Em novembro de 1999, os desenvolvedores da Core Design estavam exaustos. Eles haviam feito o impossível, haviam mudado o mundo, haviam reescrito a história... e ainda sim, não era o suficiente.
TOMB RAIDER, de 1996, havia se tornado mais do que apenas um bom jogo, se tornou um ícone cultural dentro e fora dos videogames. No mundo dos jogos, nessa época não havia um jogo de plataforma 3D que não era comparado ou com TOMB RAIDER, ou com SUPER MARIO 64. As aventuras de Laurinha ficavam ombro a ombro com a obra prima do maior gênio da história dos videogames, isso era o quão grande TOMB RAIDER era.
Fora dos jogos, o legado de TR era ainda maior. Mais do que seus magumbos gigantescos, Lara não era apenas uma protagonista de videogames – ela era um ícone. Seu impacto transcendeu o mundo dos jogos, moldando a cultura pop, inspirando uma geração inteira de desenvolvedores, artistas e, especialmente, jogadoras. Ela provou que uma mulher podia ser a estrela de uma franquia de ação e aventura, que podia carregar um jogo com sua presença marcante e sua determinação inabalável. Lara representava a coragem, a inteligência e a vontade de desafiar o impossível, sendo incrívelmente cool enquanto o fazia.
De certa forma, Lara Croft era a sucessora espiritual dos grandes heróis de filmes de ação dos anos 80. Só que ao invés de um Schwargenegger ou um Stalone com musculos até dentro dos seus musculos soltando frases de efeito enquanto vencia semrpe, tinhamos uma inglesinha de peitos enormes sendo a descolada da vez.
Bem, eu não preciso me alongar muito no tudo que Lara Croft representa porque eu já escrevi três reviews sobre isso... e esse era meio que todo o problema. Tomb Raider 4 (embora não tenha o número no nome) era o quarto jogo da série em três anos, e o time da Core Design já estava com dois palmos de língua pra fora pedindo água.
Atrás deles, seus chefes da publisher Eidos estalando o chicote que o Tomb Raider DESSE ano tinha que ficar pronto logo para não atrasar o Tomb Raider do ANO QUE VEM. O bastante era o bastante. Todo mundo amava a Laurinha, e ninguém amava ela mais que os seus criadores, mas existe um limite de até onde a mente humana pode arrastar alguma coisa.
Olha, eu sei que a gente chama videogames de "indústria", mas no fim do dia, jogos são ultimamente uma obra de criatividade e inspiração. Quer dizer, claro, você pode trancar os caras numa sala e pedir para eles fazerem QUALQUER coisa... mas aí você termina com um EVOLUTION 2: Far Off Promise nas mãos e não o jogo referencia top das plataformas 3D. E os caras da Core Design totalmente achavam que Laurinha merecia mais do que virar EVOLUTION 2: Far Off Promise.
GIFs que você pode ouvir, se você não ouviu a flautinha é pq vc já está morto por dentro |
Por essa razão, eles tomaram uma decisão bastante ousada: "Saqueadora de Tumbas: A Ultima Revelação" seria... o último jogo de Tomb Raider. Nada vive para sempre, e eles decidiram terminar com Lara Croft sendo uma lenda eterna que amariamos para sempre do que arrasta-la ao ponto da insignificancia.
E por mais que me doa dizer isso, já que eu realmente gosto muito da Laurinha, não tem como discordar deles. Estava na hora de Tomb Raider terminar, era hora da lendária Lara Croft ter sua última aventura.
Isso quer dizer que a ideia da Core Design era fazer uma despedida digna a maior estrela que os videojogos já tiveram, e por isso esse seria o maior e mais massivo jogo da franquia até então, tirando a última gota do que dava para que todos saíssem da experiencia plenamente satisfeitos. Tomb Raider 4 seria a baleia branca para encerrar a franquia com chave de ouro... claro, suponho que ninguém realmente leu Moby Dick, ou senão eles teriam me lembrado de que a história termina com a baleia arrastando o capitão para as profundezas do oceano.
Seja como for, em sua última aventura Laurinha foi encarregada de uma missão épica à altura: salvar o mundo da ameaça do deus egípcio e grande vilão Seth, que ela acidentalmente liberta durante uma expedição rotineira. Sua despedida deveria ser sua maior aventura até então: níveis enormes, novas habilidades e gráficos ainda mais impressionantes para acompanhá-la na jornada para o além.
O jogo começa com uma fase tutorial onde jogamos com uma Lara adolescente de 16 anos (que não tinha na época metade do tamanho dos peitos que viria a ter, a puberdade demorou a chegar nessa daí) e, além dos movimentos básicos do jogo temos alguns momentos bem bacanas como quando ela encontra a lendaria mochilinha marrom que a acompanharia pelo resto da vida.
Seja como for, a primeira metade de Tomb Raider 4 é exatamente o grande jogo que seus desenvolvedores pretendiam como grande despedida e o ápice do Tomb Raider clássico. Com as novas habilidades de Lara e fases bem estruturadas, explorar tumbas e templos nunca foi tão divertido. Há momentos de exploração fluida, quebra-cabeças bem elaborados, desafios emocionantes contra o tempo e até algumas seções de combate decentes – algo com que a série sempre teve dificuldades. Exceto pelo início, o jogo inteiro se passa no Egito e a corrida entre Lara e um Von Croy possuído por Seth pelo destino do mundo prometia um final eletrizante para sua última aventura.
Só que, no entanto, me parte o coração dizer isso, mas as rachaduras de um time que estava REALMENTE exausto de fazer esses jogos eventualmente começam a aparecer. Olha, eu não sou o maior fã do mundo de fazer o jogo inteiramente no Egito, pra mim grande parte da magia de Tomb Raider sempre foi ver que novo lugar exótico eles transformariam em uma fase de plataforma (o que, justamente, faz TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft o ponto alto da franquia e os devs no ápice do seu jogo), mas, sinceramente, vá lá.
Escolha monotemática de cenário a parte, o fato é que a linearidade da primeira metade permite que seus pontos fortes brilhem. Mas quando se chega ao ponto em que os níveis começam a se interconectar – quase como um mundo aberto – e você começa a encontrar salas sem saída, é hora de engolir o orgulho e abrir um guia, porque agora o jogo fica muito menos intuitivo, e se você não fizer isso estamos falando de 30, 40, 50 horas até pra um jogo que tem menos de 10h de conteúdo.
Isso é o quanto você empaca pq tudo fica muito grande muito rápido, tudo fica muito longe muito rápido. Sério, eu tive vontade de socar a parede na terceira vez que eu precisei escalar uns 10 minutos pra sair da dungeon, ir até a cidade pegar uma chave, voltar aonde eu estava na dungeon, mais dez minutos... pelo menos uma três vezes. AVAPAPOUTAQUEOPAREO!
Além disso, a esse ponto a criatividade do time já tinha ido pras caralhas, a segunda metade do jogo se resume a encontrar chaves e portões sem qualquer dica contextual do que fazer a seguir, tornando-se quase um point-and-click. Tem alguns puzzles cuja lógica ainda não foi decifrada até hoje, 25 anos depois. E há ainda mais seções de plataforma feitas apenas para frustrar o jogador. Força do puro ódio e um walkthrough são as únicas forma de avançar.
Lá pela hora 30 de jogo, você espia no detonado quanto ainda falta (seja na internet, seja na Ação Games) e sua reação não é outra senão:
Lá pela hora 40, TR4 mais parece um emprego pelo qual você não está sendo pago do que uma diversão |
No entanto, a falha mais gritante é que o jogo claramente ficou sem recursos na segunda metade. Apesar dos eventos apocalípticos da história, os cenários mal refletem isso. Há algumas tentativas bem brochas de mostrar uma tempestade se formando, mas a narrativa me diz que a tempestade já deveria estar em pleno vigor. O chefe final é anticlimático e sem impacto, e a cena final é apressada demais para ter qualquer carga emocional. Parece mais um gancho barato para uma continuação do que a despedida grandiosa que Lara merecia – nada de grand finale épico, nada de um adeus emocionante. Laurinha merecia mais, bem mais.
