sábado, 15 de fevereiro de 2025

[#1401][Ago/2000] PAPER MARIO

No período entre 1994 e o começo dos anos 2000, a Squaresoft estava em um dos maiores streaks de sucesso da história dos videogames. Tudo que eles faziam, quando não era ouro puro ao menos era bastante interessante - como é o caso dos projetos mais experimentais que eles podiam se dar ao luxo de fazer, como LEGEND OF MANA.

Dentre os projetos dessa fase aurea da Squaresoft, um dos mais famosos é justamente um dos mais inusitados: SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars. A ideia de fazer um RPG do Mario pode parecer absurda a um primeiro momento, mas se você pensar bem... continua sendo absurdo. Quer dizer, não é como se o Mario tivesse sequer uma personalidade ou seu mundo tivesse uma lore mais complexa do que "um vilão do mal sequestra uma princesa por razão nenhuma que senão sequestrar princesas é algo que vilões fazem".

E ainda sim, naquela época a Squaresoft estava numa fase abençoada, tão especial que eles não apenas fizeram um RPG disso como deu magnificamente certo. Um dos jogos mais vendidos do ano de 1996 no Japão e nos Estados Unidos (um país sem tradição alguma no genero), topo das mais alugadas na Blockbuster... o sucesso comercial e crítico de SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars não pode ser medido em palavras. Ou pode, pq eu passei mais de 3000 palavras falando deste fodendo RPG na review de SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars.

Mas aquilo foi aquilo, aqueles foram os anos em que o Super Nintendo caiu em um blaze of glory e por melhor que tenha sido, passou. Agora estamos em 1999, e a Nintendo queria um Super Mario RPG 2 para Nintendo 64. Problema: a Squaresoft não queria.


Isso pq em 1999 a Squaresoft estava numa posição tão confortável no mercado e sua relação com a Sony era tão boa que eles podiam se dar ao luxo de mandar a Nintendo ir catar coquinho. Na era de ouro do Super Nintendo, qualquer desenvolvedora daria seu primogenito pela honra de fazer um jogo do Mario - a IP mais prestigiosa de toda indústria dos videogames. Entretanto aqui estamos nós, e a Square realmente dise para a Nintendo "nah, to de boa, precisa não".

A Nintendo, que então amargava pela primeira vez a estranha posição de ser a segunda colocada na indústria que ela mesma criou, não levou aquela rejeição na boa. Se a Squaresoft não faria o seu Mario RPG 2, então ela mesma o faria e para provar seu ponto trouxe as armas pesadas para a mesma - ela passou o caso para a Inteligent Systems mostrar com quantos paus se faz um RPG.


A Intelligent Systems é um estúdio auxiliar que trabalha junto com a Nintendo desde o inicio dos tempos - meio que literalmente, eles ajudaram no arcade do Mario de 83 (não o jogo de Nintendinho, o arcade competitivo que veio antes desse) e seu curriculo de serviços prestados para a Nintendo tem inúmeras pedradas selvagens: METROID, o port de SIM CITY para Super Nintendo (que é melhor que a versão original para PC), MARIO PAINT, além de terem criado a série de RPG Tático de estimação da Nintendo: Fire Emblem (que atualmente tem 857 personagens no SMASH BROS. de tão importante que ela é). Ou seja, Nintendo veio que veio rachando, colocou o projeto na mão dos melhores que ela tinha a disposição.

E isso é uma coisa que dá pra notar logo de cara, esse jogo URRA "padrão Nintendo de qualidade". A forma como tudo funciona bem, os efeitos sonoros muito satisfatórios usados que te viciam apenas pela sensação de recompensa dos sons, a escolha de cores maravilhosa, como os menus e UIs do jogo são tão cristalinos e crocantes, tão logo você liga o jogo ele joga na sua cara que você está diante do estado da arte do game design, a experiencia premium definitiva que costumamos esperar da Nintendo. Sério, eu não consigo estressar o suficiente sobre como toda a apresentação desse jogo é o ápice do que podemos esperar de um videogame.

Sai de baixo sem nem pra avisar, né o tartaruga arrombada XD

Graficamente, o jogo consegue ser uma sequencia de escolhas mais felizes ainda. Eu digo isso pq se alguma coisa, o SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars não era apenas um excelente RPG, como um dos jogos mais impressionantes visualmente da quarta geração. A escolha de usar fotos modelos 3D como sprites (a mesma técnica usada por jogos como KILLER INSTINCT e DONKEY KONG COUNTRY, algo muito dificil de fazer funcionar no hardware limitado do Super Nintendo) foi tõa incrível que qualquer continuação seria esperado ser pelo menos tão impressionante quanto.

O problema é o mesmo que a equipe de DONKEY KONG 64 teve: se eles usassem a mesma tecnica não seria impressionante (só ver o quanto YOSHI STORY é frequentemente esquecido), se tentassem fazer um jogo 3D normal não teria a mesma magia de "uau, não acredito que isso está rodando nesse videogame!" que marcou tanto o primeiro jogo.

