Antes de começarmos os trabalhos de hoje, tem uma coisa que eu preciso esclarecer: Maken X NÃO é um spin-off de Shin Megami Tensei. Eu sei, eu sei. A internet adora se referir a esse jogo como um primo estranho de SMT (mais estranho que SMT já, diga-se de passagem), mas eu vou ser bem claro: não tem nada — absolutamente nada — no jogo, no manual ou mesmo no press release que sugira que ele faça parte do multiverso SMT. Sem demônios para recrutar, sem sistema de alinhamento lei/caos e absolutamente nenhum debate filosófico criptografado entre um anjo falante e um Lúcifer punk rock.
Sim, é um jogo da Atlus. Sim, ele compartilha aquele estilo de arte distinto de Kazuma Kaneko dos anos 90. Mas não é exatamente você usar o mesmo artista e ter um character design parecido, não é? Seja como for, Maken X é sua própria besta esquisita: um jogo de luta com espada psíquica sensiente em primeira pessoa que decidiu que o combate por turnos era para comedores de quiche. Mas já chegaremos a isso.
Então, agora que demos um fim a esse mito, vamos nos debruçar sobre essa pequena joia bizarra do Dreamcast como se ela tivesse acabado de brotar um terceiro olho e nos pedisse para acreditar no poder do PSI.
Nossa história começa em um futuro próximo de data não definida e a humanidade acaba de fazer uma pequena descoberta científica: a alma é real. Isso mesmo, pessoal. Evidências empíricas, repetíveis e revisadas por pares de que sua essência eterna existe e, aparentemente, está pronta para ser explorada. Naturalmente, a primeira coisa que uma equipe de pesquisa ultrassecreta do governo decide fazer com essa revelação é, acredite ou não, curar a depressão e tratar doenças psiquiátricas... pq aparentemente a psiquiatria falou merda pelos últimos cem anos e todos problemas no cerebro são problemas literalmente na alma... mas hey, o que vale são as boas intenções, certo?
Para isso eles constroem um computador movido a almas. Porque... computação quântica, mas com mais emoções? Intuição? RAM fantasma?
E que forma esse hardware metafísico de ponta assume? Um rack de servidores? Uma interface neural elegante? Nah. Este é um jogo da Atlus. Então, é claro que é uma espada. E obviamente que não é uma espada elegante, é um sabre flutuante chamado Maken que parece que poderia servir como artefato amaldiçoado, because Atlus. Porque fazer seu computador psiquico sensiente não parecer a trozoba do capeta, não é mesmo?
Então temos essa espada psíquica flutuante que GRITA relíquia demoníaca amaldiçoada do sétimo círculo do inferno dos JRPGs, certo? Tipo, se você a visse brilhando em um beco escuro, você atravessaria a rua e chamaria um exorcista. Naturalmente, você esperaria que ela virasse um Ultron completo e começasse a hackear almas para dominar o mundo... Mas não! Plot Twitter duplo carpado — Maken é, na verdade, o mocinho aqui.
Porque, é claro, quando o Maken está prestes a ativar sua tela de inicialização do Windows 98 movida a alma, um bando de terroristas misteriosos invade o laboratório. O objetivo deles? Sequestrar o cientista-chefe e roubar o segredo da tecnologia da alma para — o que mais — transformá-lo em uma arma. Como, você pergunta? Não sabemos. O jogo não sabe. Talvez eles queiram tanques movidos a alma. Talvez sejam apenas grandes fãs de Caça-Fantasmas. Jamais saberemos.
O que sabemos é que no meio do caos, a filha do cientista, Kay Sagami, pega a espada e faz o que qualquer adolescente faz em um jogo da Atlus: a empunha, o que acidentalmente sua alma com o artefato como se fosse apenas mais uma terça-feira. Agora sua mente está dentro da espada e Maken controla o seu corpo.E a única pessoa que pode separá-la desse casamento profano de hardware é — você adivinhou — seu pai convenientemente sequestrado.
Então agora ela está em uma missão para resgatar seu pai, salvar o mundo e não ser absorvida em definitivo por um computador de alma que acabou de ser ativado. Clássico.
HÃ, OKAY, A IDEIA DE UM COMPUTADOR PSIQUICO NA FORMA DE UMA ESPADA É REALMENTE ALGO BEM DIFERENTE...