Dizem os rumores que quando os executivos da Eidos descobriram que a Core Design planejava matar Lara, deram um esporro neels do tamanho do mundo, mas já era tarde demais para mudar o final. Seja qual for a verdade, não muda o fato que nem sequer há uma tela de créditos decente – após Lara ser enterrada viva e Von Croy (agora, de repente, de volta ao normal) falhar em salvá-la, somos jogados de volta à tela inicial com os nomes da equipe rolando. Sem tela de estatísticas, sem “Fim”, sem nova música para marcar o encerramento de uma era – apenas a mesma "música de perigo" ouvida durante os chefes (exceto no confronto final, que perde impacto por ser estranhamente silencioso). Essa foi a pior escolha possível para um final, que é involuntariamente melancólico porque você consegue sentir o quanto os desenvolvedores estavam só a rapa do pó da rabiola, não porque ele foi feito para ser narrativamente melancólico.
Eu li muitas reviews ao longo dos anos dizendo que a Core Design ficou preguiçosa com a série, lançando jogos anualmente como Madden ou Call of Duty, mas eu não acho que esse seja o caso aqui. Embora a segunda metade de Tomb Raider 4 mostre sinais claros de um orçamento apertado, de uma equipe exausta e de prazos limitados, dá pra ver claramente que os devs ainda se importavam com a Laurinha e fizeram o melhor que eles podiam - pena que o que eles podiam a esse ponto já não era mais muita coisa.
Ainda sim, não tem como negar que a jogabilidade é o melhor que a série clássica já teve – basta ver quantos mods de fãs foram criados na engine de TR4 em comparação com qualquer outro Tomb Raider clássico. O jogo também era visualmente impressionante para sua época (e graças a Arceus é MUITO menos escuro que TOMB RAIDER 3: Adventures do Lara Croft, embora ainda seja bastante escuro). É uma pena que, no final, a Core Design não tenha tido os recursos para fazer dessa despedida algo digno. Não com a Eidos bufando no cangote deles.
Tomb Raider: The Last Revelation é o fim de uma era na história dos videogames, é uma página que foi virada para sempre. Frequentemente ele é lembrado como o último Tomb Raider “bom” por muitos anos, mas eu diria que é mais porque o que veio a seguir não foi nada senão sofrimento e dor: Chronicles, foi uma coletânea de sobras jogadas às pressas no mercado como um FIFA anual, e Angel of Darkness é... vamos chamar de inacabado, apenas para manter a cordialidade.
Embora não a melhor forma de encerrar sua jornada, isso também não muda o fato que ela precisava acabar. Lara já havia feito muito pelos videogames. Ela quebrou barreiras, redefiniu o gênero, inspirou milhões. Ela não precisava continuar lutando indefinidamente.
Claro, todos sabemos que The Last Revelation não foi realmente seu fim. Lara retornaria, sua história seria reimaginada, novos jogos seriam lançados. Mas, de certa forma, esse meio que foi o fim. Nunca mais tivemos uma Lara Croft da Core Design. Nunca mais tivemos uma Tomb Raider feito por aqueles que deram vida a essa lenda. De certa maneira, essa foi a última aventura de Lara Croft como a conheciamos, e tal qual Getulio Vargas, Lara Croft saiu da vida para entrar para a história.
Então... Obrigado, Lara.
Por cada salto impossível, por cada enigma indecifrável, por cada ruína esquecida onde apenas você teve coragem de entrar. Obrigado por nos levar ao desconhecido, por transformar o mundo em um mapa de aventuras esperando para serem descobertas. Você correu sem hesitar, enfrentou deuses e maldições, desafiou o tempo e a morte. Mas até os maiores exploradores um dia precisam parar. Você foi mais do que pixels, mais do que código – você foi um farol para sonhadores e desbravadores, para aqueles que ousaram acreditar que o impossível podia ser alcançado. E embora seu caminho tenha chegado ao fim aqui, você nunca será esquecida. Porque enquanto houver alguém escalando uma montanha, resolvendo um mistério ou simplesmente lembrando-se de você, Lara Croft ainda estará correndo.
The Queen is Dead. Long Live the Queen!
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
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