domingo, 8 de setembro de 2024

[#1293][Dez/95] TALES OF PHANTASIA


Lançado em 1995 para o Super Nintendo, Tales of Phantasia recebeu um remake para PS1 em 1999. O que no fim foi bom pra mim, pq ajuda o meu TOC não ter mais um número ímpar nas reviews de SNES, essa sendo a review 410 do console querido

De muitas formas, é uma experiencia bastante enriquecedora que o jogo que eu tenha jogado logo após FINAL FANTASY 8 não seja outro que não um Tales Of. Eu digo isso porque embora ambos sejam jRPGs, eles não poderiam ter propostas mais distintas: Final Fantasy sempre foi (ou tenta ser) o state of art dos jRPGs, sempre tentando puxar o que a mídia pode fazer um passo a frente seja em narrativa, desenvolvimento de personagem, gráficos ou mecanicas de combate. As vezes tem sucesso, as vezes não, mas tentar eles sempre tentam algo novo e diferente.

Já Tales Of, por outro lado, é o exato oposto disso: se Final Fantasy é a vanguarda, é a experimentação, é o novo, Tales Of é o fast food dos jRPG: básico, simples, antes de começar você já sabe o que ele vai entregar e ele entrega exatamente o que vc espera um jRPG. Nunca acima do mediano, mas tambem nunca abaixo. É o porto seguro, sem invencionice, sem riscos, apenas o jRPG raíz, o jRPG toco-y-mi-voy. E quer saber? Com certeza tem algumas coisas do RPG raíz e "antiquado" que a Squaresoft certamente poderia ter aprendido com ToP antes de tentar reinventar a roda...

Felizmente vc pode escolher quais habilidades seus companheiros podem castar, o que ajuda muito sua sanidade

Mas vamos começar do começo: eu já tinha falado um pouco sobre Tales of Phantasia quando fiz a review de STAR OCEAN - já que o segundo nasceu apenas por causa desse jogo. Mas resumindo a história que eu já tinha contado naquele post: a Wolf Team era uma equipe dentro da Telenet Japan, que apesar de não ser muito popular no ocidente é uma grande corporação por lá, holder de várias empresas, e estavam desenvolvendo esse RPG bastante ambicioso para o Super Nintendo.

O jogo teria viagem no tempo, temas Lovecraftianos, mitologia nórdica, o diabo A4 e em papel sulfite. Com efeito, o programador do jogo - Yoshiharu Gotanda - tinha pronto romance que nunca foi publicado e que serviu de base para a inspiração para esse jogo. A Talenet, entretanto, não ficou nem um pouco satisfeita em bancar um jogo com temas polemicos e coisas esquisitas e o pau quebro na casa de noca.

Resumo da opera, a Wolf Team saiu de dentro da Telenet e decidiu que arranjaria alguem outro para bancar o seu joguinho... o que é mais fácil falar do que fazer, pq conseguir investimento quando vc não é ninguem na fila do pão não é para principiantes. Depois de muito bater de porta em porta, o Wolf Team conseguiu no fim arranjar a Namco para bancar o seu joguetim... com algumas condições. Bastantes, na verdade, e no fim do dia as preocupações da Namco não eram tão diferentes das que a Telenet tinha.

Porra jogo, precisa esfregar minha solidão na minha cara?

Ou seja, o produto final, o jogo lançado mesmo foi um RPG de Super Nintendo bem mais seguro e sem riscos do que a Wolf Team pretendia. Mas como diz o ditado, quem paga a banda escolhe a música, né? Então ToP saiu essa coisa comportada e family friendly que viemos a conhecer como algo que se tornou a marca da série nos próximos anos, RPGs seguros que não correm riscos realmente.

Isso não quer dizer que o jogo é sem atrativos, entretanto, pq para um jogo de Super Nintendo a Wolf Team tinha uma ou duas cartas na manga e em especial o que ficou conhecido como "Flexible Voice Drive", que era uma tecnica que burlava os limitados 640k de espaço de audio na memória do Super Nintendo e permitiram não apenas frases e vozes digitalizadas, como uma abertura inteira cantada!


Isso... isso era sem precedentes nessa indústria vital! Sim, jogos em CD são esperados terem aberturas cantadas (com efeito, é a única coisa que se aproveita de várias bombas do Sega CD, como HEAVY NOVA), mas num cartucho de Super Nintendo? Mentes foram explodidas, eu te digo. Mentes foram explodidas.

