Em todos estes anos nessa indústria vital, com quase 8 anos de blog e 1400 reviews, uma coisa que não mudou em nada desde o primeiro dia é que poucas coisas me empolgam mais do que descobrir uma joia escondida. Um desses jogos que, embora não seja perfeito, certamente tem mais a oferecer do que sua popularidade leva você a acreditar. Você sabe, pequenas delícias que nem todo mundo jogou como METAL WARRIORS ou ROCKET KNIGHT ADVENTURES.
E a primeira vista, Casulo de Jade: História de Temamavayou se encaixa perfeitamente nesse molde de alegria... até perto da metade dessa curta aventura, quando o jogo tomou um rumo que me fez reavaliar minha opinião. É o que veremos no episódio de hoje.
Nossa história aqui não é nada que você nunca tenha experimentado antes. Nosso herói é um protagonista silencioso (chamado Levant por padrão) que é o "escolhido", destinado a salvar sua cidade de uma maldição maligna do mal que odeia o bem depois que o seu pai - o antigo mestre dos Casulos de Jade desapareceu. Em termos de história principal, não há nada surpreendente aqui e suponho que desde a primeira cena já está óbvia qual é a identidade do terrível vilão responsável pela maldição que nosso herói encontra em seus sonhos. Qual é gente, não é meu primeiro jRPG, não tratem essa "revelação" da identidade do vilão como se fosse uma surpresa, vamo se respeitar.
Dito isto, enquanto a história não é nada que você possa escrever para casa, COMO ela é contada é que é a parte do jogo que realmente importa e é aqui que as coisas ficam interessantes. A estrutura do jogo é um dungeon crawler clássico: uma cidade central com várias dungeons ao redor dela, então a medida que o jogo avança e você viaja pelas florestas-dungeons, você sempre retorna à mesma cidade para pegar rebastecer seus suprimentos, usar os serviços e seguir adiante com a história. Como eu disse, estrutura de dungeon crawlera clássica.
A parte importante, entretanto, é que quando você conversa com os moradores você logo percebe que - em algo que infelizmente é uma raridade no gênero - todos eles têm algo interessante a dizer. É incrível ver como a vila evolui com o tempo, a princípio torcendo por você com otimismo como sua única esperança, antes de lentamente começar a falar mal de você pelas costas quando o problema não é resolvido IMEDIATAMENTE, ao ponto que a coisa evoluir para o descrédito completo. As suspeitas aumentam conforme o tempo passa e eles começam a brigar entre si, e tudo isso acontece com ou sem o envolvimento do jogador, fazendo com que pareça que o mundo está realmente vivo e o tempo está realmente passando enquanto você está em sua aventura.
Tem uma conversa específica que acontece cerca de um terço do jogo, onde o personagem principal e sua esposa (sim, diferente de 99,87% dos jRPGs nosso herói não aqui é um garoto de 12 anos que parte numa jornada para salvar o mundo, ele tem uma esposa) discutem suas preocupações. Foi uma conversa curta, mas extremamente real e bem escrita, onde eles discutem sobre coisas como a tradição da aldeia, sobre como suas responsabilidades adultas estavam atrapalhando seu relacionamento e como ela gostaria que as coisas fossem mais simples.
Falando assim pode não parecer, mas sabe quantas vezes na vida eu vi um casal discutindo sobre como as aventuras do RPG estão afetando o relacionanto deles? Menos vezes do que o Vasco já foi rebaixado, saiba você. E o jogo tem alguns momentos assim que fazem o jogo parecer mais vivo para mim do que a maioria dos RPGs que joguei e me senti totalmente envolvido neste mundo por causa disso.
Ah, e não dá pra deixar de mencionar o design de personagens de Katsuya Kondo, do Studio Ghibli. O jogo tem uma vibe de "Princess Mononoke não licenciada", com aquele charme Ghibli que só Ni no Kuni conseguiu reproduzir anos depois. Infelizmente, o estilo só brilha nos retratos e na abertura animada dado que os limitados polígonos do PS1 não fazem jus à arte, mas ainda sim é interessante.
Seja como for, JC tinha um cenário muito bem escrito e uma direção de arte belíssima, o que quer dizer que estava com a faca e o queijo na mão para ser uma verdadeira joia rara escondida nos milhares títulos lançados para o PS1... tinha, até o segundo tempo.
A primeira metade do jogo é promissora, mas tudo muda no meio da aventura. Por razões de spoiler, não vou entrar em detalhes, mas basta dizer que a vila — e todo aquele senso de comunidade — se torna inacessível. O que antes era um mundo vivo e dinâmico vira um festival de dungeons recicladas. Pior ainda, você é forçado a rejogar as três primeiras dungeons repetidas vezes antes de um final abrupto e anticlímax.
É como se o jogo tivesse sido cortado no meio. A narrativa que parecia tão rica e cheia de potencial é abandonada, deixando personagens interessantes subaproveitados e tramas sem resolução. Aumenta ainda mais essa sensação de "para de fazer o jogo e entrega do jeito que dá" porque mesmo jogando sem pressa, terminei em pouco mais de 10 horas - o que é absurdamente pouco para o genero.
