segunda-feira, 12 de maio de 2025

[#1472][Nov/1999] SWAT 3: Close Quarters Battle


No fim de 1998, a Sierra estava por um fio. A antiga rainha dos point’n’clicks — KING'S QUESTSPACE QUESTPHANTASMAGORIA, e por aí vai — agora era só mais um nome largado no cemitério digital dos sonhos em VGA. O gênero que a fez rica estava morrendo... e tão rápido quanto um protagonista de jogo da Roberta Williams que clicou no pixel errado.

Financeiramente a situação estava um desastre. Cada novo lançamento era um salto de fé. Um flop, um trimestre ruim, e a empresa ia parar no mesmo buraco onde a dignidade do LEISURE SUIT LARRY estava enterrada. Mas aí, em um plot twist digno de POLICE QUEST aconteceu um milagre. Em 1998, a Sierra publicou um jogo de uma desenvolvedora iniciante, um tal de HALF-LIFE.

Sim, aquele HALF-LIFE. A estreia da Valve. Um FPS iniciante com um pé de cabra, um físico teórico e mais ousadia em level design do que todos os clones de Doom juntos. E, como você provavelmente já sabe, a coisa explodiu. Crítica em êxtase. Fãs criando mods como coelhos. E, pela primeira vez em muito tempo, o caixa da Sierra viu um pouco de verde. Foi aí que a ficha caiu: FPS era o futuro.


E a Sierra olhou para o próprio catálogo e escolheu uma de suas poucas IPs de sucesso fora dos point'n click — POLICE QUEST: SWAT 2, o spin-off tático em tempo real de Police Quest — e pensou: "E se, em vez de comandar a equipe de longe... você estivesse lá dentro, com a arma em punho, encostado na porta, suando frio antes do breaching?"

Era uma jogada arriscada. SWAT era uma das últimas franquias funcionando da empresa. Transformá-la num FPS podia ser o renascimento tático que ela precisava...

...ou a cova final, bem ao lado de PHANTASMAGORIA 2: A Puzzle of Flesh, no túmulo das ideias caras que nunca se pagaram.

Mas a Sierra já não estava mais jogando pelo seguro.
Ela apostou alto — em realismo, imersão e numa das reinvenções mais ousadas da história dos jogos de tiro. O nome dessa aposta era SWAT 3: Combate do Quartinho Fechado.

Com o sucesso de Half-Life fresco no bolso e o cheiro doce de graxa de pé de cabra no ar, o time da Sierra — a Sierra Northwest — fez o que qualquer estúdio inteligente faria em 1999: pegou carona na engine de Half-Life. Por que não? Eles já tinham um bom relacionamento com a Valve, e a engine era nova, modular e — o mais importante — potente.

Mas eles não estavam apenas tentando criar mais um banho de sangue com seu FPS. Não, não, não — esse não seria um DOOM com um distintivo. O objetivo não é sobreviver a uma horda de demônios ou empilhar headshots. O objetivo é ser profissional. Seguir as regras. Avisar primeiro e atirar depois. Proteger reféns como um verdadeiro oficial da SWAT.


Seu trabalho não é atirar em tudo que se mexe. Seu trabalho é:

  • Vasculhar salas;
  • Prender suspeitos (vivos, de preferência);
  • Dar ordens para seu time agir taticamente
  • E o mais importante: EVITAR baixas civis 

Pense assim: imagine o meme "FBI OPEN UP", mas você esta sendo contabilizado pelos relatórios de incidentes depois. Em primeira pessoa. Eles queriam autenticidade. Táticas reais. Regras de combate reais. Consequências reais para quem errar.

E assim, SWAT 3 não era apenas um jogo de tiro, era um simulador de procedimentos. Você não jogava apenas com um boneco com skin de policial — você tinha que pensar como um. Cada porta podia ser uma armadilha mortal revelando um perpetrador armado esperando pra te encher de pipoco. Cada suspeito podia se render ou puxar uma arma. 

Era uma abordagem diferente. A maioria dos FPS te entrega um rocket launcher e te diz "go crazy". SWAT 3 te entrega uma prancheta, um pacote de breaching charges e dizia: "Se alguém morrer, a culpa é sua.". Isso pq assim como seus antecessores RTS, SWAT 3 não se limitava a te dar uma arma e dizer "Boa sorte!" — ele te entrega um kit inicial completo de aplicação da lei.

