[#1118][Jan/98] RESIDENT EVIL 2 (ou "Biohazard 2" no Japão)
Pra vc ver como são as coisas da vida, e como a vida tem coisas: meu último texto foi justamente sobre a continuação de um dos jogos que foi um dos pilares fundamentais do sucesso do PS1, TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft. E enquanto RESIDENT EVIL é um jogo radicalmente de TOMB RAIDER em todos os espectros possíveis, seu significado para o Playstation não diferente tanto.
Com efeito, RESIDENT EVIL é um jogo até maior e mais importante para o sucesso do PS1 que o jogo da Laurinha. O que significa, obviamente, que no começo de 1997 o mundo estava salivando pelo tão aguardado Resident Evil 2. Ao que a Capcom estava plenamente ciente, já que ela estava atentando todo mundo com uma versão "Directors Cut" (essencialmente o mesmo jogo mas com armas e roupas extras, além de alguns itens em outros lugares) e o demo da tão aguardada continuação vinha num disco bonus em alguns jogos da Capcom como o próprio RESIDENT EVIL DIRECTOR'S CUT ou Mega Man Legends.
Que merda de capa é essa, Japão?
Mas a questão que realmente importa aqui é: com toda essa expectativa e hype como nunca antes havia acontecido na história dos videogames, teria ele conseguido os mesmos feitos de TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croftde dar uma continuação que não parecesse apenas mais fases do mesmo jogo ao mesmo tempo que não perdia sua identidade?
A resposta é sim. E não. Olha, Resident Evil 2 é complicado...
Vamos lá: originalmente, Resident Evil 2 estava previsto para ser lançado em maio de 1997. Porém quanto mais a data de lançamento do jogo se aproximava, quanto mais pronto o jogo estava ficando, menos feliz o seu produtor Shinji Mikami estava ficando. Segundo palavras do próprio:
E o problema é que ele não estava errado: Resident Evil estava ó, uma bosta. Isso em grande parte devido ao fato que o diretor do jogo, Hideki Kamiya, não gostava do ritmo point'n click dos survival horror e nem gostava muito de terror realmente. Ele gostava era de ação, queria era o pipoco comendo, criança de colo correndo, filho chorando e a mãe não escutando, era o escatapeuba no tebeife!
Tanto que se voce for ver a carreira do Kamiya depois desse jogo, é MUITO óbvio que ele prefere uma ação ultradinamica do que um terrorzinho: ele hoje é o vice-presidente da Platinum Games, um estúdio que é indissociável de jogos de ação como Bayonetta e Metal Gear ReVingança.
Em uma sacada genial do marketing da Capcom, o pai dos filmes de zumbi George Romero fez dois comerciais para esse jogo
Então o que Kamiya queria fazer era pegar a engine de RESIDENT EVIL e focar na trocancia de pipocancia entre os envolvidos. O problema é que se voce jogou RESIDENT EVIL, voce sabe que a parte de ação é a pior parte desse sistema, a mecanica não é boa para isso e os jogos que de facto tentaram usar esse sistema para fazer só ação foram HORRENDAMENTE ruins, como TIME COMMANDO e, minha nossa senhora do passaquatro molhado, PERFECT WEAPON. Jesus no pogobol, que jogo ruim...
E embora seja verdade que a Capcom tem muito mais recursos do que a maldizenta Gray Matter, não muda o fato que Resident Evil 2 estava uma bagaça atroz. Os inimigos tinham menos poligonos para o PS1 comportar mais inimigos na tela ao mesmo tempo, o level design estava praticamente vazio pq o jogo era mais um hack'n slash do que um survival horror.
Com efeito, alguns bons anos depois disso Kamiya reaproveitou essas ideias em um jogo verdadeiramente de ação que provavelmente voces já ouviram falar:
Porém se Devil May Cry funcionou, isso foi em 2001 no Playstation 2. Para Resident Evil 2, definitivamente não estava funcionando. Mesmo que as novas armas e os novos inimigos fossem legais no papel, o produtor sentia que a coisa não estava funcionando.
Shinji Mikami não estava sozinho nessa opinião, mais gente dentro da Capcom achava que Resident Evil 2 estava mais um jogo de tiro ruim do que um survival horror estelar, o que levou o produtor do jogo a levar a questão aos chefões da porra toda.
Sem saber o que fazer ou como consertar, a Capcom trouxe o famoso roteirista Noboro Sugimura (amplamente popular na época por Kamen Rider Black) e pediu a consultoria dele. Seu conselho? Mikami esta certo, joga essa porra fora e começa do zero.
A Capcom não ficou particularmente feliz com essa ideia, Resident Evil 2 já estava tipo 80% pronto e lançaria em menos de dois meses... jogar tudo fora e começar do zero significaria uma perda de dinheiro inenarravel. Era preciso que algo realmente grande, realmente forte acontecesse para fazer a Capcom aceitar essa opção e poucas coisas nesse mundo são tão grandes o suficiente para isso.
Não fosse o fato, voce sabe, que uma das poucas coisas que PODERIAM assustar a Capcom o suficiente para ela aceitar essa ideia veio de fato a acontecer: STREET FIGHTER 3: The New Generation flopou violentamente.
Suponho que eu não precise explicar que Street Fighter é um dos maiores títulos da Capcom e Street Fighter 3 era um jogo que estava sendo aguardado a mais de cinco anos... então quando ele foi recebido com na melhor das hipoteses indiferença (pelos motivos que eu explico naquele texto), isso acendeu todo tipo de alerta amarelo na Capcom. STREET FIGHTER 3 flopou, eles não podia sequer considerar a possibilidade de Resident Evil 2 falhar.
Para piorar, Kamiya também não era fã da história do primeiro jogo e não queria usar nada do material anterior, a única relação seria que o jogo se passa em Raccon City (sendo os personagens um policial local em seu primeiro dia de serviço, Leon S. Kennedy, e uma estudante local, Elza Walker). E considerando a experiencia que a Capcom tinha acabado de ter com "elenco todo novo" em STREET FIGHTER 3...
Isso fez com que no final de fevereiro de 1997 a Capcom anunciasse que iria adiar o lançamento do jogo de maio de 1997 para janeiro de 1998, o que deu dez meses para fazer um jogo inteiramente novo. Um jogo que seguramente não iria falhar como Resident Evil 2.
E isso foi uma coisa boa e ruim ao mesmo tempo.
Uma das maiores mudanças nesse remake do projeto foi que Elza Walker dançou, dando lugar a uma personagem mais reconhecivel para os fãs: Claire Redfield, irmã de Chris Redfield do jogo anterior
Por um lado, como eu já joguei meu bom quinhão de jogos do tipo, nenhum jogo de ação baseado na engine de tanque de RESIDENT EVIL foi minimamente bom. Não nessa época, pelo menos, e se tem algo que eu posso atestar pela minha vida é que o mundo não precisa de outro THE CROW: City of Angels. Então enquanto eu tenho certeza que o "Resident Evil de ação" da Capcom seria melhor do que THE CROW: City of Angels... muito pq não tem como ser pior, né... é uma coisa boa que essa ideia tenha sido deixada de lado até a tecnologia estar pronta para tal - como foi o caso de Devil May Cry.
Porém, por outro lado, eu tenho que dizer que a Capcom ficou com tanto medo de ter outro flop nas mãos depois do que aconteceu com STREET FIGHTER 3: The New Generation que Resident Evil 2 não corre absolutamente nenhum risco.