A diferença é que a Rare em DONKEY KONG 64 não soube resolver esse problema (como eu expliquei naquela review), enquanto criatividade não era uma dificuldade para a Intelligent Systems, afinal (quer dizer, você já viu todas as loucuras que eles colocaram em MARIO PAINT?). Eles tiraram de letra essa sinuca de bico com uma solução muito elegante: papel.


Em Paper Mario, como o nome od jogo dá a sugerir, a Intelligent Systems teve uma sacada muito boa ao usar a engine 3D do jogo pra fazer com que os personagens pareçam feitos de papel. Os personagens são basicamente “figurinhas” 2D que sempre olham pra câmera, então parecem folhas de papel andando por aí. 

Isso quer dizer que os bonecos se aproveitam do tema de papel pra fazer umas interações geniais: o Mario se dobra pra passar por fendas, vira um tubo de papel pra rolar e se move como se fosse uma folha ao vento. Tudo isso acontece num cenário 3D, mas eles mantêm o visual 2D pra não quebrar a ilusão.


E pra completar, o jogo efeitos visuais como confete e rasgos no cenário, como se alguém estivesse brincando com um livro pop-up. O resultado é um jogo sem nada parecido na época onde você sente que está jogando um desenho animado. Se SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars impressionou todo mundo por fazer o Super Nintendo parecer gráficos mais poderosos do que era capaz de faze-lo, Paper Mario caiu o queixo de todo mundo com uma escolha de estilo de arte sem nada parecido no mercado - acho que a próxima vez que um jogo me pegou tão de surpresa com a sua direção de arte foi Ookami, dali a alguns bons anos pra frente.

SE A APRESENTAÇÃO DESSE JOGO TEM O PADRÃO NINTENDO DE QUALIDADE E SEUS GRÁFICOS CONSEGUEM RESOLVER O PARADOXO DE SAIR DA SOMBRA DO QUÃO IMPRESSIONANTE FOI O SEU ANTECESSOR, ESSE É UM DOS MAIORES JOGOS DO NINTENDO 64, CERTO?

Então... sobre isso... no papel sim (viram o que eu fiz aqui, papel, huh?), mas... tem um pequeno, minusculo, quase imperceptível probleminha. Coisa pouca, quase uma mera formalidade, mas eu suponho que eu precise dizer aqui... que é o fato que nem a Nintendo, nem a Intelligent Systems entendiam patavinas de fazer um RPG. Isso dá pra notar e meio que um problema aqui. Um que não é pequeno, eu temo.


O primeiro e mais gritante problema são os personagens — ou melhor dizendo, a falta deles. Cada um dos sidekicks de Mario é tão sem graça quanto uma tigela de mingau de aveia. Eles são apresentados com talvez duas linhas de diálogo que deveriam dar a eles alguma personalidade, mas é tudo o que você tem. Depois disso, eles existem apenas para serem usados ​​como ferramentas nas batalhas ou em puzzles, desprovidos de qualquer desenvolvimento ou charme. 

Isso é especialmente decepcionante quando você compara com SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars, onde a Squaresoft fez maravilhas ao dar até mesmo aos personagens mais básicos personalidades memoráveis ​​e seus próprios pequenos arcos de personagem. Não era literatura russa, mas era eficaz, charmoso e genuinamente engraçado. Aqui? Você vai esquecer a maioria dos nomes deles mesmo enquanto joga o jogo.


Não é só que eles são esquecíveis — é que eles são tão obviamente subutilizados. Cada sidekick é apresentado com uma pequena história de fundo ou peculiaridade, mas nada disso vai a lugar nenhum. Eles não têm arcos de personagem, nenhum momento de crescimento, nenhuma interação que os faça se sentir como verdadeiros companheiros na jornada de Mario. Eles são essencialmente ferramentas ambulantes com um rosto colado neles. É um downgrade chocante do Super Mario RPG, onde até mesmo um boneco senciente e uma nuvem com problemas de identidade conseguiram ser mais envolventes e memoráveis. Não é que Paper Mario precisasse ser uma obra-prima narrativa, mas quando seus personagens são tão vazios... existe um motivo pelo qual todo mundo pede Geno e Mallow em SMASH BROS., enquanto ninguém sequer lembra quem diabos é Watt.

VOCÊ NÃO ESTÁ PEGANDO UM POUCO PESADO DEMAIS COM O JOGO? QUER DIZER, OBVIAMENTE O OBJETIVO DA NINTENDO ERA FAZER UM RPG INTRODUTÓRIO PARA QUEM NUNCA JOGOU UM RPG NA VIDA, ENTÃO NÃO É MEIO ESPERADO ELE SER UM TANTO SIMPLISTA?

Eu não acho que esteja pegando pesado demais, Jorge. Isso pq assim como seu antecessor, SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars, Paper Mario foi projetado para ser acessível para novatos no gênero RPG, particularmente jogadores mais jovens. Fato. Entretanto, SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars se destacou justamente nisso ao manter seus personagens simples, mas incrivelmente divertidos, usando humor e charme para envolver os neófitos sem ser excessivamente simplista ou chato. Essa simplicidade foi sua força, ajudando a introduzir os jogadores (eu incluso) à mecânica dos RPGs de uma forma acessível, mantendo um elenco memorável.

