terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

[#1399][Nov/2000] TALES OF ETERNIA (ou "Tales of Destiny 2" nos EUA)


Eu vou ser bem sincero com vocês: eu já joguei alguns jogos da série "Tales of" a essa altura dos acontecimentos, e me permitam dizer que eu não sou o maior fã da coisa toda. Eu já desenvolvi isso duas vezes nos textos de TALES OF PHANTASIA e TALES OF DESTINYmas a ideia geral da coisa é que não é que eu odeie a franquia, apenas... bem, eles são o fast food dos jRPGs. 

Se você está com fome e quer algo que preencha todos os requisitos básicos para você não desmaiar de inanição no chão, coloque no micro-ondas, coma seu hambúrguer requentado de dez pila e saia satisfeito — então sim, nesse aspecto, "Tales Of" faz o trabalho. Porém se você quer mais do que apenas matar a fome básica por um jRPG... então talvez você tenha mais sorte procurando em outro lugar.

Dificilmente você vai se lembrar de um "Tales Of" como uma experiência transformadora. Você não vai contar aos seus netos sobre a vez em que jogou "Tales of Xillia" e teve uma revelação profunda e existencial. Não, porque os jogos "Tales Of" são o epítome dos jRPGs seguros e produzidos em massa. Eles não são ruins, mas também raramente — ou nunca — aspiram ser mais do que isso.

Agora que você entende meus sentimentos a respeito da franquia, suponho que faça um pouco mais de sentido quando eu dizer quando comecei Tales of Eternia (ou "Tales of Destiny 2", como foi lançado nos EUA... o que se provou um nome meio infeliz pq alem de não ter relação nenhuma, em 2002 foi lançado um "Tales of Destiny 2" para PS2 exclusivamente no Japão que é de facto a continuação de TALES OF DESTINY), esperava outra aventura genérica. No entanto, quando estava eu esperando uma experiencia modorrenta, eis que então uma luz radiante cegou meus olhos. E foi lindo.


Poderia ser? Um "Tales Of" que realmente tinha uma premissa interessante? Um cenário único? Personagens com os quais eu realmente me importava? Seria esse o jogo prometido, profetizado nas lendas? Estava realmente acontecendo? Mas então vamos começar pelo começo: quem deixou colocarem um cenário realmente interessante no meu "Tales Of"?!

Eternia se passa em um mundo dividido em duas metades opostas: Inferia e Celestia. Os dois reinos ficam literalmente um em cima do outro: quem está em Inferia olha pra cima e vê um continente de cabeça pra baixo no céu, quem está em Celestia pode olhar para cima - e se tiver um telescópio muito bom - ver as pessoas de Inferia vivendo suas vidas. 


Mas mais do que isso, em Inferia eles vivem em um mundo mais tradicional, de inspiração medieval, enquanto os celestianos, vistos como estranhos perigosos, tem sua própria cultura e tecnologia únicas. Devido à uma barreira, ambas as civilizações vivem isoladas, fomentando medo, preconceito e mal-entendidos entre elas.

Então essa é uma configuração mais envolvente do que o seu bullshit genérico de reinos que "Tales Of" se acostumou a jogar tão seguro. Há um verdadeiro senso de mistério aqui, por que o mundo tem essa geografia bizarra que desafia a fisica? Como se dará o choque cultural quando celestianos e inferianos se encontrarem e descobrirem que as pessoas do outro lado não são monstros cinzas que comem bebês ou qualquer que seja o bullshit que se espalha por aí? Eternia realmente brinca com essa divisão de uma forma significativa no início do jogo.

Mas calma que melhora porque quando você ainda está se acostumando com o cenário, algo incrível acontece: Meredy cai do céu. Literalmente. Uma garota de Celestia simplesmente cai em Inferia, falando uma língua completamente diferente que nosso protagonista, Reid, e sua amiga de infância, Farah, não conseguem entender.

