quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

[#1398][Dez/1999] LEGEND OF DRAGOON

Não é exatamente o segredo perdido da computação quantica o fato que, no Japão dos anos 90, um videogame vivia e morria por quão bons eram os seus RPGs. Um fato totalmente quantificado pela Sony, que investiu um bom dinheiro em estúdios secundários para que lhes desses RPGs exclusivos como BEYOND THE BEYONDARC THE LAD e WILD ARMS. E, como você pode ver pelos nomes, nenhum desses gerou franquias insanamente populares que plenamente satisfizeram os executivos da Sony.

Verdade que alguns desses jogos ganharam continuações MUITO melhores que os originais, como WILD ARMS 2 ou ARC THE LAD 2, ainda não era o que a Sony queria. Eles queriam algo nível Final Fantasy, algo nível Dragon Quest, só que SEU. O que, naturalmente, levou a Sony a adotar outra abordagem:


Assim, a Sony abriu a guaiaca e despejou mais de 15 milhões de dolares (um valor impressionante para a época) na Legenda do Dragoneiro!O resultado foi um jogo com um orçamento impressionante, visuais deslumbrantes e um conceito intrigante. No entanto, apesar dessas qualidades, Legend of Dragoon tem... questões na sua execução, que é o que veremos a seguir.


Eu vou ser bem sincero com vocês: LoD não tem um começo que se dê pra chamar de "estelar". Começa que a trama não é particularmente inovadora: depois de viajar 5 anos pelo mundo caçando o "Monstro Negro", a criatura que destruiu a sua vila, nosso herói Dart volta a vila que o adotou após a catastrofe... apenas para descobrir que ela está sendo destruída também. Caramba, tu é zicado mesmo, heim Dardão...

Porém os motivos são bem mais simples pra quem já jogou um RPG na vida: um overlord do mal que odeia o bem precisa coletar poderosos artefatos e sacrificar a "Criança da Lua" para ressuscitar um deus da destruição - e obviamente que esse sacrificio é o interesse romantico do nosso herói. Essa premissa parece pouco inspirada no começo, mas após algumas horas de jogo... ainda parece que está no começo. 


A quest principal frequentemente é composta de fillers e sidequests bem triviais que carecem de um senso de propósito maior. O jogador chega numa vila e precisa buscar  um antídoto lá na caixaprego para um aldeão envenenado que mal conhece, ou se enfia a explorar masmorras por razões que parecem desconectadas da trama central. Além disso, a forma como os membros do grupo se juntam à equipe também tem muita da energia aleatória de CHRONO CROSS, pq a maioria deles simplesmente decide seguir o protagonista por não ter nada melhor para fazer.

Esse começo BEM fraco e genérico é um grande problema em LoD, e não é um pequeno. Em uma época em que os RPGs estavam se tornando cada vez mais ambiciosos em suas narrativas (só ver que no mesmo mês saiu VALKYRIE PROFILE), Legend of Dragoon tem muita dificuldade em estabelecer um gancho envolvente logo no início. O que é incoerente, porque se você pesquisar sobre o jogo vai ver várias opiniões sobre o quanto esse jogo é significativo pra muita gente e como o seu final é wholesome.

Então o que acontece aqui, exatamente? Bem, o que acontece é que, como muitas coisas na vida, aqueles persistem são recompensados com uma experiência muito mais interessante mais adiante no jogo. Hmm, pensando bem, não, na real isso é bem raro de acontecer e é muito dificil um jogo que começa bem marromenos dar uma guinda pra cima. Felizmente, esse é o caso aqui.

Lá pela metade do Disco 2—aproximadamente 20+ horas de jogo— é que Legend of Dragoon começa a realmente brilhar. Os personagens recebem mais cutscenes e dialogos para um desenvolvimento muito necessário, permitindo que os jogadores se conectem mais profundamente com eles. Ao mesmo tempo, o jogo gradualmente revela que sua mitologia é mais complexa do que parecia inicialmente, dando indicios que as lendas e relatos históricos que antes eram tomados como verdade absoluta... não foram beeeeeem assim que aconteceram. Essa combinação de uma narrativa focada nos personagens com um mundo mais profundo e rico eleva significativamente a experiência.


Essa mudança de qualidade me lembra o que fez LUNAR: The Silver Star Story funcionar tão bem. Não que os personagens fujam muito dos tropes de anime, mas aqui e ali são salpicados pitadas de humanidade ou apenas momentos divertidos com eles sendo apenas eles mesmos. 

Uma vez que você os conhece melhor, os membros do grupo são um bando realmente gostável, cheios de personalidade e divertidos de se ver na tela. Meru era minha favorita porque ela supostamente é membro de uma raça nobre isolada, parecida com elfos... mas na verdade ela é uma pirralha cheia de energia, praticamente um tropo de garota genki de anime. Isso é inesperado! 

