domingo, 23 de fevereiro de 2025

[#1407][Ago/2000] SPIDER-MAN

Estamos em agosto de 2000. O recém-lançado PlayStation 2 é o sonho molhado de meninos e meninas por toda a nação, as boy bands dominam as paradas musicais, o World Trade Center  é o símbolo imponente da economia americana, e os jogos de super-heróis… bem, digamos que não estão exatamente ganhando prêmios.

No lado positivo, empresas como LJN e Ocean já largaram o filão dos jogos licenciados — pela graça de Arceus. Mas então existem aberrações como SUPERMAN: The New Superman Adventures para provar que o fundo do poço sempre tem alçapão.

Por isso mesmo, quando a Neversoft anunciou que faria um jogo do Amigão da Vizinhança, minha empolgação não foi exatamente o que eu chamaria de estelar. Afinal, estamos falando dos caras responsáveis por APOCALYPSE e TONY HAWK PRO SKATER - dois jogos que não exatamente dão qualquer experiencia que pode ser usada num jogo do Miranha. Oh boy, esse vai ser um dia daquele, não vai?


Mas então, de repente, não mais que de repente, eis que a Neversoft de alguma forma conseguiu pegar a engine de TONY HAWK PRO SKATER — projetada para manobras radicais em alta velocidade — e aplica isso ao ato de balançar em teias, escalar paredes e socar vilões na fuça. Huh. Taí algo que eu definitivamente não vi chegando. E não é que adaptar essa engine para o jogo do Cabeça de Teia funcionou incrivelmente bem? Mais do que bem, na verdade. Mas suponho que eu precise começar do começo para explicar o que, exatamente, é o jogo do Miranha para o PS1.

A primeira coisa a entender é que a Neversoft não fez apenas um jogo do Homem-Aranha. Não. Eles fizeram uma carta de amor para os fãs do herói. A história, escrita por John Vogel, é o puro suco de uma aventura clássica do Miranha: ele foi incriminado por um crime que não cometeu, então a cidade inteira está atrás dele. Mary Jane raptada, cientistas malucos, experimentos roubados e uma galeria de vilões se unindo para arruinar o dia de Peter Parker. Doutor Octopus, Venom, Carnificina, Mysterio, Escorpião— você sabe, a galera toda está aqui. Apenas mais uma terça-feira comum para o nosso Amigão da Vizinhança.


Porém a cereja do bolo é o próprio Stan Lee. O homem em pessoa narra o jogo, e ouvir "Excelsior, true believers!" com a sua iconica voz anasalada é como um abraço quente depois de uma jornada de 18 horas de trabalho. Na verdade, o jogo utiliza na dublagem todo o elenco do desenho Spider-Man Unlimited - que era o que estava no ar naquela época. Mas meu ponto é que a Neversoft não só respeita o material original—eles o veneraram. E em uma época em que os jogos licenciados eram muitas vezes caça-níqueis (cof SUPERMAN: The New Superman Adventures cof), isso é nada menos que um milagre.

E quando eu digo que o jogo é apinhado de referências, não estou exagerando. Ele transborda de detalhes que só alguém que fez o dever de casa colocaria para os fãs mais hardcore. Qualquer um pensaria em incluir uma revista em quadrinhos colecionavel numa fase para desbloquear o uniforme negro do Homem-Aranha. Isso é básico, duh. Agora, permitir que o jogador desbloqueie o uniforme improvisado que Peter pegou emprestado com o Quarteto Fantástico, completado com um saco de pão na cabeça, como na edição #258 de Amazing Spider-Man? Isso, meu amigo... isso é um trabalho de fã de verdade!

E os uniformes desbloqueaveis não são apenas estéticos, cada um tem características únicas tematicamente apropriadas. O uniforme do Bombastic Bag-Man aí, por exemplo, pode carregar apenas dois cartuchos de teia (um em cada pulso) já que é um uniforme improvisado!

A relação de conteúdo desbloqueavel é enorme: bios dos personagens, artes conceituais, um monte de uniformes, tudo com o contexto e onde aparece direitinho, até códigos que permitem jogar com outros personagens. Quer balançar por aí como Stan Lee? Pode. Quer jogar com uma versão estranha e de peitões poligonais da Mary Jane? Eu não estou aqui para julgar. 

A coisa toda lembra muito aqueles jogos que na verdade são mais um item de colecionador do que um jogo feito para ser bom realmente (sim, ULTRAMAN TIGA & ULTRAMAN DYNA: Aratanaru Futatsu no Hikari, estou olhando pra você). Só que, veja bem, aqui isso tudo vem num jogo que já é excelente por si próprio. Olha só que conceito revolucionário!