E é aqui que Tales of Eternia faz algo que poucos jRPGs tentam: ele realmente reconhece a existência de uma barreira linguística. Espera, eles podem fazer isso em jRPG? Eu acho que só lembro de Aselia The Eternal (e sim, eu jogo as coisas que eu faço referencias obscuras, eu sou descolado desse jeito) tentando algo parecido, mas o ponto é que Reid e Farah não entendem Meredy magicamente através do poder da amizade de anime, eles realmente passam uma parte significativa do início do jogo viajando para encontrar uma forma de tentar entender quem essa garota é, o que ela quer e como se comunicar com ela.

Isso foi... não vou mentir, revigorante. Em vez de se apressar em te enfiar uma missão genérica de "salvar o mundo" (não que você não tenha que salvar o mundo, Meredy veio avisar que o continente no céu está caindo e vai haver um grande badaboom, como diria THE FIFTH ELEMENT), o jogo se concentra na comunicação e conexão humanas básicas. É um pequeno toque, mas incrivelmente raro em um gênero onde pessoas de planetas diferentes geralmente falam inglês perfeito por conveniência.


Falando em Meredy, não posso enfatizar isso o suficiente: ela é um tesouro absoluto. Tales of Eternia é um dos raros RPGs de PS1 que é bastante dublado (eu diria que uns 70% das cutscenes são dubladas, o que é sem precedentes para a época) e a dublagem da Meredy é pura magia.

Ela começa falando inteiramente em celestiano, e quando começa a aprender inferiano, sua fala quebrada e com forte sotaque é a coisa mais preciosa que já ouvi em um videogame em mais de trinta anos nessa indústria vital. Ela parece genuinamente alguém lutando com um novo idioma, e isso adiciona muito charme à sua personagem. Sua dubladora (que infelizmente não é creditada) oferece uma performance que é adorável e repleta de vida, o que é algo que você NUNCA espera de uma dublagem de videogame do início dos anos 2000. Seu bordão "You bet!" é adoravel não apenas por causa da voz fofa de Meredy, mas pq faz sentido para alguém que está lutando com um vocabulário extremamente limitado

Tales of Eternia foi o primeiro "Tales of" a ganhar um anime shovelware feito de qualquer modo apenas para promover o jogo - uma tradição que se tornaria uma marca registrada da franquia por um tempo

Para complementar a voz adorável de Meredy, Tales of Eternia é apresentado em uma pixel art chocolatante de linda. Claro, não são níveis BREATH OF FIRE 4 de impressionantes, mas considerando que este é um "Tales Of" — uma série que sempre ficou uma geração atrás em gráficos — esta é provavelmente uma das entradas mais bonitas do PS1. Os ambientes são coloridos, os sprites dos personagens são expressivos e há uma atenção aos detalhes que faz o mundo parecer vivo. Não é de cair o queixo, mas é esteticamente agradável e claramente feito com amor.

Mecanicamente, se você já jogou algum jogo "Tales Of", sabe como funciona: batalhas em tempo real, arenas de rolagem lateral, cada botão do controle pode ser configurado para uma tecnica diferente, enxaguar e repetir. No entanto, Eternia na verdade melhora seus antecessores ao tornar o combate mais rápido e fluido. O jogo introduz mecânicas de corrida livre e um sistema de combos mais suave, tornando as batalhas menos desajeitadas do que as entradas anteriores. Ainda não é inovador, mas é facilmente o melhor combate em um "Tales Of" até aquele ponto.

Nesse ponto, eu estava em choque. Será que Tales of Eternia poderia realmente ser o primeiro grande jogo "Tales Of"? Com gráficos caprichados, um combate fluído, uma história interessante e a personagem mais adorável-dá-vontade-de-morder da história dos jRPGs, seria Tales of Eternia finalmente o lendário excelente "Tales of" da profecia?


Não. Claro que não. A felicidade é uma utopia e a vida é desapontamento. 