Ué, vc acha que acabou? Jorge, minha doce criança do verão, acontece que a pequena missão de Kay de "salvar o pai, parar os terroristas" é só o aperitivo. Esse é um jogo da Atlus, é claro que não é só isso, é óbvio que não seria apenas isso!
O mundo inteiro está em chamas. Tipo, geopoliticamente e a um passo de literalmente também. Os Estados Unidos e a China estão em guerra, a diplomacia está indo por água abaixo e a Europa está desmoronando como uma torre Jenga devido a uma doença misteriosa conhecida como "Peste Cinzenta" (tão fazendo reboot de tudo hoje em dia, até da Peste Negra, aparentemente). Ah, e lembra daquelas sociedades secretas que toda boa história cyberpunk precisa? Maken X te dá duas.
Primeiro, os Mestres da Lâmina — sim, esse é o nome deles — são uma organização secreta global de manutenção da paz com seu próprio gene privado chamado "Gene D", porque nenhuma ficção científica está completa sem alguma genética duvidosa. Esses caras querem proteger o mundo usando ciência da alma de alta tecnologia e provavelmente um monte de discursos de anime sobre justiça. Depois, temos a Sangokai, uma organização criminosa sediada em Hong Kong que costumava fazer parte dos Mestres das Lâminas, mas se separou e decidiu: "Que se dane a paz, vamos causar desastres apocalípticos com energia do caos psíquico".
Liderando a Sangokai estão os Hakke, um bando de humanos pervertidos cujos poderes PSI são tão exagerados que literalmente deformaram seus corpos. Pense em "material para o chefe final" misturado ao horror corporal de Akira e uma boa dose de "o que eu estou olhando?".
E bem no meio dessa bomba de fragmentação sobrenatural e política que mistura Oriente e Ocidente, temos o Instituto de Pesquisa Kazanawa, o laboratório japonês onde o pai de Kay trabalhava, que — reviravolta na história novamente — é secretamente financiado pelos Mestres da Lâmina a partir de sua base secreta na China. Porque nada diz "culto ninja secreto de manutenção da paz" como financiamento clandestino para pesquisas e garotas espadachins de anime.
E quando você pensa que essa confusão de espadas psíquicas, sociedades secretas, colapso geopolítico e salvamento de pais de anime não poderia ficar mais densa — bum! Estamos esquecendo da Peste Cinzenta!
Sim. Uma praga. Uma doença misteriosa, que corrompe a alma e dizima a humanidade, convenientemente lançada na Europa pelos Hakke porque claramente não estávamos lidando com ameaças de destruição do mundo o suficiente. Esqueça as armas nucleares, esqueça a política, esqueça tentar entender a guerra genética PSI — agora estamos adicionando bioterrorismo de nível pandêmico à mistura. Por quê? Porque dane-se, Atlus disse: "Você ganha uma subtrama! Você ganha uma subtrama! TODO MUNDO GANHA UMA SUBTRAMA!"
Quando você pergunta à maioria dos desenvolvedores: "Que história você quer contar?", geralmente ouve algo como "uma história de amor e perda" ou "uma rebelião contra a injustiça". Mas a Atlus, em Maken X, se levantou, bateu os dois punhos na mesa e gritou:
"TODAS ELAS!!"
Guerra geopolítica? Check. Clãs ninjas secretos que hackeiam genes? Check. Sindicatos do crime com poderes de horror corporal? Check. Uma praga? Claro, pode incluir isso. Drama de espadas com troca de almas e psíquicas, envolto em daddy issues e filosofia de anime? Por que não!
E, de alguma forma, eles esperam que você, caro jogador, acompanhe tudo isso enquanto voa em combate corpo a corpo em primeira pessoa e tenta não vomitar com o borrão de movimento da era Dreamcast.
Sério, Atlus. Não sou estranho à sua ginástica narrativa. Já cumpri minha pena nas minas de Persona. Invoquei demônios atirando na minha cabeça com um Evoker. Passei horas em existencialismo adolescente, acompanhado de smoth jazz e um demonio que é um pirocão numa carruagem. Eu entendo esquisito. Mas Maken X faz Persona 3 parecer uma história de ninar coerente.
Tá certo, eu admito — eu não sou tão na deep lore de Shin Megami Tensei como eu sou de Persona. Eu não memorizei os gráficos de alinhamento de Lei vs. Caos nem mapeei a linhagem de todas as versões de Lúcifer no multiverso da franquia. Mas se esse é o tipo de insanidade de alta octanagem alimentada pela alma que se esconde no resto do seu catálogo não-Persona, então... que diabos, Atlus? Você tá bem? Precisa de ajuda? Quer uma água ou que eu marque uma terapia?
Porque Maken X não é apenas uma história complicada — é um caleidoscópio estilístico de narrativas sem sentido, um sonho febril rabiscado em um guardanapo durante uma queda de energia em uma convenção de anime. É tudo vibe e estrutura zero, uma mistura caótica de gêneros, temas e ameaças de fim de mundo que nunca param de se acumular. Num minuto você está sequestrando o corpo de um terrorista (mais sobre isso daqui a pouco), no outro está lutando contra uma doença que corrompe sua alma através de uma névoa de peste metafísica.
Então, narrativamente falando, Maken X é o que acontece quando você dá a um estudante de filosofia uma espada, um orçamento para cenas de SoulCalibur e nenhuma supervisão editorial. É uma sobrecarga sensorial completa, uma mistura de tramas, arcos de personagens e catástrofes que encerram o mundo, tudo contado em um formato não linear que faz Amnésia parecer Dora Aventureira. Você não apenas segue a história — você monta ela, fase por fase, personagem por personagem, esperando que ela eventualmente pare e se explique. Não vai.
Porque aqui está a coisa: o que você vê — a trama que aparece — depende completamente de quais fases você encara, em que ordem e em que corpo você está usando quando faz isso. Quer entender a história completa dos Mestres da Lâmina? Melhor trazer o boneco de carne certo. Curioso sobre a Peste Cinzenta? Espero que tenha escolhido o caminho certo. É tipo um livro de escolher sua própria aventura, mas cada escolha leva a mais perguntas e a mais belas bobagens renderizadas.
É estilo acima de substância, sem dúvida. Uma bagunça encharcada de neon que mal faz sentido na metade do tempo e, no entanto, nunca é chata. Você pode então se perguntar: "Essa narrativa realmente funciona?" e, sinceramente? Eu não faço ideia. O que, em retrospectiva, pode ser exatamente o que a Atlus buscava. Você não deveria entender o caos — deveria ser consumido por ele.
E eu admito: apesar de toda a confusão, Maken X é artístico e ambicioso pra caramba. Pode ser um acidente narrativo, mas é um acidente lindo — destroços em chamas caindo de uma montanha renderizada pelo Dreamcast com uma confiança inabalável. Para realmente entender o que está acontecendo, você precisa repetir tudo várias vezes, escolhendo fases diferentes, manipulando o cérebro de diferentes personagens, juntando tudo como um teórico da conspiração em um espelho rachado.
E para um título de Dreamcast de 1999 isso é um nível de ambição insana. Você simplesmente não poderia ser mais ambicioso com aquele hardware sem pedir que ele ascendesse fisicamente a um plano superior de consciência. Então, a pergunta que realmente importa no final do dia é: e aí, vale a pena?
Hmmm. E essa é difícil.
Porque quando você finalmente abre caminho pelos galhos retorcidos da selva narrativa e junta as peças do que a história realmente tratava — bem... não é exatamente literatura russa. Não é a meditação existencial de Persona 3, nem mesmo o monólogo bombástico de guerra e identidade de Metal Gear Solid. Não. Na melhor das hipóteses, é uma fanfic de Metal Gear, e nem sequer uma das boas.
E eu tenho que ser justo aqui: eu jamais EXIJO que meus jogos de ação tenham um toque de profundidade literária. Já cortei demônios suficientes em jogos que mal tinham mais enredo do que "coisa ruim explode". Mas quando um jogo exige tanto de você — quando te faz jogá-lo várias vezes, resolver ordens de fases não lineares, experimentar com personagens diferentes e decodificar diálogos como se estivesse decifrando as anotações do Assassino do Zodíaco — você começa a torcer para que tudo leve a algum lugar. E aqui? Meio que não leva.
Isso é uma coisa. A outra, e problema — o verdadeiro problema — nem é o enredo espaguete. É a jogabilidade.
Porque, como tudo em Maken X, a jogabilidade prioriza o estilo em detrimento da substância. E isso não é algo que se queira dizer sobre a mecânica principal de um jogo. A esgrima em primeira pessoa parece legal. Soa legal. Tem aquele toque cyberpunk frenético e cru dos anos 90 que faz o seu edgelord interior bater palmas. Mas na prática? É desajeitado. É flutuante. O bloqueio é temperamental, a detecção de acertos pode ser instável e a câmera ocasionalmente comete crimes de guerra contra sua percepção espacial. Há ambição, claro, mas não há muito refinamento.
Você se sente como um deus psíquico com uma espada movida a almas... até errar três acertos seguidos porque o inimigo decidiu fazer moonwalk no seu campo de visão. E já que estamos criticando a jogabilidade, vamos falar sobre o que deveria ser o grande atrativo de Maken X: a mecânica de sequestro cerebral.
Agora, no papel, isso parece incrível. Você é uma espada espiritual senciente com o poder de sequestrar corpos como se fosse uma mistura de Driver: San Francisco e Ghost in the Shell. Você assume o corpo dos seus inimigos, usa seus atributos, seus movimentos, sua forma física — é como Pokémon, mas com uma ambiguidade moral muito mais cyberpunk. Você pensa: "Claro que sim, vou possuir tudo que se move e me tornar um deus imparável do anime."
Mas na prática? É. Não exatamente.
Para começar, você não pode simplesmente pular para dentro de QUALQUER inimigo. Não estamos no Mario Odyssey de 1999, e você não é o Cappy aqui. Seus poderes de possessão são estranhamente limitados — apenas certos personagens podem ter o cérebro sequestrado e, mesmo assim, você é restringido pelo seu nível de alma. Quer roubar aquele incrível cyber-ninja de nível 5? Desculpe, sua barra de alma diz que não. Vai grindar, camponês.
E quando você finalmente brainjack alguém, as diferenças não são tão emocionantes. Claro, existem variações de velocidade, força e HP — mas não muda o jogo. É mais como alternar entre "O Cara Que Soca Com Força Média" e "O Cara Que Soca Um Pouco Mais Forte, Mas Não Sabe Pular Tão Bem". É a ilusão de variedade sem a profundidade mecânica. O que deveria ter sido uma mecânica incrível acaba parecendo uma oportunidade perdida — um truque chamativo que nunca atinge seu potencial máximo.
E esse é o tema aqui, não é?
Olha, estou tentando mesmo não pegar pesado com Maken X. Porque, no fim das contas, esse é o tipo de jogo que eu respeito. Não foi feito por planilhas de tendencias de mercado foco ou departamentos de marketing — foi feito por um bando de artistas, que se entregaram completamente às ideias, à estética e aos conceitos de jogabilidade. É ousado. É estranho. É a Atlus sem filtros, transbordando aquele estilo característico do final dos anos 90, em que todo mundo parecia ter aceitado que o bug do milênio destruíria a civilização como a conhecemos.
E, apesar de todas as suas falhas, isso significa alguma coisa. É raro. É puro. Mas... sim. Às vezes, você precisa de um adulto na sala.
Às vezes, alguém precisa intervir e dizer: "Ei, talvez o enredo da espada da alma senciente, a máfia do crime cibernético, o colapso da União Europeia, o apocalipse da peste, a guerra dos supergenes e a mecânica de sequestro de corpos psíquicos não precisem estar TODOS no mesmo jogo." Teria sido melhor ter alguém responsável na sala para colocar a mão no ombro da Atlus e dizer "Amigue, seje menas". Ordenado trocar o tempo gasto criando a quinta subplot por melhorar a hit detection, dado mais opções de movimentação, exigido uma segunda polida no combate.
Maken X é ambicioso, confuso, inesquecível — e meio exaustivo. É uma cápsula do tempo fascinante do que acontece quando a criatividade é completamente liberada. Vale a pena jogar como curiosidade, é um dos jogos mais criativos que eu já vi nesse blog em quase 1500 reviews, mas ao mesmo tempo, seu maior defeito é que ele é conceito de mais e mão na massa de menos
Você não vai encontrar uma experiência refinada aqui, você vai encontrar um experimento glorioso e descontrolado que queima brilhantemente, mas fora de controle. A arte não precisa ser funcional, ser otimizada e fazer sentido - só que videogames meio que precisam.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER