Algumas obras são tão completas, tão autossuficientes, que fazer uma sequência à altura se torna um desafio quase impossível. Tão impossível, de fato, que, às vezes, seus criadores simplesmente chutam o balde e tentam algo completamente diferente — até mesmo em um gênero totalmente distinto.
Isso pode tanto dar muito certo (como Aliens, que transformou um dos melhores filmes de terror slasher de todos os tempos em um dos melhores filmes de ação de todos os tempos) quanto dar muito errado (Coringa 2, que... meu amigo...). Em videogames, essa abordagem é menos comum, pois muitas sequências diretas acabam sendo tão boas — ou até melhores — que seus predecessores, graças a avanços tecnológicos, refinamento das mecânicas e feedback dos jogadores.
Ainda assim, sequências radicalmente diferentes existem. São raras, mas acontecem. Algumas nem são ruins se analisadas isoladamente, sem levar em conta o jogo original. Um dos melhores exemplos disso é Final Fantasy X-2.
Até onde lembro (preciso rejogá-lo para ter certeza), FFX-2 não é um jogo ruim. Pelo contrário, é um RPG bem divertido. O problema é que nunca consegui dissociar minha insatisfação com sua mera existência. Final Fantasy X não precisava de uma sequência, e transformar a Yuna em uma popstar é, sem dúvida, uma das decisões mais aleatórias da história... de todas as histórias.
Mas, assim como acontece no cinema, existem mudanças radicais que funcionam e mudanças radicais que não funcionam. E isso nos leva ao jogo de hoje: Alundra 2. Uma sequência que, sem dúvida, chutou o balde — mas, ao contrário de Aliens, não para melhor. Na verdade, na minha opinião, Alundra 2 é um jogo... bem, vamos começar do começo, e para isso eu preciso falar de Alundra.
Resumidamente (até porque já escrevi uma review inteira sobre Alundra), o jogo original, lançado em abril de 1997, era... pesado, para dizer o mínimo. Inspirado fortemente nos livros de terror de Stephen King, Alundra conta a história de uma vila onde as pessoas começam a ficar presas dentro de seus próprios pesadelos até que seus corações não aguentam mais — e elas morrem.
O protagonista, Alundra, é um elfo com a habilidade de entrar nos sonhos das pessoas e tenta ajudá-las da melhor forma possível — nem sempre com sucesso. Conforme a situação na vila se agrava, o clima se torna cada vez mais opressor. O medo transforma os aldeões, tornando-os desconfiados, depois hostis, especialmente em relação ao forasteiro Alundra. O jogo captura aquela atmosfera clássica do terror de sobrevivência, onde o pânico e a paranoia dos próprios humanos podem ser tão perigosos quanto a ameaça em si.
Além disso, Alundra (o jogo) mergulha em discussões surpreendentemente maduras e pesadas, abordando o papel da religião na vida de pessoas emocionalmente fragilizadas, o impacto do preconceito e outros temas que passam longe do seu típico desenho animado de sábado de manhã.
Alundra é uma narrativa madura e emocionalmente complexa, envolta em puzzles desafiadores e mecânicas sólidas de action RPG. É uma experiência única no PS1, settando a barra incrivelmente alta para qualquer sequência em potencial. E por isso mesmo eu não sabia o que esperar de uma sequencia, a única coisa que eu realmente sabia é que não podia espeva... isso:
Espera... o que? A continuação de um jogo pesado que explora as implicações jungianas dos pesadelos e seu papel na sociedade é... a Equipe Rocket fazendo palhaçadas? Eu juro pra vocês que eu chequei a caixa do jogo pra ver se eu não tinha colocado MEGAMAN LEGENDS, pq isso era muito mais o humor cartunesco de Tron Bonne e sua gangue do que... você sabe, Alundra.
A explicação dos desenvolvedores é que, embora tenha sido feito pelo mesmo estúdio, eles estavam atrás de numeros de vendas maiores e tentaram apelar para um público mais amplo - ou seja, deixaram o tom do jogo mais leve. Mas então, existe uma pequena diferença entre deixar mais leve e fazer desse jogo o primo perdido de PEPSI MAN! Caraca, Alundra deve ter vendido mal pacaraí mesmo, heim...
Mas tá, uma vez que você aceita que Alundra 2 está mais próximo de uma comédia do Adam Sandler do que de Alan Wake da quinta geração... e aí? O jogo em si é bom?
Então...
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Os puzzles deram uma... simplificada... em relação ao jogo anterior também, vamos colocar assim |
Alundra 2 tem—e isso é debatível—uma má reputação. Eu digo que é debatível pq talvez seja mais preciso dizer que Alundra 2 simplesmente não tem reputação. É um RPG obscuro que recebeu ainda menos atenção do que seu predecessor, que já é frequentemente esquecido ou ignorado. No fim das contas, apenas os nerds mais obscuros vão reconhecer Alundra, e, dentre esses, só os mais sombrios e sem esperança dos nerdolas realmente têm algo a dizer sobre Alundra 2.
BOM SABER QUE VOCÊ TEM UMA VISÃO ADEQUADA DA SUA POSIÇÃO SOCIAL
Eu posso ter muitos defeitos, mas iludido eu não sou. Seja como for, a comunidade obscura de jogadores de RPG tem uma opinião geral sobre o jogo, pelo que vi, e essa opinião é que ele é simplesmente ruim. Onde Alundra 1 é geralmente elogiado nos círculos de jogos onde sua existência é lembrada - e com tremenda justiça, diga-se de passagem - Alundra 2 recebe, nesses mesmos círculos, desprezo e escarnio.