Você tem lockpicks para portas trancadas, ou breaching charges se vc quiser trocar sutileza por tempo, granadas de gás lacrimogenio, flashbangs, algemas para conter qualquer um que respirasse alto demais, e até uma câmera estendida para espiar por esquinas sem precisar meter a cara. Se isso soa bastante como um protótipo de Splinter Cell, você não está muito longe da verdade — só que aqui você está em plena luz do dia e Sam Fisher teria que lidar com a papelada após cada missão.

HÃN, ISSO É LEGAL E TAL, MAS NÃO FOI EXATAMENTE EM SPLINTER CELL QUE EU PENSEI COM A DESCRIÇÃO DESSE JOGO

Hmm, tá, suponho que eu precise falar sobre isso. Vamos abordar o elefante na sala vestido de kevlar.

Enquanto a Sierra Northwest criava desenvolvendo seu FPS com distintivo, TOM CLANCY'S RAINBOW SIX caiu como uma bomba de efeito moral no gênero. Táticas realistas? Check. Precisão letal? Check. Ação em equipe? Check again. Parecia estranhamente familiar. Então será que Rainbow Six deixou a Sierra entoru em pânico? 


Não. Na verdade, eles ficaram empolgados com Rainbow Six. Por quê? Dois motivos:

(A) Rainbow Six pode parecer similar à primeira vista, mas é na verdade mais um simulador de operações especiais do exercito. Vc é mais um SEAL do que um policial realmente.

O que quer dizer que você entra, elimina alvos com brutalidade cirúrgica e desaparece como um ninja na noite. Sem leitura de direitos. Sem procedimento. Ninguém gritando "mãos ao alto!". Você é mais um "assassino licenciado" do que "policial".

SWAT 3 mira no realismo. Você não é um fantasma armado com um silenciador — você é um policial uniformizado cuja missão é acalmar a tensão, controlar e manter as pessoas vivas. A ameaça não é apenas perigo — é responsabilidade. É parte tiro, parte tática e duas partes investigação da corregedoria esperando para acontecer.

(B) O sucesso de Rainbow Six provou algo vital para a Sierra: havia público. As pessoas queriam realismo. Queriam jogabilidade lenta e metódica. Queriam tensão, precisão e coordenação de equipe. E isso significava que SWAT 3 não era uma aposta infundada.
ENTÃO SWAT 3 É APENAS A VERSÃO POLICIAL DE RAINBOW SIX?

À primeira vista pode parecer a mesma coisa: é tático, em primeira pessoa, e você comanda um esquadrão de profissionais armados em ambientes tensos. Mas se olharmos um pouco mais de perto, veremos que SWAT 3 é muito, muito mais ambicioso.

Onde Rainbow Six diz: "Identifique o alvo, atire no alvo", SWAT 3 diz: "Identifique o alvo... espera, é o suspeito? Ou um refém? Ou um civil de mau humor? Você devia ter prestado atenção no briefing. Melhor pedir para ele se render. Melhor gritar com ele, dar um tiro de advertência, jogar uma granada de gás, contê-lo e ter certeza absoluta de que não algemou o zelador." Porque a policia tem que seguir regras, e certamente SWAT 3 espera que você as siga.


Então eis a pegadinha: como na vida real, aqui os suspeitos não tem contornos vermelhos brilhantes. Reféns não têm flechas sobre suas cabeças. Isso significava que a Sierra precisava programar um sistema de IA que pudesse fazer mais do que apenas "correr em direção ao jogador e atirar". Os suspeitos tinham que tomar decisões:

  • Render-se ou revidar?
  • Fingir rendição e sacar uma arma?
  • Usar um refém como cobertura?

E isso se vc estiver rendendo a pessoa certa, as vezes o refem é realmente apenas um refem - que por sua vez tem suas próprias reações. O que, Jorge, é pedir muito para uma IA de 1999. Então sim —  a IA de SWAT 3 é surpreendentemente à frente de seu tempo.

Quando você ordena que seu esquadrão se dirija até uma porta que vai ser aberta (ou arrombada), eles não se amontoam na frente dela. Eles se posicionam de forma inteligente, evitando a linha de fogo, vigiando os cantos, tomando posições de invasão.


E se um suspeito ou refém se render você nem precisa mandar, eles os algemam automaticamente. Quando eles ficam parados, eles não ficam fazendo poses de NPC — eles examinam os arredores, ficam de olho em possíveis pontos de entrada e pegam cobertura.

Mesmo no calor do combate, seu esquadrão não tenta encarnar o Rambo. Sem que vc precise mandar eles se escondem atrás de coberturas, atiram em rajadas controladas e não correm para um moedor de carne a menos que você mande. E os inimigos a mesma coisa. Suspeitos atiram de trás de sofás, se escondem em salas laterais ou te emboscam de ângulos cegos - é brutalmente dificil, mas então todo o ponto de uma operação bem executada da policia é que não chegue ao tiroteio aberto. 