Outra grande mudança do projeto abandonado é que o menu de itens foi alterado para ter a identidade visual do jogo anterior
Então se o que voce espera de RE2 é exatamente o mesmo jogo, apenas uma versão melhorada... bem, é exatamente isso que RE2 entrega. A delegacia de policia de Raccon City parece muito com o layout da mansão Spencer do RE1, porém eles não apenas usaram o mesmo arquiteto como os puzzles são bastante similares também. Voce precisa colecionar 4 medalhões, crests ou sei lá o que para abrir portas, tem que empurrar estátuas para conseguir jóias que serão trocadas por itens, depois da parte da mansão tem um subterraneo e por fim um ato final em um laboratório que se autodestrói.
Se for colocar no papel, é essencialmente o mesmo jogo só com mapas diferentes. No lugar dos Hunters tem os Liquers, os zumbis tem uma programação otimizada, o jogo parece mais bonito e é feito com BEM mais poligonos, os controles são levemente melhores mas... bem, ainda sim Resident Evil 2 acaba sendo Resident Evil 1.5.
Não fosse os gráficos melhores e o personagem novo, vc não saberia dizer se esse cenário é da mansão do RE1 ou da delegacia do RE2
Mesmo que faça zero sentido uma delegacia de policia ter os mesmos puzzles da mansão do jogo anterior, a Capcom realmente não queria correr riscos aqui. Como eu falei no texto TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft, existe uma linha muito final entre uma continuação ser o mesmo jogo com novas fases, e expandir o material base de formas criativas e interessantes. Resident Evil 2, infelizmente é o primeiro caso: apesar do começo do jogo ser promissor e interessante com voce andando nas ruas, em menos de 10 minutos o que voce tem é outra mansão muito similar a primeira para explorar de maneiras praticamente identicas.
... ou teria sido, não fosse que Shinji Mikami teve uma sacada genial que fez esse jogo saltar de "Resident Evil 1 em um novo mapa" para ser a sua própria coisa. Isso pq no conceito original do Resident Evil 2 - o jogo que era mais um jogo de ação, como eu expliquei no começo do texto - uma das ideias é que voce teria dois personagens jogaveis: uma mulher e um homem, sendo a mulher o "easy mode" e o homem o "hard mode" (não é um momento de redpillagem meu, é literalmente assim que o primeiro jogo funciona mecanicamente).
Agora a coisa interessante disso é que eles não realmente se encontram durante o jogo, como era comum aos jogos de ação (quando voce escolhe jogar com o Hagar em FINAL FIGHT, não é como se voce fosse encontrar o Guy em algum momento do jogo), mas cada um tinha acontecimentos únicos ao seu playthrough que voce não via com o outro personagem. Por exemplo, em determinado momento Leon passava por um cenário que tinha um caminhão pegando fogo, mas quando voce jogasse com a Elza voce veria o momento que o caminhão bateu e vice-versa,coisinhas assim.
Mikami realmente gostou dessa ideia e implementou o que hoje é conhecido como "zap system": depois que voce termina o jogo com o Leon ou a Claire, voce pode carregar o save do modo B para aquele que voce não jogou. Assim ao terminar o jogo com a Claire voce abre o Leon B, e ao terminar com o Leon voce abre a Claire B.
Tá, mas e o que esse modo tem de diferente? Bem, aqui é que está a genialidade da coisa: Leon e Claire se separam diversas vezes durante o jogo, como é a regra sagrada dos filmes de terror. A coisa é que jogando no modo B, voce pode ver o que o outro personagem estava fazendo durante esse tempo.
Por exemplo, tem uma parte que - jogando com a Claire A - tem um helicoptero que bateu e está pegando fogo. Jogando com o Leon B, voce testemunha o momento (e pq) o helicoptero bateu já que ele foi por outro caminho. Jogando com o Leon, por outro lado, em determinado ponto voce recebe uma mensagem de rádio da Claire dizendo que ela desbloqueou uma passagem que estava obstruída usando explosivos plásticos e agora voce pode passar por ali, jogando com a Claire voce é que tem que limpar o caminho.
