quarta-feira, 28 de maio de 2025

[#1479][Dez/1999] SPACE CHANNEL 5


O jogo de hoje não é apenas uma tolice. Não é sequer uma grande tolice. Ele é a mãe de todas as tolices que eu já analisei em quase 1.500 análises neste blog, e isso quer dizer alguma coisa. 

Nossa história começa no ano 2489. Uma nave espacial se acidenta, apenas uma garota sobrevive. Esse seria o começo trágico de uma história... se isso fizesse a menor diferença, pq essa parte jamais será mencionada realmente ou terá qualquer minima relevancia.

UÉ, PRA QUE ISSO ESTÁ NO JOGO ENTÃO?

Essa é uma excelente pergunta para a qual jamais teremos uma resposta. O que importa é que dez anos depois a sobrevivente, nossa heroína Ulala (pronuncia-se "uh-la-la" porque é claro que sim), agora é repórter do decadente Canal Espacial 5. A audiência da emissora caiu mais que a da Rede TV, e qual é a única esperança?


Não uma jornalista premiada.
Não uma heroína corajosa.
Mas uma mulher cuja principal habilidade é rebolar no melhor estilo DISCO INFERNO e gritar "Yeah!" para alienígenas.

Entra Ulala: repórter de notícias intergalácticas e assassina do groove. O diretor da emissora, um cara chamado Fuse — que presumo que passe suas horas vagas soluçando abraçado a uma lâmpada de lava — a envia para uma última missão: cobrir a invasão repentina de uma espécie alienígena chamada Morolians. Esses adoráveis ​​invasores com aparência de marshmallow não querem nossos recursos, nem nosso planeta, nem abduzir as nossas vacas.

Eles querem roubar nosso ritmo. Não, sério, não estou brincando. O aliens lavagem cerebral em humanos e os forçam a DANÇAR, e a única maneira de derrotá-los?


Não com armas.
Não com diplomacia.
Mas com um "ESQUERDA, DIREITA, CHU-CHU-CHU!" perfeitamente sincronizado.

Sim, só o poder do DISCO pode salvar a galáxia. Eu não estava brincando quando disse que esse jogo é a mãe de todas as tolices.

Porque aqui está a coisa: Space Channel 5 não apenas tem tolices — ele as transforma em arma. Tipo, se você pegasse o próprio conceito de "brega", o mergulhasse em glitter, o passasse por uma lâmpada de lava e lhe entregasse um microfone, você teria este jogo. 


Agora, em termos de jogabilidade — como você já podia imaginar — esta não é uma odisseia rítmica profunda e que desconstrói gêneros. Não. É essencialmente um jogo de Simon Says, os aliens literalmente dizem os botões para você apertar em um ritmo especico: "Esquerda! Direita! Cima-cima! Baixo! ... cho!

E então você... aperta esses botões. No tempo certo. É isso. Sem combos, sem janelas de tempo loucas, sem árvores de habilidades. É um jogo rítmico reduzido à sua essência mais básica e fluorescente.

Mas aqui está a mágica: não é sobre mecânica. É sobre ATITUDE. Ulala se pavoneia pelo caos como uma deusa da discoteca marchando para a guerra — botas plataforma a frente, quadris em uma missão. E quando ela resgata civis do transe alienígena eles não apenas agradecem e vão embora, não, eles se juntam a ela em um número coreografado totalmente sincronizado. Quanto mais pessoas você salva, maior fica sua equipe de dança de apoio. Ao final de uma fase, você tem um flashmob inteiro fazendo moonwalk atrás de você, e é GLORIOSO.


Então se você se pergunta como isso é um jogo da sexta geração e onde foi gasto o poder do Dreamcast, eu te digo que ele dezenas de personagens na tela, todos em sincronia, todos em ritmo, todos gloriosamente, assumidamente disco. É a tech demo mais gloriosamente estúpida do que o Dreamcast pode fazer.

Mas esse é justamente o ponto forte do jogo, o que te prende, esse comprometimento que cada cada fase, cada batida, cada pixel absurdo está transbordando com essa energia implacável que grita: "Sim. Nós fizemos isso. Fizemos um videogame inteiro onde você derrota alienígenas com o poder da DANÇA. De nada."

E sabe de uma coisa? Eu respeito isso.