Albert é um rei nobre... mas na verdade ele é um nerd do caramba, o que faz a cutscene que ele tenta cortejar a princesa de um reino que nossos heróis acabam envolvidos absolutamente maravilhinda. Desde FINAL FANTASY 6 eu  digo que um RPG tem que tirar um momento para deixar os personagens respirarem fora da aventura, mostrar quem eles são enquanto pessoas e não apenas ferramentas do plot. E se um RPG de 1994 de Super Nintendo com 14 personagens em 20mb consegue, não tem desculpa pra um jogo de 1999 não conseguir também.

Felizmente LoD passa nesse teste todo o elenco funciona assim, todo mundo tem alguma caracterização que faz você se importar com eles (especialmente as cenas do Kongol, as cenas do giganto do grupo são puro ouro) e assim ninguém é realmente chato... exceto Miranda, mas ela se junta apenas bem mais tarde de qualquer maneira. E o MC, mas isso é um dado adquirido em um jRPG naquela época, eu suponho...

Conforme os personagens se tornam mais humanos, e os jogadores ficando mais investidos torna os desenvolvimentos da trama mais interessantes. Por exemplo, a identidade do que é o "Monstro Negro" e sua história trágica se tornam bem mais interessantes quando você se importa com os personagens, você fica interessado quando recebe pistas de quem ele é na reação de um NPC e coisas assim. 

O meu ponto aqui é que quando a história finalmente decola, fica claro que Legend of Dragoon tinha o potencial de ser algo realmente grandioso...  se apenas seus melhores elementos não tivessem sido arrastados para baixo por problemas de design bem sérios - mas já chegaremos a isso.

Do ponto de vista visual, Legend of Dragoon é inegavelmente impressionante. O grande orçamento do jogo se reflete em seus ambientes belamente elaborados, paisagens variadas e detalhes intrincados. As diferentes áreas espalhadas pelo mundo parecem distintas e memoráveis, frequentemente povoadas por NPCs peculiares que adicionam charme e profundidade ao cenário.

Os designs dos personagens também são impressionantes. Cada membro do grupo tem uma aparência única (e com certeza o visual da Rose é a coisa mais iconica do jogo), mas um dos aspectos mais marcantes é a representação dos dragões. Em vez dos tradicionais répteis espinhosos, o jogo os apresenta como criaturas monstruosas e de outro mundo, mais parecidas com seres de um universo sci-fi do que com feras típicas da fantasia. O "Divine Dragon", por exemplo, quebra suas expectativas ao se parecer mais com uma entidade lovecraftiana do que com uma figura angelical, uma subversão brilhante do nome.

Esse é o "Dragão Divino", meusa migos

O sistema de batalha em Legend of Dragoon é... onde começamos a falar de coisas não tão maneiras, eu suponho. Embora as animações chamativas e as transformações em Dragoon sejam visualmente espetaculares, as mecânicas em si apresentam alguns elementos bem frustrantes.

A grande mecanica diferencial do jogo são os Dragoons do título, que é quando você enche a barra de SP e pode se transformar numa vibe de Super Sentai. Quando transformados, os personagens ganham acesso a combos ou magias (que não podem ser lançadas de outra forma). 

No entanto, o modo Dragoon tem limitações—não é possível defender, passar um turno ou reverter a transformação à vontade, o que torna o timing de ativação crucial. A necessidade de acumular SP através de ataques normais antes de se transformar adiciona uma camada de planejamento às batalhas.

Curiosamente, esse é um raro RPG em que defender não apenas reduz o dano, mas também restaura 10% do HP e evita efeitos negativos. Isso torna esse o único RPG que eu lembro de realmente o comando de defesa, taí algo estranho pelo qual eu lembrarei desse jogo.

Não é só nos jogos com nomes customizaveis que eu não tenho maturidade pra lidar


No entanto, a outra inovação no sistema de combate - além da mecanica de Dragoons - é algo que eu vou lembrar com bem menos carinho: o sistema de Additions —onde os jogadores precisam pressionar botões no momento certo para maximizar o dano — que é uma mecânica... que eu não realmente amo, não vou mentir. Ao contrário de jogos como SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars, onde os ataques cronometrados são um bônus opcional, Legend of Dragoon constrói todo o seu sistema de combate e o balanceamento do jogo em cima deles. 

À medida que o jogo avança, as Additions se tornam cada vez mais complexas, exigindo tempos de reação mais precisos ou múltiplas entradas consecutivas. Isso se torna cansativo bem rápido, especialmente dada a quantidade de grinding que esse jogo exige.