Isso não é usado apenas como momentos de "ah, então foi isso que aconteceu", como mecanica de jogo efetivamente. Existe no laboratório final do jogo um gás que pode ser ativado e que enfraquece os inimigos na campanha A. Eles realmente causam menos dano e morrem mais fácil. Porém se voce fizer isso, o documento no laboratório explica que esse gás tende a facilmente criar resistencia e mutações a longo prazo e na campanha B quando voce chega no laboratório os inimigos agora não apenas são imunes ao gás como tem dano de veneno adicionado.
Agora, e isso tem que ser realmente observado, essa mecanica foi algo que Shinji Mikami pensou em cima do laço enquanto o jogo estava sendo refeito a toque de caixa, não é algo sobre o que a ideia do jogo foi construída. Ou seja, isso quer dizer que o zapping system existe apenas em alguns pontos, não o tempo todo.
Isso quer dizer que em alguns momentos Claire e Leon existem na delegacia ao mesmo tempo e um vê as consequencias das ações do outro, mas na grande parte do jogo eles fazem as mesmas coisas como se estivessem em um gameplay completamente separados. Não espere que uma porta que voce destrancou com Claire estará aberta com Leon ou um puzzle que voce empurrou estátuas com um estará resolvido com o outro, são momentos bem pontuais em que isso acontece.
Se tivesse sido pensado assim desde o começo, se fosse inteiramente dois gameplay que conversam entre si o tempo todo, esse jogo seria uma fodenda obra de arte genial. Mas não é o caso, é apenas um gimmick que - não me entenda errado - mantém o jogo interessante para voce rejogar ele com os dois personagens, mas não espere nada radicalmente revolucionário disso também.
E o resultado disso tudo é que, bem, enquanto Resident Evil 2 defintivamente faz o suficiente para se manter interessante ao longo de seus dois gameplays, ele realmente joga seguro demais perto do primeiro jogo para considerar mais uma atualização do que uma proposta inteiramente nova.
Tem algo de inerentemente errado com isso? Não, claro que não. Se o que voce queria era jogar Resident Evil original em um novo mapa com gráficos melhores, controles melhores e dublagem IMENSAMENTE melhor (nenhum momento filme B, nada de "Jill Sandwich", a dublagem desse jogo é bastante okay), então é exatamente o que RE2 entrega.
Se voce esperava uma abordagem mais ambiciosa por parte da Capcom, entretanto... bem, quem sabe na próxima, né? Agora, suponho que a esse ponto pelo que eu falei até agora possa parecer que eu não gostei do jogo, mas não poderia ser mais longe da verdade.
Durante toda minha vida, eu sempre achei que o Mr. X era um robô (o que nunca encaixou no nivel de tecnologia do mudo de RE). Foi apenas rejogando agora que eu me liguei que ele é um Tyrant completo (o chefe do RE1 que você luta ainda em fase de testes)
Uma boa comparação para explicar como eu me sinto a respeito de RE2, seria o caso de Cyberpunk 2077. CP2077 é um jogo bem diferente do que eu esperava, e bem menos do que eram minhas expectativas. Porém, isso sendo dito, o que ele entrega - mesmo sendo menos do que eu esperava - ainda é um dos meus jogos favoritos da vida.
RE2 funciona de forma similar para mim: RE2 pode não ser a continuação que eu esperava, mas ainda sim é um jogo incrivelmente bom no que ele se propõe a fazer. Verdade seja dita que não que a esse ponto a Capcom precisasse entregar muito mais do que isso realmente. Quer dizer, tirando um ou outro gato perdido como BIOFORGE, survival horrors ainda não eram um genero em abundancia e nenhum chegava sequer perto de ser como RESIDENT EVIL. Na verdade quase todos transitavam entre o esquecível e o criminosamente ruim.
Então lançar uma versão com um novo mapa, controles melhores, armas melhores, uma história melhor (a tragédia da família Birkin não é literatura russa nem nada, mas é suficientemente interessante) e gráficos melhores... isso dá e sobra, não?
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