Nossa história aqui é que existe um vilão do mal que odeia o bem, chamado Dhaos. E como todo overlord do mal, ele é praticamente invencível - até que um grupo de aventureiros empenhados mude isso. Entretanto, Dhaos tem uma carta na manga: como usuario da Fruta do Tempo de One Piece, toda vez que ele está para ser derrotado ele pode saltar para o futuro, tornando acabar com o capiroto uma missão muito ingrata.

E é exatamente aqui que a história começa, com um grupo de heróis sentando a lenha no Dhaosão da Massa e ele picando a mula para o futuro... só que dessa vez Dhaos tomou na tarraqueta pq os heróis se prepararam para isso: seus descendentes estavam lá esperando a hora que ele se transportasse do passado, e assim Dhaos foi capturado e selado para sempre, fim.


AHAM... DEIXA EU ADIVINHAR, CULTISTAS, NÉ?

Sim, cultistas. Uma galerinha que sempre acha que vai se dar bem e sempre se fode nessa porra achou que ia lucrar em cima do Dhaos e partiu atrás dos dois medalhões que o selaram, massacrando quem estivesse no caminho para consegui-lo - o que inclui a vila dos nossos heróis. Assim, Dhaos é revivido, faz esses cultistas de merda tomarem no cu e recomeça seu reinado de terror.

Nossos heróis então partem atrás do capiroto... apenas para apanhar até embaixo da lingua e serem salvos apenas no ultimo momento que os manda para o passado. Agora sim se inicia uma jornada épica para derrotar o overlord do mal que o odeia o bem ao longo das eras.

DEIXA EU ADIVINHAR, ISSO SOA MAIS ÉPICO DO QUE É REALMENTE, NÉ?

Tu tá bom nisso, heim Jorge? Sim, isso tudo soa mais épico do que é realmente pq na prática na prática mesmo, a estrutura do jogo é bem simples: em cada era vc precisa coletar 4 shenanigans para enfrentar Dhaos, então o jogo dá uma enchida de linguiça em coletar Mcguffins. No passado vc precisa coletar espiritos guardiães, no futuro vc precisa juntar a espada lendária Parangaricotirimirruaru, basicamente o jogo te dá que vc precisa coletar X pedaços de alguma coisa, ta lá as dungeons, vai a feira. E é isso o jogo.

Bater na porta de uma casa aleatória nunca foi tão divertido 


Não ajuda muito tambem que o jogo definitivamente não seja um BREATH OF FIRE 3 em que o mundo realmente evolui durante o timeskip, muito pontualmente uma coisa ou outra muda a cada era e só - mas não se surpreenda ao ver as mesmas pessoas dizendo as mesmas coisas no mesmo lugar 50 anos no futuro.

TÁ, REALMENTE NÃO É O DESIGN MAIS ARROJADO DO MUNDO, TENHO QUE DIZER

Não, não é. Como eu disse, Tales Of nunca tenta ser vanguardista ou modernoso, ao contrário, ele é a raíz da raíz do RPG. Colete Mcguffins, tem lá as dungeons, te diverte. Se é isso que você espera, é isso que o jogo te dá, nem mais mas definitivamente não menos. Mas... quer saber de uma coisa? Funciona. Em toda sua simplicidade, em todo o básico que ToP tenta fazer, não dá pra dizer que eles não fazem esse básico muito bem realmente.

E essa é a parte onde jogos como FINAL FANTASY 8 poderiam aprender com ele: garanta que você acertou o básico antes de tentar sair reinventando a roda. Dhaos, por exemplo, é um ótimo antagonista para ToP. Ele é bem estabelecido como uma ameaça desde o inicio do jogo e o jogador sempre sabe contra o que está lutando, qual é a ameaça.



Eu não estou dizendo que vc não pode fazer uma ameaça mais intangível ou mais complexa do que um overlord do mal, mas se vc for mudar para algo além do básico, certifique-se que você está fazendo MELHOR que o básico. FINAL FANTASY 8 por exemplo não faz isso direito e o resultado é que vc nunca tem certeza do pq está fazendo aquelas coisas senão pela inércia do cenário te mantendo em movimento de um lugar para outro, mas nunca existe aquele grande objetivo em mente e quando ele lhe é dito, ele é apenas isso: ele é apenas dito, vc nunca viu ele diretamente.

Aqui não, vc luta contra Dhaos duas vezes ao longo do jogo antes da batalha final e são lutas encruadas de dificeis - a primeira até eu não estava tão bem preparado e achei que fosse até uma daquelas lutas de derrota obrigatória, do pau que eu tomei. Então Dhaos é perfeitamente estabelecido como uma ameaça, é contra ele o negócio, e o jogo é seguro ao girar em torno disso.