O primeiro disco termina com nossos heróis encontrando uma forma de fazer a travessia de Inferia para Celestia, porém tão logo o Disco 2 começa, o jogo é sugado de volta na mediocridade da franquia. A situação única de Meredy? Já está mais ou menos resolvida a esse ponto e o grupo consegue se comunicar em celestiano normalmente (embora Meredy continue com seu inglês quebrado, o que é fofo, mas não faz nenhum sentido mais). A divisão cultural Inferia-Celestia? É reduzida a no máximo algum NPC fazer um comentário aqui e acolá, mas majoritariamente desaparece no cenário. O take pessoal de cada personagem na jornada? Substituída por uma missão genérica de "encontre os seis plot devices".

A segunda metade do jogo é uma checklist de tropos de RPG sem inspiração. Você vai de reunir seis Craymels elementais (porque é claro que vai) para enfrentar um vilão que quer destruir o mundo porque ele é um deus da destruição maligno do mal que odeia o bem e destruir o mundo é exatamente isso que ele faz. Até as masmorras começam a parecer menos inspiradas, dependendo muito de layouts repetitivos e sem graça. O ritmo sofre um golpe, e o jogo muda de uma aventura com charme e intriga para uma jornada cheia de reviravoltas previsíveis. Os personagens, antes promissores, são roubados de qualquer desenvolvimento significativo.

As opções das customizações do comportamento dos seus aliados de IA são as melhores da série até aqui, isso tem que ser dado a eles

e no primeiro disco o jogo tenta dar motivações críveis para os personagens (nosso protagonista Reid, por exemplo, é muito relutante com essa coisa de "tentar salvar o mundo" pq ele é só um cara de uma vilazinha, não é melhor eles só avisarem o rei que tem exércitos e gente preparada pra isso?), vira para... não muita coisa realmente. Tem uma missão, algumas falas genéricas, enxagua e manda bala. Se no começo do jogo a caracterização dos NPCs se esforça tanto ao ponto de que seus heróis são discriminados na capital pq se vestem como habitantes de vilazinha do interior (o que nossos heróis são, e é impressionante um jRPG considerar essa discriminação), demonstrando nuances sociais raras no gênero, na segunda metade Celestia vira só um cenário de fundo sem impacto narrativo real.

Existem bem bem mais exemplos disso, mas meu ponto é que o jogo volta a ser o fast-food jRPG que a série sempre foi conhecida por ser e embora não seja ruim, lá pela quarta dungeon temática elemental seguida sem nenhum avanço significativo dos personagens ou daquele mundo, a dor do potencial desperdiçado do que esse "Tales Of" poderia ter sido é quase física. Ainda tem alguma cena aqui e acolá com mais esforço humano (quase sempre envolvendo Meredy), mas majoritariamente é o seu bullshit de anime genérico e é o que tem pra janta.

Tales of Eternia poderia ter sido o primeiro "Tales Of" realmente ótimo. Ele tinha um cenário único, uma premissa envolvente, uma heroína principal maravilhosa e o melhor combate da série na época. Mas no final, não conseguiu escapar da atração gravitacional que a mediocridade exerce sobre "Tales Of".

Ele não faz nada particularmente errado, e não vou dizer que ele não te dá toneladas de conteúdo adicional na forma de sidequests, chefes secretos realmente dificeis e minigames, mas no fim do dia desperdiça seu potencial ao se transformar em mais um RPG seguro, sem inspiração e com gosto de episódio filler de anime. Ele nunca se compromete totalmente com suas ideias mais interessantes e, no final, é apenas mais um jogo "Tales Of".


Mais uma vez, não é uma experiencia ruim e nem é um jogo terrivelmente longo ou arrastado (~35 horas para um jRPG está bem aceitável), eu realmente apenas queria que tivesse tido coragem de ser mais que isso. Meredy certamente merecia mais. Seyfert abençoe essa coisa preciosa.

Nota: 7,5 Baibas de 10

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 157 (Novembro de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 090 (Setembro de 2001)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 043 (Agosto de 1999)


EDIÇÃO 046 (Dezembro de 1999)