Agora, eu realmente acho que a principal razão é toda essa mudança de tom, ao ponto que a única conexão que eles têm é realmente o título dos jogos e o fato de que algumas das músicas de Alundra 2 soam como algumas de Alundra 1. Alundra 1 é pesado, Alundra 2 é alegre. Alundra 1 traz reflexões, Alundra 2 busca risadas. Alundra 1 tem temas pesados, Alundra 2 tem uma aventura bem boboca de salvar o mundo de vilões paspalhões. Alundra 1 tem puzzles frustrantemente difíceis, Alundra 2 tem controles frustrantemente difíceis. Alundra 1 visualmente parece ok, Alundra 2 parece algo que foi desenterrado das latas de lixo da Naughty Dog enquanto ela desenvolvia o primeiro Crash Bandicoot. E assim por diante.
HÃ, EU REPAREI QUE TEM ALGUMAS AÍ QUE SÃO MAIS DO QUE MERAS QUESTÕES NARRATIVAS AÍ, O SEGUNDO JOGO TEM PROBLEMAS TECNICOS QUE O PRIMEIRO NÃO TINHA
Então, tem isso. Realmente os controles de Alundra 2 são terríveis e parece que nosso herói está patinando o tempo todo. Adicionalmente, fazer o botão de interagir com objetos e o botão de dar rasteira ser o mesmo foi uma escolha muito infeliz, dificilmente você vai interagir com algo sem antes dar um carrinho nela como um zagueiro dos anos 80 - o que ao longo de 10 horas de jogo acaba se tornando bem irritante.
Não ajuda que os gráficos sejam absolutamente fracos para um jogo do final de 1999 - na verdade eles já seriam fracos para a metade de 1997 quando o primeiro jogo lançou. E certamente ajuda menos ainda que a camera seja igualmente inaceitável para essa época, eu duvido muito que esse jogo foi realmente testado antes do lançamento pq qualquer um que pega esse jogo vê imediatamente que a camera é perto demais para você ficar confortável.
O combate é desajeitado, e o level design não é inspirado. Os quebra-cabeças não têm a inteligência do Alundra original, parecendo mais um trabalho do um puzzle divertido.
A questão é... bem, as criticas pegam um pouco pesado demais. Alundra 2 não é um jogo bom e certamente está mais no lado medíocre do espectro. Mas certamente é um hack'n slash jogável o suficiente uma vez que você se acostuma com a camera. Repare que eu não disse "bom", eu disse "jogável".
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Era pra usar a distração para se infiltrar na base, não parar pra assistir junto com os caras, seu bocaberta! XD |
Narrativamente, este jogo - apesar de obviamente tentar lucrar com a a boa reputação de Alundra 1 no nome - sabe muito bem o que ele é e não tenta ser mais do que isso. E o que ele é, é ser uma aventura bem tola envolvendo piratas, chaves mágicas malignas, exploração de masmorras e salvamento do mundo de vilões patetas.
Alundra 2 realmente não tem nenhuma ambição de fornecer mais do que isso, e se você espera que ele o faça (o que, novamente, é uma expectativa justa dado que o jogo se chama literalmente ALUNDRA 2), é natural que você vai ficar desapontado.
Mas julgado pelo seus próprios méritos, a história de Alundra 2 é uma grande tolice, mas não necessariamente o tipo ruim de tolice. E por seus próprios padrões... Alundra 2 é bom. Quero dizer, é um jogo onde a revelação do grande vilão ao tirar a máscara... é que ele estava usando a mascara sobre cara que sempre apareceu de mascara!
Em vez de questões profundas e profundidade emocional, Alundra 2 busca patetice e eu diria que consegue. Você nunca está particularmente investido ou preocupado com seus personagens, mas eles te farão sorrir de vez em quando. Os eventos que você testemunhará não são exatamente inspiradores ou particularmente novos, mas são divertidos o suficiente e até bem humorados às vezes.
Tem uma cena em particular no jogo que me fez rir alto, aquela que mostra como o rei foi substituído sem ninguem notar e de que forma essa ilusão é mantida - basicamente se resume a um boneco de rei de madeira sentado no trono com um cara se escondendo atrás do trono, que, quando necessário, se estica para levantar o braço do rei de forma autoritária ou ajustar sua cabeça. Esse pouco de humor pateta é retratado com o momentum e a atitude certas, o que eu achei genuinamente engraçado.
O que eu quero dizer com isso é que enquanto não é ideal o jogo se chamar "Alundra 2" por motivo nenhum, eu posso relevar isso e apreciar o jogo pela grande tolice divertida que ele é. Eu realmente não guardo isso contra o jogo. O que é menos fácil de relevar, no entanto, é que ele não é um hack'n slash muito bom. Com controles melhores, gráficos que não parecessem pelo menos três anos datados e dungeons todas refeitas do zero... ou seja, eu descrevi refazer quase toda a mecanica do jogo... esse jogo mereceria um lugar melhor ao sol. Nota 6 pela intenção, 4 pela execução.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 143 (Setembro de 1999)