Verdade seja dita tambem, Dhaos é um personagem mais interessante do que eu poderia esperar pq todas as vezes que eu encontrei ele não foi um overlord babando malignidade e sim mais na linha de "caras, na boa, pq vcs estão se metendo nisso? Vcs ao menos sabem o que eu quero fazer?". Isso é... intrigante. Isso e mais algumas escolhas que ele toma ao longo do jogo - especialmente quais cidades ele escolhe atacar especificamente - te fazem pensar que talvez exista mais nessa história, e isso pra alguem que te é vendido inicialmente como uma besta sanguinolenta maligna é o bastante para te manter interessado em saber que que tá pegando, afinal.




A outra coisa que mantem o jogo interessante, apesar da sua estrutura básica, é que Tales of Phantasia mantem (bem, na verdade ele começou, sendo o primeiro tal) tradição da série de ter personagens carismáticos com boas interações entre eles. Nenhum dos quatro personagens principais foge muito dos estereótipos de anime (Cless é o herói shonen, Mint é a menina pura e ilibada, Arche é a Tsundere e Chester é veterano do grupo), mas a Wolf Team realmente sentou e escreveu algumas cenas para te dar um sorriso no rosto vendo essa galerinha interagindo.

Claro, não é algo que se diga "minha nossa, é um LUNAR: The Silver Star Story", mas não tem como negar que os personagens tem lá sua personalidade e que o jogo dá tempo para eles respirarem entre uma dungeon e outra. Novamente, é apenas o básico bem feitinho? Sim, é exclusivamente o básico bem feitinho... mas então, ainda é mais do que FINAL FANTASY 8 faz (ou não faz, nesse caso) ao não dar uma misera cena para humanizar os personagens. ToP pode não ser literatura russa de profundidade, mas o que ele faz, faz bonitinho.



Mecanicamente, eu vão vou elogiar Tales of Phantasia pela jogabilidade fantástica, nem direi que ele contém uma das melhores iterações do Linear Motion Battle System (LMBS) da série. No entanto, tem que ser considerado que esse jogo foi a primeira vez que o Wolf Team tentou seu esquema de action RPG em combate lateral, e isso considerado dá pra dizer que o LMBS estabeleceu um ótimo sistema base para todos os futuros jogos que seriam usados não apenas nos futuros Tales como seriam expandidos com mais opções para o sistema de batalha.

Enfim, a ideia da coisa é que vc luta numa tela lateral e usa comandos para dar os golpes (cima+A dá um uppercut, frente+A dá outro tipo de ataque, e por aí vai), além do jogador poder usar habilidades (que custam TP), para dar combos ou comandar os seus outros membros do grupo para castar magias, ataques especiais ou algo do tipo

Quatro habilidades diferentes podem ser atribuídas, e tão importante quanto o dano que elas causam é o movimento que elas fazem, já que não raramente é mais importante vc como guerreiro interromper o casting dos inimigos batendo neles (mesmo que nem cause tanto dano), já que o pessoal do fundão cuida do dano pra vc. Isso gera uma mecanica interessante onde como os movimentos fazem o boneco se movimentar na tela são tão importantes ou mais que o dano, e dessa forma o combate nunca fica automático ou repetitivo



Tales of Phantasia é um excelente começo para um time que não tinha experiencia nenhuma com RPGs, apesar de alguns erros de principiantes que não deveriam ocorrer (tipo a morte não cura veneno, o que realmente me deixou perplexo pq deveria ser assumido que a morte removeria qualquer status), especialmente pq eles tinham ciencia que não tinham experiencia nenhuma com RPG e o jogo que eles entregam é todo seguro e redondinho.

Talvez não fosse o jogo que a Wolf Team quisesse inicialmente fazer, e talvez (certamente) não é um jogo que ficará marcado na minha vida, mas... é competente e redondinho, isso tem que ser dado a ele. Gostozim, até. E é isso, Tales of Phantasia é um jogo simples - mesmo para os padrões de 1995 do Super Nintendo - mas que em toda sua simplicidade faz tudo certinho.

Alguns diriam que é um RPG bem antiquado, mas então... não é como se isso fosse uma coisa ruim. Como bem disse o agente Culson, com tudo que aconteceu e tudo que está acontecendo... as vezes a gente precisa de um antiquado.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 103 (Maio de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 038 (Fevereiro de 1999)