Em comparação, Paper Mario também visa a acessibilidade, mas seus personagens parecem subutilizados em vez de charmosamente simples. A simplicidade dos sidekicks não é o problema em si, o problema está em como o jogo falha em usar essa simplicidade para criar interações memoráveis ​​ou cenas divertidas. Onde Super Mario RPG conseguiu equilibrar simplicidade com charme, Paper Mario luta para fazer o mesmo sem sucesso. A Nintendo é a toda poderosa Nintendo na indústria, mas no campo dos RPGs, a Nintendo é apenas uma estagiária perto da Squaresoft.

Mecanicamente, o jogo não se sai muito melhor. O sistema de badges é uma ideia legal no papel, permitindo que você personalize as habilidades de Mario em batalha. Você pode equipar badges para alterar seus ataques, aumentar seus atributos ou até mesmo dar a ele novas habilidades. Parece o setup para um sistema de batalha flexível e estratégico. Mas se você está esperando combos complexos ou sinergias inteligentes, não crie muitas esperanças. Isso não é FINAL FANTASY TACTICS, caramba, não é nem FINAL FANTASY 5. Há muito pouco espaço para experimentação, e a maioria das combinações de badgers parecem pequenas variações em vez de estratégias que mudam o jogo.


Aqui se aplica o mesmo que eu disse dos personagens: a verdadeira falha não está na sua simplicidade, mas na falta de profundidade estratégica ou espaço para experimentação. É perfeitamente possível fazer algo que seja acessível aos iniciantes ao mesmo tempo que dê material para quem quer afundar os dentes em alguma coisa trabalhar. Tanto é possível que toda franquia Pokémon construiu seu império com base nessa premissa, não é como se fosse exatamente um segredo do qual a Nintendo não estava ciente.

As batalhas em si são decepcionantemente superficiais. Não existe aleatoriedade nos numeros aqui, então você sabe exatamente quanto cada ataque vai tirar de dano e quando um inimigo vai morrer antes que você jogue o combate. Isso quer dizer que o que você faz contra todo e cada tipo de inimigo no jogo é exatamente a mesma coisa, você usa literalmente os mesmos ataques, os mesmos comandos porque os resultados são matemática pura. 

Entre cada capítulo, tem uma ceninha jogável mostrando o que a Peach está fazendo no castelo enquanto espera ser resgatada e o quão pateta Bowser e sua gangue são. Esses são os melhores momentos narrativos do jogo, de longe

Você então apenas encontra a combinação de badgers mais eficaz, repete os mesmos movimentos várias vezes e passa o carro por cima dos inimigos. A ideia basica do jogo é uma ideia legal, mas claramente está nas mãos de alguém que nunca fez um RPG na vida, e isso aparenta bastante. Não há incentivo para tentar coisas diferentes, o que é um problema em um jogo de vinte e tantas horas. Funciona, não me entendam errado, mas podia ter sido muito mais.

E essa é a verdadeira tragédia de Paper Mario — ele é quase uma obra-prima. Quase. O level design nas masmorras do jogo é estelar, tão bem trabalhado que daria um excelente action RPG. Os quebra-cabeças são inteligentes, a exploração é gratificante e os mundos são vibrantes e divertidos de navegar. Visualmente, o jogo é tão charmoso quanto charmoso se pode ser, com um estilo de arte de papel único que faz com que cada área pareça um livro pop-up ganhando vida. Mas a falta de experiência dos desenvolvedores com jRPGs o arrasta a experiencia um nível para baixo. Uma escrita um pouco mais caprichada e um sistema de badges mais interessante poderiam ter transformado isso em um jRPG lendário.

Assim como seu antecessor, todo o sistema de combate é baseado em timming de apertar o botão para aumentar ou diminuir o dano. A diferença é que cada ataque de cada sidekick tem suas próprias mecanicas do que apertar - e alguns detonam a já frágil alavanca do N64 sem piedade... né Bombette?

É frustrante porque você pode ver o potencial para algo realmente ótimo, mas nunca vai além do básico. Paper Mario é uma aula magistral em apresentação, sem dúvida. É charmoso, colorido e cheio daquele inconfundível polimento do padrão Nintendo de qualidade. Mas por baixo de todo esse estilo, não tem muita substância sustentando tudo isso. O mundo parece um livro de histórias que ganhou vida, mas a história em si é fina como papel. 

Eu genuinamente espero que a sequência - The Thousand Year Door, para Gamecube - possa corresponder ao potencial que essa nova franquia tem. Por enquanto, Paper Mario continua sendo um conto lindamente trabalhado que é um pouco bidimensional demais... pq, entenderam, papel, bidimensional, hã? Hã? 

Eu sou o mestre do humor mesmo, não tem jeito.

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