E aqui está a questão: se você se esquecer de fazer o seu trabalho — como confiscar armas caídas ou algemar um suspeito que se rendeu — não se assuste ao ouvir tiros atrás de você. Porque alguém acabou de pegar um rifle e a culpa é sua. E se toda essa pressão não bastasse, vamos falar sobre o sistema de carreira: cada missão afeta sua posição. Você é avaliado em tudo:

  • Sobrevivência do time
  • Civis resgatados
  • Uso adequado de força letal
  • Respeito aos procedimentos
  • Liderança geral

Matar suspeitos desnecessariamente, atirar em civis, explodir coisas com cargas explosivas sem necessidade, deixar seus companheiros serem baleados e etc faz seu Total de Liderança cair, e caindo muito é game over, coloque suas coisas numa caixa, entregue sua arma e seu seu distintivo.  É o mais próximo que o final dos anos 90 nos deu de sermos submetidos a ter que prestar alguma responsabilidade por meter o pipoco em um jogo, e isso é realmente muito interessante.

A outra coisa que é interessante é um dos maiores pontos fortes de SWAT 3 é a variedade de missões. Aqui não temos apenas "mais um armazém com iluminação diferente". Cada missão te coloca em um cenário completamente diferente, com seus próprios desafios táticos e dilemas morais.


Você vai acabar com assaltos a banco, lidar com seitas suicidas, sequestradores com refens em casas suburbanas e responder a situações de terrorismo doméstico onde as coisas dão errado antes mesmo de você sair da van. Às vezes, você está arrombando portas de um laboratório de metanfetamina. 

E aqui está a cereja do bolo: como foi o jogo foi feito em uma engine modificada de HALF-LIFE, este jogo já foi lançado pronto para mods desde o início. A Sierra não precisava vender pacotes de missões adicionais disfarçados de sequências com preço cheio (sim, TOM CLANCY'S RAINBOW SIX: Rogue Spear, estou olhando pra você)

Em vez disso, SWAT 3 tem uma longevidade enorme graças ao conteúdo criado pelos usuários — de novas missões e mapas a equipamentos personalizados e melhorias de qualidade de vida. Mesmo agora, mais de duas décadas depois, ainda existe uma comunidade pequena, porém apaixonada, que mantém o jogo vivo, refinando a IA, aprimorando texturas e adicionando mapas e armas ao jogo.


Então, embora SWAT 3 já estivesse em desenvolvimento avançado quando Rainbow Six chegou às lojas, de alguma forma ele acabou sendo a verdadeira evolução do gênero FPS tático. Enquanto Rainbow Six enfatizava infiltração rápida e eliminação cirúrgica, SWAT 3 exigia paciência, julgamento e nervos de aço. Não se tratava de invadir e limpar — se tratava de invadir, avisar, gritar, conter, reportar e talvez atirar... se as coisas dessem muito errado. E as coisas dão errado — frequentemente.

Porque cada missão tinha mais variáveis ​​do que você conseguia lidar confortavelmente. Reféns, suspeitos escondidos, civis armados, armas desprotegidas, companheiros de equipe de IA com suas próprias rotinas e reações. E, de alguma forma, isso funciona com a IA de 1999.

Seis anos antes de F.E.A.R. impressionar o mundo com inimigos inteligentes que flanqueavam e manobravam você, SWAT 3 tinha companheiros de equipe e inimigos que realmente conseguiam pensar. Eu temia que esse jogo fosse uma terrível missão de escolta (o que é um pleonasmo em videogames), mas felizmente não é o caso. 

Você não esta arrastando uma equipe de fantoches de carne atrás de você, você esta comandando profissionais treinados e o jogo passa essa sensação. Esse é o primeiro FPS em que eu senti que você pode realmente relaxar, dar ordens e confiar no seu time para fazer o trabalho sem se comportar como um bando de palhaços digitais... sim JOHN ROMERO'S DAIKATANA, essa foi na sua conta.

Mais de duas décadas depois, SWAT 3 ainda se mantém como um modelo do que os jogos de tiro táticos poderiam ser — mesclando boa IA com o uso de gadgets, algo que até então era território de jogos de furtividade. Não é surpresa que tantas franquias incorporaram ideias de SWAT 3, especialmente os jogos posteriores de Rainbow Six. E quando o seu "rival" a quem todo mundo te compara absorve suas ideias, é pq alguma coisa muito certa foi feita aqui.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 149 (Março de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 047 (Janeiro de 2000 - Semana 1)