É como um acidente de carro, você não consegue desviar o olhar. Você não quer parar de ver. Porque a cada poucos minutos você é atingido por outro momento "Não acredito que eles realmente fizeram isso", e você continua jogando só para ver até onde a toca do coelho vai. O que também não é uma coisa tão dificil, pq a duração do jogo é menos de uma hora. É uma grande tolice, sim — mas uma tolice bem curta.

O que significa que Space Channel 5 não é tanto um jogo completo, mas sim uma curiosidade. Um artefato estiloso e bizarro de uma época em que a Sega atirava desesperadamente ideias malucas na parede só para ver o que colava.

Então Space Channel 5, no pouco que se propõe a fazer, funciona. Funciona porque alguém na sala de reuniões da Sega se levantou e disse: "E se salvássemos a galáxia... através do Disco?" e todos os outros apenas concordaram, provavelmente sob o efeito dos rangidos do leitor do Dreamcast e do desespero financeiro da Sega do final dos anos 90.

O primeiro chefe é o robô Moroliano, o terrível COCO TAPIOCA. Não, eu não estou inventando, esse é o nome dele mesmo. Melhor nome de chefe mesmo.

Ulala, de alguma forma, se tornou icônica. Ela dançou e entrou para o hall da fama da Sega — convivendo com Sonic, Nights e outros personagens iconicos da Sega. Ela faz aparições especiais até hoje — jogáveis ​​em jogos como Sonic Riders e Sonic Colors: Ultimate, como se para lembrar que ela nunca foi embora de verdade.

Na verdade, na época ela estava em quase todos os lugares:

  • A MTV considerou dar a ela um programa de TV — sim, com um piloto de verdade.
  • A Columbia Pictures flertou com um filme live-action, antes que o bom senso (ou cortes no orçamento) cancelassem a ideia.
  • Ela estrelou alguns episódios do anime Sega Hard Girls
  • E em 2022, a Sega chegou a tuitar que estava fazendo um filme live-action do Space Channel 5 junto com a Picturestart.

Verdade que desde então não tivemos outra noticia sobre isso, e conhecendo a organização da Sega provavelmente eles nem lembrem mais, ou talvez ainda estejam escalando o papel de "Disco Alien #4". O que eu sei é que Ulala continua viva no paraíso dos produtos. Estamos falando de:

  • Ímãs de waifu (sim, é sério),
  • Várias bonecas da Good Smile Company,
  • Seis bonecos de ação diferentes da Palisades Toys em 2001,
  • Um que até veio com uma lancheira de edição limitada (porque existe jeito melhor de carregar seu sanduíche de tristeza do que em uma lancheira neon com uma repórter espacial que dança para afastar a opressão?)

Então, sim. Space Channel 5 é assumidamente idiota. Ele sabe que é estúpido. Ele abraça a estupidez. E, de alguma forma, isso se torna seu combustível mais poderoso. Sinceramente, eu meio que o considero o avô espiritual de Katamari Damacy — aquela mesma energia japonesa crua e sem filtros, do tipo "que porra é essa que to vendo?", que te deixa piscando para a tela em choque, E então, antes mesmo de você processar o que era isso, ele se vai — marchando em direção ao pôr do sol com uma conga de civis resgatados .


Nos anos 90, a Sega era BFF com Michael Jackson, com o astro do pop participando da produção de MOONWALKER e iria fazer a trilha sonora de SONIC 3 porém cortou laços com o cantor após as acusações da metade da decada. Space Channel 5 foi quando a Sega reatou laços com o Rei do Pop, sendo que ele gravou os gritinhos e duas falas para o jogo

Space Channel 5 é um dos jogos mais idiotas que já joguei na vida — e digo isso como um elogio da mais alta ordem. A jogabilidade é fina como papel e a trama beira o inexistente. Mas eu não fiquei entediado, nem por um segundo. Eu estava ocupado demais tentando compreender a bobagem que se desenrolava na minha frente. Hipnotizado demais pelo puro comprometimento com a tolice.

E por isso eu tiro meu chapéu.
Eu os saúdo, Sega.
Seus loucos.
Bravo.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 152 (Junho de 2000)


EDIÇÃO 155 (Setembro de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 073 (Abril de 2000)


EDIÇÃO 077 (Agosto de 2000)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 050 (Janeiro de 2000 - Semana 4)