Mecanicamente, Spider-Man é, no fundo, um hack-and-slash. Você soca, você chuta, você prende bandidos na parede com teia. Não é exatamente Devil May Cry 5, mas é ridiculamente divertido. A Neversoft entendeu que o Homem-Aranha não é só sobre lutar—é sobre estilo. Você pode dar piruetas no ar, andar pelo teto e pelas paredes, balançar pelos cenários como um lunático acrobata... e sim, pode até usar inimigos como armas improvisadas. Porque não, né?

Claro, olhando com os olhos cínicos de 2025, Spider-Man pode parecer um pouco simples, com cenários vazios e mecânicas limitadas. Mas a Neversoft fez algo crucial: focou seus recursos limitados do PlayStation em fazer você se sentir o Homem-Aranha. E nisso, eles acertaram em cheio. Você é leve, ágil, e cada golpe tem aquele dinamismo que faz parecer que você saiu direto de uma página da Ameaça Aracnídea.


O balanço nas teias, embora primitivo pelos padrões de hoje, foi revolucionário para a época. Ok, você não podia fazer curvas, e suas teias grudavam em nuvens (vai saber), mas a sensação de balançar por Nova York ainda era incrível. E tem também a escalada em paredes—um pouco travada, mas surpreendentemente natural dentro do jogo. A forma como a Neversoft integrou o movimento no ambiente 3D, permitindo alternar entre correr pelo chão e andar nas paredes, faz parecer que estamos jogando em algo muito mais poderoso do que um console com míseros 1MB de RAM.

E claro, a Neversoft fez lá seus truques técnicos (e mágicos) para deixar tudo mais fluido do que realmente era. Muitas das mecânicas são simples quando você para para analisar, mas a execução faz com que pareçam espetaculares. Mas quer saber? Eu não vou reclamar de truques técnicos quando posso escalar um arranha-céu desviando de mísseis. É isso que eu espero de um jogo do Homem-Aranha, e foi exatamente isso que eles me entregaram.


Então, aqui está o ponto de tudo isso: Spider-Man não é apenas um jogo feito por quem estudou o personagem. Ele foi escrito por quem entende a essência do herói, sua ação é perfeita para o que o Miranha deveria fazer, e está recheado de colecionáveis que mostram um carinho genuíno pelo material original. Tudo isso já seria suficiente para torná-lo um grande jogo. Mas Spider-Man não é "apenas" um grande jogo. Ele é muito mais do que isso.

O que eu quero dizer com isso é que a Neversoft não só fez um ótimo jogo do Homem-Aranha—eles criaram o modelo para jogos de super-heróis. Antes dele, ninguém sabia muito bem o que fazer com o gênero. Seria um jogo de plataforma? De luta? Um beat 'em up? Um protótipo inacabado onde você voa por anéis? Todo mundo tentou um pouco de tudo, mas quase ninguém acertou de verdade.


Então a Neversoft chegou e disse: “Ó, prestenção, o pai vai ensinar como faz! Primeira coisa: vamos fazer um jogo onde você sinta que é o Homem-Aranha. Segunda coisa: garantir que a primeira coisa funciona”. Isso pode parecer simples hoje, mas então não é como se alguém realmente tivesse acertado nisso até então.

Tanto é que se você avançar para os dias de hoje, vai poder ver a influência da Neversoft em todo lugar. Batman: Arkham Asylum? Basicamente, Spider-Man com uma capa. Marvel's Spider-Man (2018)? É Spider-Man com um orçamento maior e gráficos mais bonitos. A fórmula é simples: hack'n slash como base, foque nas habilidades únicas do herói, misture um pouco de exploração, e polvilhe com uma tonelada de fan service. Novamente, parece óbvio agora, mas em 2000, a Neversoft era basicamente o Vasco da Gama indo audaciosamente nenhum navegador português jamais havia ido.


Spider-Man de 2000 não é apenas um ótimo jogo—é um artefato cultural. É um lembrete de uma época em que os desenvolvedores realmente se importavam com jogos licenciados, e em que a voz do Stan Lee podia fazer até o diálogo mais brega soar épico. Claro, os gráficos são quadradões, a câmera meio que te odeia e o balanço nas teias é um pouco irresponsivo. Mas nada disso individualmente importa porque a Neversoft cortou um dobrado para o conjunto da obra ser divertido e que você sentisse "uhuu, eu sou o Miranha!".

Esse não é apenas UM jogo do Homem-Aranha—eles é Ô jogo do Homem-Aranha. E, ao fazer isso, eles estabeleceram o padrão para todos os jogos de super-herói que vieram depois. Então, da próxima vez que você estiver salvando a galáxia com o Senhor das Estrelas em Guardians of the Galaxy ou batendo em bandidos em Batman: Arkham, tire um momento para agradecer à Neversoft. Eles não fizeram apenas um jogo—eles fizeram história.

Nota Final: 9/10. Uma obra-prima cheia de teias, escaladas e socos em vilões que ainda se sustenta hoje. Excelsior, true believers!

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