.
Tá, talvez seja uma oversimplificação da coisa - ainda que não esteja errada - Lufia 2 é melhor visto como uma compilação de "best of" dos RPGs da época. O que é que faz Lufia funcionar realmente é que ele joga bem porque sua mecânica de jogo é "emprestada" de outros jogos: você não precisa grindar para aprender magias, você pode as compra em lojas como nos primeiros Final Fantasy. As igrejas são usadas para remover curses e salvar o jogo, semelhantes à série Dragon Quest. O pokemon da sua party age independente atacando ou lançando magias de acordo com a lista de cada monstro, semelhante a Lucia de LUNAR 2: Eternal Blue. E por aí vai.
Mas isso sendo dito, tenho que ressaltar que realmente os puzzles é que são a verdadeira atração do jogo. O crítico Jason Schreier do Kotaku disse "Quanto mais penso nisso, mais me convenço de que 'Lufia II' tem os melhores quebra-cabeças da história do JRPG. Em vez de apenas jogar labirintos e monstros em você, as masmorras em 'Lufia II' desafiam você a pensar sobre o que está fazendo, para onde está indo e até quantos passos está dando. Alguns dos quebra-cabeças são óbvios. — coloque este pote em um botão — mas à medida que você progride no jogo, eles ficam cada vez mais difíceis. Eu me pergunto por que mais RPGs não deram às suas masmorras o tipo de elegância e inteligência que 'Lufia II' teve.". Majoritariamente eu concordo com ele, tenho que dizer.
Então, hey, é um jRPG que faz tudo certinho, tem dungeons Zelda-like com puzzles criativos... é um chuchuzinho chocolatante milpower, certo?
Err... não exatamente. Minha verdadeira decepção com Lufia 2 é a sua história - é uma decepção bem grande para se ter em um jogo de 50 horas. O principal problema aqui é que muito pouco do que acontece em Lufia 2 tem a ver com o enredo principal ao ponto que afirmar que existe um enredo principal parece forçar a amizade. Entre 58 mil fetch quests que levam do nada a lugar nenhum, somos apresentados aos Sinistrals, uma raça de seres god-likes que acreditam que é seu direito destruir a humanidade e governar o mundo. Não necessariamente nessa ordem.
De toda maneira, nosso herói é Maxim, um jovem caçador de monstros, que ouve falar de uma misteriosa bola de luz vermelha que mergulhou no mar e parte para investigá-la. No caminho, ele conhece uma mulher estranha com grandes poderes mágicos chamada Iris, que lhe diz que é seu destino enfrentar e derrotar os Sinistrals. E... é isso a história do jogo, essencialmente. Todas as 50 horas dela, yay...
Bem, eu vou ter certeza de dizer isso para minha futura esposa depois que ela der à luz. Eu poderia até dar um tapinha nas costas dela também, mas eu não gostaria de extravasar tanta emoção. |
Pq daí em diante é um evento aleatório após o outro, cada um dos quais tem pouco mas frequentemente nada a ver com qualquer coisa que aconteça antes ou depois dele. O foco só volta ao enredo principal em uma cena no meio do jogo e então na reta final.
O que um peixe-gato gigante causando terremotos (*tosse* THE LEGEND OF ZELDA: A Link to the Past *tosse*), uma mulher que precisa de uma flor de uma montanha, a coroa de um rei sendo roubada por dois ladrões que são uma tentativa muito idiota de vilões estilo cartoon e uma disputa entre dois reinos por um artefato roubado tem a ver com alguma coisa? Nada, e nem é escrito de forma particularmente interessante. São apenas 50 horas de filler levando de nada a lugar nenhum.
Eu vou dar um palpite louco aqui e dizer que os escritores não falam muito com mulheres de verdade, só acho |
Tem uma cena perto do final do jogo onde o diálogo tenta me fazer sentir "culpado" sobre três mulheres que se voluntariam para se sacrificar por sua causa. Mas não posso me sentir culpado porque nunca os conheci nem ouvi nada sobre eles até agora. Elas são apenas plot device que jamais serão mencionadas posteriormente.
E mesmo quando a história anda, os elementos narrativos são essencialmente os mesmos de Lufia 1. Quem diria que o professor Shaia lhe daria um barco que eventualmente se transforma em um submarino, e depois um dirigível, ou que o Dual Blade , a única espada capaz de derrotar os Sinistrals, seria encontrada em um santuário subaquático? Qualquer um que tenha jogado Lufia 1, porque exatamente as mesmas coisas aconteceram!
Selan passou de jovem para não jovem em um ano. Mas então é um jogo japones, onde 17 é adulta e 24 já é uma tiazona de meia idade |
Existe até um "final falso" no qual você é reduzido ao papel de "espectador" enquanto um monte de cenas de flerte envolvendo Maxim e Selan acontecem. Isso foi feito não apenas para introduzir ao relacionamento deles saiu do nada no meio do jogo, mas também para nos fazer esquecer a maneira bastante fria que o primeiro interesse amoroso de Maxim havia acabado de ser ejetado da trama.
Vc poderia pensar que a amiga de infancia de Maxim que teve um crush por ele desde o começo do jogo ser dispensada com duas linhas de dialogo teria algum proposito na trama, mas não, apenas foi abandonado aleatoriamente pq tudo nesse jogo é tanto faz como tanto fez.
Okay, tenho que concordar com vc nessa, Maxim. Quer dizer, pq sempre que um deus interfere no mundo tem que ser um deus maligno? Pra erradicar a enfisema pulmonar não aparece ninguém, né? |
Eu tenho que dizer que fiquei mais do que um pouco decepcionado com este jogo. Todas as ferramentas para uma grande experiencia estão ali, mas a história esquece sua própria premissa no final (qual FOI o negócio com Arek?) e eu fiquei extremamente desapontado enquanto esperava e esperava que o jogo passasse das fetch quests aleatórias e me concentrasse no enredo principal.
That's what she said! |
Eu realmente não quero acreditar que Maxim, Selan, Arty e Guy, os maiores guerreiros do mundo convocados para derrotar os Sinistrals (como descrito na abertura de Lufia 1), eram na verdade apenas um bando de aventureiros aleatórios que aleatoriamente se esbarraram pelo mundo cumprindo missões aleatórias para pessoas aleatórias até que tropeçassem no colo do Sinistral. Do jeito que está, Lufia 2 foi divertido por um tempo, mas consegue elevar a série ao mesmo escalão em que os grandes RPGs do SNES estavam, como FINAL FANTASY 6, BAHAMUT LAGOON, EARTHBOUND, SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars ou CHRONO TRIGGER.
O curioso disso tudo é que Lufia 2 tem um dos finais mais lindos da história do Super Nintendo. É realmente emocionante e bem executado, não tem como não ficar com os olhos secos. Eu só queria que as outras 49 horas antes disso fossem remotamente parecidas... mas aí voltamos ao começo do texto. Os caras da Natsume fizeram o melhor que puderam para emular vários jogos bem sucedidos e eu acredito que o esforço deles nessa parte foi bem sucedida.
O que faltou mesmo foi a parte artistica, o conceito, aquilo que apenas o esforço do cidadão comum não pode alcançar. Falta aquele passo além para colocar o jogo uma prateleira acima, mas hey, pelo menos os puzzles são bem legais.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 108 (Outubro de 1996)
Edição 018 (Setembro de 1995)