Não é exagero, 100 de EXP dividido pelos três bonecos... sendo que eles precisam de quase mil pra subir de nível. Isso no começo, mais pra frente ficar pior ainda

E esse é o principal problema do jogo pra mim: o sistema de experiência. Inimigos comuns fornecem uma quantidade ridícula de EXP, com a maioria das batalhas rendendo apenas 30-100 EXP quando são necessários milhares para subir de nível. As batalhas contra chefes são a principal fonte de experiência significativa, o que significa que personagens que não participam dessas lutas ficam para trás (e você só pode ter três na party dos 7 personagens, sendo que 1 é obrigatório ser o protagonista). 

Como o jogo exige que todos os personagens sejam usados em determinados momentos, o grind se torna inevitável e extremamente cansativo porque aparentemente ninguém viu que farmar DEZ MIL de EXP em lutas que dão 30 de EXP de cada vez... ô Sony, me ajuda a te ajudar! Além disso, maximizar as Additions exige 80 usos bem-sucedidos, o que você obviamente não vai acertar todos, e combinado com o ritmo já lento das batalhas faz com que as lutas se tornem algumas dezenas de horas bem pouco felizes da sua vida.


Falando ainda em problemas, temos que falar também de outra coisa que assola Legend of Dragoon... que é sua tradução. A localização em inglês é... troncha, para dizer o mínimo, frequentemente tornando os diálogos em coisas estranhas ou difíceis de entender. 

Em vez de simplesmente ler a história, o jogador passam boa parte da experiencia tentando adivinhar o que realmente foi dito. Considerando o esforço colocado na produção do jogo, é decepcionante que o roteiro não tenha recebido o mesmo nível de atenção.

Miranda, vai pra casa, vc esta muito doida (ou a tradução que esta mais louca que o Bátima de triciclo)
.

A trilha sonora não chega a ser ruim, mas Nobuo Uematsu nos deixou mal acostumados a esse pnto com as pedradas que ele compõe para Final Fantasy - fazendo a música de Legend of Dragoon parecer sem inspiração e genérica. Mas então, você pode contar nos dedos os RPGs dessa época que não sofriam dessa comparação desleal.

No final das contas, Legend of Dragoon é um jogo cheio de ideias fascinantes,  apresentação impressionante e que tem o coração no lugar certo, mas... várias coisas precisariam ser revistas para esse jogo ser uma verdadeira obra prima. O quanto demora pra engrenar, mecânicas tediosas, sistema de EXP pavoroso e um sistema de inventário terrível são coisas que arrastam para baixo um mundo, personagens e mitologia cativantes.


Ah sim, eu estava esquecendo de falar do sistema de inventário pq minha mente bloqueou a memória para evitar trauma a longo prazo. Basta dizer que, por alguma razão, você tem 255 slots para equipamentos... e apenas 32 para itens consumíveis.

Imagino que o jogo pretendia incentivar o uso de consumíveis sem abuso, mas o resultado é que metade do tempo gasto em uma dungeon é jogando coisas fora apenas para abrir baús e descobrir o que tem dentro - porque, novamente, você tem apenas TRINTA E DOIS slots de itens consumíveis NÃO STACKAVEIS. Então não são 32 pilhas de item de cura x 99, são 32 itens de cura e deu. E itens de cura de status... em um jogo que não tem magias de cura, cabe lembrar, pq vc só casta na forma de Dragoon. G-ZuZ, não era pra ser tão dificil assim, sabe?

E isso que eu nem entrei no mérito da POUTA BURROCRACIA que é vender itens, pq vc só pode vender UM POR UM e o inventário fecha e volta pro começo CADA VEZ

Mas enfim, onde eu estava? Ah sim, eu dizia que em sua essência, Legend of Dragoon é uma experiência que funciona por sua história e apresentação, porque a jogabilidade passa o tempo todo te irritando com pequenas coisinhas. Não é nada catastroficamente ruim, são apenas beliscõezinhos permanentes para garantir que você nunca esteja 100% se divertindo.

O que faz desse um título que se beneficiaria e muito de um remake moderno — um que reduzisse a grinding, refinasse a mecânica, desse uma revisada na tradução e resolvesse o inventário... ou seja, refizesse quase toda a parte mecanica do jogo para essa ser uma experiência mais suave. Se fizesse um jogo quase do zero mas mantendo os personagens e o cenário, um remake poderia transformar Legend of Dragoon no RPG lendário que tem o potencia para ser enterrado em algum lugar.

Nota: 7 stardusts de 10

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 150 (Abril de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 072 (Março de 2000)


EDIÇÃO 077 (Agosto de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 043 (Agosto de 1999)


EDIÇÃO 045 (Outubro de 1999)


EDIÇÃO 058 (Março de 2000 - Semana 4)