Embora não seja necessariamente o aspecto mais importante do jogo, a primeira coisa que me chamou a atenção quando comecei foi o design de som e, mais especificamente, a dublagem. Dizer que a dublagem do jogo é extremamente inconsistente seria um eufemismo, com alguns personagens sendo extremamente bem interpretados e outros se saindo tão mal que eu tinha que tirar o áudio toda vez que eles apareciam na tela. O engraçado é que não é apenas a atuação que varia, mas a própria qualidade da gravação com algumas gravações soando nitidamente e outras parecendo que o cara gravou as falas no banheiro embaixo de uma pilha de almofadas.
Em termos do resto do design de som, o jogo é razoável. A maioria dos efeitos sonoros de combate são repetitivos, com o mesmo som sendo usado para carregar todos os ataques especiais do jogo, mas isso é mais um nitpicking do que qualquer outra coisa. Achei a trilha sonora muito bem composta, mantendo um tema mais tribal que realmente combina com o cenário e a direção de arte do jogo. Embora não seja um DONKEY KONG COUNTRY da vida, a trilha faz muito pelo clima do jogo.
No que diz respeito ao visual, o jogo é surpreendentemente bonito para um jogo de um estúdio pequeno - criado e publicado pela Genki, mais "famosa" por jogos de bacião de descontos como KILEAK THE BLOOD ou BRAHMA FORCE: Assault on Beltlogger 9. O jogo até se gaba disso, com a parte de trás da caixa exibindo que tem cerca de seiscentos cenários exclusivos e pré-renderizados - o que não é exatamente verdade, já que metade dessas telas são recolors de telas usadas anteriormente.
Mecanicamente, se você conhece Pokémon então já sabe como as coisas funcionam aqui: fraquezas elementais, capturar seus monstros primeiro deixando eles com pouca vida ou algum status, e assim por diante. Para o diferenciar do clone de Pokémon número 758 dessa época, o jogo tem duas coisas diferentes: a primeira é a capacidade do protagonista sair na mão com os bichos... o que não adiciona muita coisa, pq ele só tem o ataque físico básico.
A segunda, no entanto, é a coisa pela qual Jade Coccon é mais lembrado: a mecânica de fusionar monstros para criar os seus próprios, e é claramente nesse recurso que a Genki apostou todas as suas fichas. O jogo é baseado em um sistema de quatro elementos com uma espécie de mecânica de pedra-papel-tesoura, então mesclar seus monstros cria um sistema bastante interessante já que parte do elemento e parte dos atributos dos monstros envolvidos passa a criatura criada pela fusão.
O que nos leva a situações em que você precisa escolher se está disposto a enfraquecer o dano de um elemental de fogo para tentar encobrir sua fraqueza à água? Você quer tentar construir uma criatura versátil ou uma que se destaca apenas em ataques físicos? É aqui que está o verdadeiro cerne do jogo e aqueles que gostam de mecanicas de crafting vão ter muito com o que brincar. Pessoalmente eu abomino crafting em jogos e pulo isso sempre que possível, aqui o jogo é meio que sobre isso. Ainda sim é bem feito para quem gosta, não posso tirar isso dele.
Os controles são estranhos, porque os desenvolvedores decidiram usar um conjunto um tanto quanto confuso de "controles de tanque" (algo já antiquado na época de lançamento do jogo), onde apertar para cima para cima significa que você sempre se move na direção que seu personagem está olhando, enquanto pressionar para os lados faz seu personagem girar. O mais estranho disso, no entanto, é que o botão triangulo acelera seu personagem, fazendo ele meio que se mover como um carro em um jogo de corrida. Não atrapalha nem nada pq é um RPG e movimentação não é um elemento chave do genero, mas não deixa de ser esquisito.
Mas então, considerando tudo o que eu disse até aqui, acho importante destacar o que eu acho que realmente aconteceu para transformar esse jogo que tinha tanto brilhantismo em "um dos jogos já lançados": pra mim o jogo parece inacabado. Este jogo cheira a um Genki dizendo ao time de desenvolvimento do jogo "acabou o dinheiro, termina aí e lança do jeito que dá!".
Dá pra sentir claramente que o time de desenvolvimento tinha muito mais em mente, porque a segunda metade do jogo é rushada a toque de caixa de uma forma que eu não via desde XENOGEARS. O final completamente anticlímax, os personagens subutilizados que estavam se desenvolvendo de maneira interessante, o jogo cortar seu acesso a cidade e virar só masmorra masmorra masmorra, e ainda nisso a reutilização das três primeiras masmorras novamente para a segunda metade do jogo, praticamente sem nenhuma alteração feita a elas ou qualquer construção de história, dos 171 monstros do jogo cerca de 100 você não pode acessar até o pós-jogo na dungeon bônus de 1000 andares (a propósito, isso nada mais é do que as mesmas telas repetidas várias vezes).
Eu não tenho nenhuma prova para respaldar minhas alegações, mas eu já joguei videogame o bastante nessa vida para reconhecer as evidências bastante fortes de que por alguma razão ou outra eles não lançaram o jogo que queriam ter lançado, e isso em 99% das vezes é sobre dinheiro. E isso é de longe a coisa mais deprimente sobre a experiência. É triste porque a primeira metade do jogo tem momentos genuinamente brilhantes, mas a segunda metade é tão sem graça que não só arrasta o jogo pra mediocridade, como também mata qualquer empolgação que você pudesse ter tido.
Genuinamente desejo que o time não tenha esses problemas na sequencia para PS2, mas isso só veremos daqui a alguns anos. O que eu posso dizer até lá é que eles estavam construindo algo verdadeiramente especial aqui, algo que jamais veremos.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER