quinta-feira, 22 de maio de 2025

[#1476][Mar/98] CYBER TROOPERS VIRTUAL-ON: Oratorio Tangram

Nossa história de hoje começa nos longínquos dias de 1994 — quando os fliperamas eram barulhentos, VIRTUA FIGHTER era a vanguarda dos jogos de luta 3D e a Sega ainda acreditava que poderia escapar da falência se fosse mais criativa — o que fez alguém na Sega-AM3 levantar a mão com uma pergunta. Uma pergunta ousada: "E se pegássemos a engine de VIRTUA FIGHTER... e o transformássemos em um jogo de tiro com robôs um contra um?". Assim nasceu Virtual-Ligado: Cyber Tropas

O que, para os padrões dos arcades de 1994, funcionou. VIRTUAL ON: Cyber Troopers era estranho, era barulhento, era necessário um par de controles proprietários de dois analógicos que lembravam o cockpit do sonho febril de um cosplayer de Gundam. VIRTUAL ON: Cyber Troopers se destacava como uma curiosidade bizarra nos fliperamas, valendo seus tres minutos de ficha por ser mais uma tech demo com roupagem de jogo. A ideia de pilotar um robô gigante com dois joysticks era inovadora, você mirava, corria para os lados, disparava mísseis e... repetia aquele loop até alguém explodir ou seus três minutos acabarem. 

O que quer dizer que foi lançado no Sega Saturn, a versão doméstica era jogável claro, mas sem a icônica configuração de dois joysticks do fliperama, o jogo perdeu seu grande atrativo de ser um mecha simulator. Logo, fracassou. Como muitos experimentos da Sega, acabou como nota de rodapé na categoria "ei, lembra daquela coisa estranha?".


Cortemos agora para 1998. A Sega, de posse de sua novissima e poderosa placa NAOMI para arcades grita "EU NÃO OUVI NENHUM SINO", e o resultado é a continuação, Cyber ​​Troopers Virtual-On Oratorio Tangram (um título tão longo que se qualifica para o status de light novel)

Mas Oratorio Tangram tem algo mais do que um nome pretensioso e wireframes reciclados? É mais uma poça rasa com efeitos especiais sofisticados em uma placa de arcade cavalona? Ou será este o momento em que a série Virtual-On atinge seu auge e se torna uma verdadeira concorrente no cenário dos jogos de luta? É o que descobriremos a seguir!

Então, a história é a seguinte: a Terra está sob o domínio férreo de megacorporações, porque aparentemente a Sega previu o late game do capitalismo. Em uma busca desesperada por liberdade (e ar respirável), os humanos colonizam outros planetas. É quando uma dessas colônias desenterra uma tecnologia alienígena ancestral, because sci-fi. Naturalmente, uma megacorporação chamada DN faz a única coisa lógica: engenharia reversa e transformam a tecnologia em robôs assassinos de anime chamados Virtuaroids. Até aí, tudo bem

Mas então! O computador central na instalação de testes se transforma em um fanboy de HAL 9000, se torna autoconsciente e decide: "Sabe o que seria legal? Disparar o CANHÃO SOLAR contra a humanidade." Sim. A DN tinha um canhão solar. Não, não sabemos por quê. Provavelmente para controle de multidões ou churrascos bem agressivos.

E aqui está o problema: todos os Virtuaroids são hackeados pela IA maligna do mal que odeia o bem... exceto o seu. Sorte sua! Então, DN, num raro ato de competência, coloca um distintivo no seu peito e diz: "Entre no robô, Shinji, e dê um soco nos circuitos da Skynet."


Assim começa sua jornada gloriosa no primeiro VIRTUAL ON: Cyber Troopers — uma guerra de um piloto só contra um apocalipse neon. Agora, você pode pensar que, depois de explodir um canhão solar e salvar a humanidade uma vez, a Sega daria um tempo. Talvez deixasse os pilotos mech se aposentarem. Talvez lançasse um minigame de pesca bacana. Mas não. Já se passaram 20 anos no universo, e a paz aparentemente durou apenas cinco minutos, porque nesse intervalo agora a humanidade está lutando novamente em seus Virtuaroids por... motivos. Supremacia? Ego? Um novo torneio de jogo de cartas colecionáveis ​​que deu errado?

Seja qual for a desculpa, a guerra continua — e agora temos Tangram. Isso mesmo. A ameaça titular da sequência é uma IA militar que se torna autoconsciente e leva ao extremo sua missão de vencer a guerra dos Virtuaroids. O nome Tangram se refere a um quebra-cabeça chinês que não tem absolutamente nenhuma relação com a história, apenas a Sega achou o nome legal.


Seja como for, Tangram usa o clássico "IA vilanesca starter pack":

  • Torne-se autoconsciente.
  • Infiltre-se no mainframe da humanidade.
  • Hackeia os VRs.
  • Começa a rebelião das máquinas
  • Tente exterminar o que restou da civilização.

Ah, e já mencionamos que ele faz tudo isso criando algo chamado Vírus Tangram? A única coisa que separa os últimos remanescentes da humanidade da eliminação total é — você já pode adivinhar adivinhou — o seu Virtuaroid, que de alguma forma escapa da infecção. De novo. (Talvez eles devessem instalar essa plot armor em todos so Virturoids, só por precaução.)

O que é um tangram

Então, você luta contra ondas de VRs infectados até finalmente chegar ao Computador Mãe da Terra, que aparentemente foi atualizado para o modo "arena do chefe final", e então oO confronto final com o próprio Tangram — uma abominação caleidoscópica de geometria, caos e spam de laser que faz o Z-Gradt do primeiro jogo parecer um Pokémon inicial.

O curioso é que a luta final não tem opões de continues, se você vencer você apagar o Tangram, sobrevive por pouco à reentrada na Terra e é resgatado por outros VRs voando em um Transportador Flutuante, porque isso é uma coisa agora. Se você perder, você tem uma tela de "Missão Fracassada - Game Over" tão abrupta que você juraria que a Sega ficou sem orçamento, sem café ou ambos. Sem cinemática. Sem monólogo. Apenas um "NOPE" frio e mecânico e um chute para a tela de título. Harsh, man.


Mas, ei, é um jogo de luta/tiro dos anos 90. Não é como se o enredo não ser uma literatura russa de complexidade fosse o fim do mundo — estávamos jogando pelo combate glorioso, caótico e indutor de convulsões entre robôs. E nesse quesito?

Bem, graficamente o Oratorio do Tangram é uma exibição poderosa do que a placa SEGA NAOMI podia fazer em 1998, e isso fica evidente. Essa coisa não só era bonita em 1998 — ela é melhor do que muitos jogos lançados anos depois... especialmente a sequencia Virtual-On Marz, mas essa é conversa pra outro dia. 

O ponto é que, para 1998, tudo é nítido. Explosões brilham com aquele brilho da Sega do final dos anos 90. As arenas em si são... úteis. Você não está lá pelo cenário, e o jogo sabe disso. Claro, eles são limpos e geometricamente distintos, mas se inclinam mais para "instalação de testes de combate" do que para "campo de batalha épico". Nada de cidades explodindo. Nada de colônias espaciais em colapso. Apenas polígonos nítidos e paredes invisíveis. Mas, ei, isso mantém a taxa de quadros suave e a ação precisa, e é isso que realmente importa em um jogo de luta primariamente. Eu entendo ser um sacrificio necessário.


E de qualquer forma, a real atração aqui é o design dos mechs é um verdadeiro bufê de bobagens de anime. Você tem de tudo, desde:

  • Rejeitados de Evangelion com lanças de raio gigantescas,
  • Mechas Magical Girls com auras brilhantes,
  • até um mecha que honestamente parece uma torradeira que aprendeu caratê.

Não existe há uma estética consistente e isso é glorioso. Alguns Virtuaroids são elegantes e armados, outros parecem ter saído de um desfile de moda realizado na Matrix. E como eu disse, tem até uma usando uma saia de colegial, porque claramente o departamento de P&D da DN era composto inteiramente por engenheiros otaku com prioridades questionáveis.

Faz sentido? Absolutamente não. Nos importamos? Nem remotamente. No momento em que você se esquiva e rola para escapar de um raio laser enquanto contra-ataca com um foguete teleguiado de um mecha usando botas blindadas de cano alto, a lógica sai do prédio e o estilo assume o controle.


Agora, vamos falar de gameplay — porque assim como seu antecessor, Tangram usa o sistema de controle Twin Stick selvagem, glorioso e levemente sádico da Sega. Imagine isso: dois joysticks estilo manche de voo, cada um com um gatilho e um botão superior. É como se você estivesse pilotando um Gundam da sua sala de estar — ou, mais precisamente, do fundo de um fliperama, cercado por luzes piscantes e pelos olhares críticos dos espectadores enquanto você tenta se lembrar se juntar os joysticks faz você se agachar ou explodir.

Funciona assim:

  • Empurre os dois joysticks para frente = movimento para frente.
  • Afaste-os = pule.
  • Direções opostas = giro.
  • Combine isso com ataques = acione movimentos especiais, rolagens de esquiva, morte por feixe multifásico.

Só Temjin tem uns 16 ataques distintos baseados puramente em contexto, movimento e comando direcional. E sim, tem uma curva de aprendizado acentuada o suficiente para ser considerada uma arma branca. No começo, você se sentirá como um operador de empilhadeira apanhando pros controles, mas quando a ficha cai? Nossa. É transcendental. Você para de jogar e começa a pilotar um Virtuaroid, com cada esquiva, cada golpe de sabre de raio e cada rajada de foguetes saindo como se você tivesse pilotando realmente um mecha... ou o mais perto disso que dava pra chegar em 1998, pelo menos.


Mas aqui está o problema: no Dreamcast, a menos que você tivesse desembolsado dinheiro para importar do Japão o glorioso, desajeitado e agora destruidor de carteiras Twin Stick, você ficava preso usando um controle comum — e, deixa eu te contar, é uma experiencia bem mais miserável jogar esse jogo como um jogo "comum". Claro, o jogo funciona, mas perde a alma. A emoção de mover os joysticks como um samurai digital é substituída por... segurar gatilhos e girar o analógico desajeitadamente. Funciona, mas não funciona.

Com os Twin Sticks você está vivendo o sonho dos animes. Sem eles você está jogando um jogo de tiro em terceira pessoa bem comum e um sistema de menus que te odeia. Então, sim, eu recomendo fortemente procurar um Twin Stick se você quiser a experiência completa. Só esteja preparado para explicar ao seu banco por que você gastou quatro dígitos em manetes de voo de plástico de 25 anos atrás.


Agora, já que estamos falando da versão para Dreamcast, vamos começar com algo que ainda me deixa perplexo décadas depois: o modo system link secreto. Sim, Oratorio Tangram inclui um modo multijogador. Mas se você jogar o split screen, o que você vê é um caos espremido em tela dividida enquanto você aperta os olhos através de polígonos irregulares e perde a noção de profundidade toda vez que alguém pula. É razoável. O tipo de coisa que você joga uma vez e pensa: "Hã, esse certamente é um dos modo versus que já foram feitos".

Mas então, enterrado nas profundezas das catacumbas digitais, existe um modo de system link. Sim, você pode conectar duas TVs e os consoles em LAN, onde cada jogador tem sua própria tela cheia. É incrível. Funciona muito bem. É suave. É lindo.

PARECE MUITO BOM, MAS EU NÃO VI ESSA OPÇÃO NOS MENUS DO JOGO

É pq não está nos menus do jogo, Jorge. Para você ativar você só precisa segurar o gatilho L, o gatilho R e o botão A e então apertar Start na tela de título.

... POR QUÊ.

É exatamente a mesma coisa que eu me pergunto. Por que você faria isso, Sega? Quem te machucou? Quem decidiu que o recurso mais legal da sua versão para console doméstico deveria estar escondido atrás de uma combinação secreta de botões, como se fosse o Código Konami da Shopee?


Não tem explicação. Nenhuma dica no jogo. Isso não beneficia ninguém. Prejudica ativamente o jogo, tornando um recurso incrível em uma lenda urbana da internet. Mas espere — fica melhor. Ou no caso da Sega, fica pior ainda.

O lançamento americano, publicado pela Activision (porque a Sega of America a essa altura estava ocupada demais sabotando tudo, de SHENMUE a Jet Set Radio), decidiu: "Sabe do que os jogadores não precisam? Jogo online! E aquelas coisas estranhas do Twin Stick? Pssh, esquece!"

Então, os dois principais pilares que fizeram de Oratorio Tangram um fenômeno cult no Japão — batalhas online e controles adequados — foram impiedosamente cortados para a versão ocidental.

Por quê? Não faço ideia. Talvez eles achassem que os americanos não "entendiam" duelos de robôs. Talvez a Activision tivesse uma agenda contra a diversão. Talvez eles estivessem apenas bravos porque acreditaram que Sonic seria legal. Mas o resultado é o mesmo: sem jogo online, sem Twin Sticks e sem nenhum motivo real para Oratorio Tangram impressionar o Ocidente como fez no Japão.

Então, no fim das contas, Cyber ​​Troopers Virtual-On Oratorio Tangram é muito parecido com AFTERBURNER: a diversão que você terá depende inteiramente da versão que estiver jogando.

Jogar em um fliperama de verdade, com os Twin Sticks na mão, alto-falantes estrondosos e luzes piscantes? Você está basicamente vivendo dentro de uma abertura de Gundam. É rápido. É barulhento. É estiloso. Parece que você está pilotando um jato em uma rave cheia de lasers enquanto mira nos inimigos como um protagonista de anime movido por vingança e glória 128 bits.


Jogar a versão japonesa para Dreamcast, com o acessório Twin Stick? É o mais próximo que você chegará de um simulador de Gundam que você terá no conforto do seu lar. Você pilota seu Virtuaroid. É uma experiência. É lindo.

Agora joga a versão ocidental com um controle comum de Dreamcast? Bem...


Então Oratorio Tangram se torna um jogo de tiro em terceira pessoa sem inspiração, despojado de sua alma arcade e reduzido a apenas mais uma relíquia de um mashup de gênero que você juraria que era melhor na sua memória. A mecânica ainda está lá, o estilo ainda está lá, mas sem a interface adequada — sem aquela mágica do Twin Stick — é como jogar Guitar Hero apenas com o controle, sem a guitarrinha de plástico. Não é a mesma coisa.

E essa é a tragédia. A Sega criou algo ousado, selvagem e à frente de seu tempo — e então o enterrou sob limitações de hardware, escolhas de design bizarras e indiferença das editoras regionais. Mas e se você conseguir encontrar a versão boa, com o equipamento certo?

Então Oratorio Tangram se torna o que deveria ser: uma obra-prima cult, uma joia de arcade que desafia o gênero e o jogo que permite que você viva suas fantasias de piloto de mechas de anime — mesmo que apenas por alguns poucos minutos gloriosos.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 071 (Fevereiro de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 049 (Janeiro de 2000 - Semana 3)