quinta-feira, 8 de maio de 2025

[#1469][Out/2000] SKIES OF ARCADIA (ou "Eternal Arcadia" no Japão)


A década de 90 foi um pêndulo em pleno movimento. Após a infantilização forçada e comercialização sem o menor viés artistico da midia na década de 80 — quando até as franquias mais sangrentas foram desmembradas em desenhos animados para crianças —, os anos 90 voltaram com tudo. Esta foi a era do grimdark, onde tudo tinha que ser cru, melancólico e edgelord para ser levado a sério. O ar cultural estava carregado de sobretudos e angústia. THE CROW era um ícone messiânico. TODD MCFARLANE'S SPAWN pingava correntes e fogo do inferno. Nem mesmo o Superman estava seguro — THE DEATH AND RETURN OF SUPERMAN não foi apenas um golpe de marketing; foi uma declaração: A esperança está morta, vida longa aos edgelords.

Nos jogos, a mesma mudança estava em andamento. Mascotes como Sonic e Earthworm Jim deram lugar a jogos estrelados por solitários melancólicos, soldados devastados pela guerra e anti-heróis relutantes. Final Fantasy VII se tornou o novo padrão ouro dos RPGs com suas cidades em ruínas, floristas mortas e tons corporativos apocalípticos. Os desenvolvedores eram praticamente alérgicos a cores vibrantes e protagonistas sorridentes. Se o seu personagem principal não tivesse um passado misterioso e uma espada tão grande quanto ele, ele seria um herói de verdade?


Mesmo no Japão, essa onda sombria atingiu com força. O terceiro impacto emocional foi Neon Genesis Evangelion, uma série que quebrou as convenções dos animes e reconfigurou as expectativas de uma geração inteira sobre o que um protagonista deveria ser. Shinji Ikari não estava apenas relutante — ele estava quebrado, paralisado por traumas e desespero existencial. Aquilo não era apenas uma história — tornou-se um projeto. De repente, todo herói tinha que sofrer. Todo mecha tinha que sangrar. Toda narrativa precisava de uma quarta parede para quebrar e um Deus para matar. E, claro, a narrativa ficou mais rica em alguns aspectos — mas alegria? Alegria pura e despreocupada? Isso se tornou visto com desconfiança. Quase tabu.

É por isso que tenho GRANDIA como um jogo tão querido ao meu coração. Esse é um jogo que não tenta transformar a aventura em algo serião e trevoso, é algo que a celebra. É um jogo sobre a experiencia de ser um jovem de olhos arregalados, sonhar com terras inexploradas e ruínas antigas, e sorrir ao fazê-lo. Justin, o seu protagonista juvenil, não estava sobrecarregado por legados ou traumas — ele apenas queria explorar. E isso bastava.

Eu não acho que é assim que se segura uma espada, mano

Skies of Arcadia bebe dessa fonte. Numa década em que todos torciam o nariz para o conceito de se maravilhar em uma aventura, ele ousou subir em uma nave e perseguir o horizonte. Isso sozinho torna esse jogo especial. É um ode a um sentimento que os anos 90 quase engoliram e os anos 2000 sepultaram com couro preto.

Skies of Arcadia se passa em um mundo de continentes flutuantes suspensos em um céu infinito, onde oceanos são feitos de nuvens e aeronaves dominam os céus. É um cenário que parece tirado diretamente de um romance de aventura pulp, mas pintado com os tons vibrantes de um desenho animado de sábado de manhã — da melhor maneira possível. Este é um mundo ainda cheio de mistério, onde lendas são reais, ilhas escondem segredos ancestrais e feras colossais — chamadas Gigas — ainda podem abalar os céus.


Você joga como Vyse, um jovem "Blue Rogue" — um pirata do céu com um coração de ouro e um sorriso que nunca desiste. Ele não é um herói traumatizado, nem assombrado por uma história trágica. Ele é apenas um bom garoto com uma espada e um navio voador, pronto para conquistar o mundo. Em uma era em que os heróis de JRPG estavam se tornando cada vez mais danificados e distantes, Vyse era uma lufada de ar fresco e de alta altitude. Ele gosta de ser um herói. Ele curte a aventura. E ele sorri — muito.

Ao lado dele está Aika, sua amiga de infância e parceira na pirataria. Ela é impetuosa, engraçada e extremamente leal — o tipo de personagem que traz emoção a cada cena em que participa. Aika não está lá para ficar em segundo plano ou ser relegada pelo crescimento do herói — ela está lá para chutar traseiros, fazer piadas e puxar Vyse de volta quando seu idealismo começa a se transformar em otimismo irresponsável.

E então temos Fina, a waifu de fala mansa de uma civilização perdida, cuja missão de impedir a ressurreição de superarmas ancestrais dá à trama sua espinha dorsal narrativa. Fina é a âncora emocional do grupo — um contraste sutil com a ousadia de Vyse e a audácia de Aika. Mas ela não é uma donzela passiva; seu arco é de coragem e escolha de encontrar uma família em vez do dever.


Juntos, esse trio forma um grupo que não é apenas funcional — eles são genuinamente divertidos de se conviver. A química entre eles é natural. As brincadeiras são leves, mas sinceras. E, ao contrário de tantos RPGs da época, onde os membros do grupo são portfólios de traumas ambulantes, esses três são definidos pela vontade de fazer as coisas melhores, não pelas feridas.

Só que o que torna Skies of Arcadia especial é que esse tom leve e aventuresco é integrado a sua mecânica de jogo. A maioria dos JRPGs trata o mapa-múndi como uma tela de carregamento glorificada — apenas um espaço para percorrer entre masmorras e cidades. Não aqui. Em Skies of Arcadia, o mapa-múndi É o jogo. Não é apenas uma forma de viajar — é um convite à exploração.

Sua nave não é apenas uma forma de desbloquear acesso a novas areas do mapa-mundi (embora seja isso, conforme você evolui ela ao longo do jogo), é sua ferramenta de exploração. Em vez de compactar a geografia em dois planos como a maioria dos RPGs, o jogo se inclina para a escala — há uma sensação de altitude, vento e direção enquanto você navega entre continentes flutuantes, bancos de nuvens e correntes celestes. Você não está viajando rapidamente do Ponto A ao B. Você está traçando um curso através de um espaço aéreo desconhecido, desviando de tempestades, lutando contra baleias celestes e descobrindo ruínas antigas escondidas atrás de paredões rochosos ou em altitudes perigosas.

As cenas da imaginação da Aika quando ela ouve falar de terras estranhas com costumes exóticos são muito fofinhas

É aqui que a maior mecânica do jogo brilha: Descobertas.

Espalhados pelos céus, há dezenas de locais escondidos — estátuas místicas, feras marinhas gigantes, destroços ancestrais, ilhas impossíveis — que existem apenas pela alegria de encontrá-los. Sem ganchos obrigatórios para a trama. Sem lutas contra chefes. Apenas você, sua bússola e sua curiosidade. Alguns são excêntricos (um peixe que nada pelo céu), outros são assustadores (o esqueleto de um pássaro colossal) e outros são simplesmente incríveis. Mas todos eles compartilham uma verdade simples: recompensam os jogadores por se perguntarem o que há para ver.

Anos antes de Marvel Spider-Man refinar o conceito a excelencia, Skies of Arcadia transforma o mapa-múndi de um espaço de transição em um lugar vivo e pulsante. Um espaço onde o espírito de aventura não é contado apenas por meio de diálogos — ele está inserido no loop de gameplay. Isso se conecta diretamente ao tom do jogo: em um mundo obcecado por destino e dever, Skies of Arcadia nos lembra o quão poderoso é simplesmente querer ver o que está além do horizonte.

Os combates de nave são interessantes: sua nave tem uma única barra de life (assim como o adversário), mas cada membro do grupo pode escolher uma ação (que gasta spirit, que é compartilhado para todos). Recrutar membros adicionais para sua tripulação desbloqueia comandos novos.

Até mesmo o sistema de combate — embora falho — ecoa essa sensação de camaradagem e escala. Batalhas navais são eventos grandiosos e cinematográficos, onde sua tripulação trabalha em conjunto para disparar canhões, se preparar para ataques e lançar manobras ousadas. Não são rápidas, mas fazem você se sentir como se estivesse comandando algo gigantesco. E em batalhas regulares, os personagens se coordenam em combos especiais e super movimentos que destacam seus laços, e não apenas seus níveis de poder.

A mecânica serve ao tom. Este é um jogo que acredita no desejo do jogador de explorar, se conectar, ter esperança — e cria sistemas que recompensam você por fazer exatamente isso.

As cores e icones no grid quando vc escolhe as ações da nave representam o fluxo do movimento aereo, indicando quando o inimigo está mais vulneravel e quando ele vai atacar mais pesado

No papel, Skies of Arcadia parece uma mistura dos sonhos. Pegue o otimismo sem limites e a energia jovial de GRANDIA — onde o mundo é seu playground e a exploração é sua própria recompensa. Combine isso com o amor por escala de GENSO SUIKODEN 2, onde recrutar aliados e construir uma base não é apenas um recurso, é o coração emocional da jornada. Em seguida, tempere com uma pitada de fantasia pirata, anos antes de Assassin's Creed IV: Black Flag tornar isso moda novamente. O que você ganha é algo raro: um RPG que faz ser um pirata parecer o caminho mais heroico, emocionante e gratificante que se possa imaginar.

Você não é um canalha ou um assassino. Você é um Blue Rogue, o tipo bom de pirata — o Robin Hood dos céus. Você ataca o império do mal, liberta vilas e reúne desajustados e sonhadores que acreditam em algo maior do que eles mesmos. E à medida que o jogo avança, sua humilde aeronave ganha uma fortaleza aérea completa, completa com alojamentos para a tripulação, conveses de armas e até mesmo um elenco bizarro de especialistas que dão vida à sua base — de cozinheiros e engenheiros a esquisitos com passados ​​questionáveis.


Isso não é apenas um fluff — é mecanicamente satisfatório. Recrutar novos membros da tripulação concede melhorias no combate naval e nas batalhas terrestres. Melhorar sua base muda sua aparência. Seu pequeno grupo de azarões lentamente se torna uma nação flutuante, e você se sente como o capitão carismático que a une. A comparação com GENSO SUIKODEN 2 não é apenas adequada — é merecida. Há a mesma sensação de família encontrada, de construir algo do zero, de conquistar seu exército, uma alma de cada vez.

Também é impossível não traçar uma linha para Assassin's Creed IV: Black Flag. A sensação de liberdade arrebatadora, o mapa-múndi impulsionado pela descoberta e a guerra entre navios daquele jogo são a evolução natural do que Skies of Arcadia já fazia em 2000. A diferença? Skies tinha uma alma que não tinha medo da sinceridade. Não se minava com um distanciamento irônico nem transformava seu herói em um anti-herói trágico. Vyse queria ajudar as pessoas, queria mudar o mundo — e o jogo acreditava que ele podia.


Se tudo isso faz Skies of Arcadia parecer um dos melhores JRPGs já feitos... bem, é porque quase é. Ele tem a alma de um clássico. Seu coração está no lugar certo — graças em grande parte à sua lendária produtora, Rieko Kodama, a rainha dos RPGs clássicos da Sega, cuja influência está em todo o carinho e criatividade do jogo. Mas a execução nem sempre corresponde ao sonho.

Na verdade, a comparação com Assassin's Creed IV: Black Flag vai além dos temas compartilhados. Assim como Black Flag é um simulador de piratas fenomenal desajeitadamente acorrentado ao peso e à bagagem da marca Assassin's Creed, Skies of Arcadia é uma brilhante aventura de piratas aéreos presa dentro de um "enredo de anime" clichê.

Você sabe qual é: um império maligno do mal que odeia o bem quer reviver antigas armas de destruição em massa. Você deve coletar seis cristais elementais para detê-los. Cada cristal é guardado por uma masmorra temática diferente. Uma garota misteriosa detém a chave para tudo. Você já viu esse enredo centenas de vezes, mesmo quando Skies foi lançado em 2000.

Não é até metade do jogo que você ganha um ataqeu em area efetivo para lidar com grandes grupos de inimigos, até lá só matando um por um e isso demooooora

Para ser justo, a escrita tem charme — principalmente os diálogos entre o trio principal —, mas os principais pontos narrativos são puro filler, sem a sagacidade ou a subversão necessárias para elevá-los. Os vilões são em grande parte esquecíveis, com apenas algumas exceções. E o pior de tudo, a história raramente surpreende. Em um jogo sobre descoberta e maravilhamento de um mundo perdido e misterioso, Skies não tem muito a surpreender realmente — bonito de se ver, mas narrativamente raso.

E o jogo não ter nada a dizer não seria um problema se o jogo não exigisse tanto tempo do jogador. Mas entre  masmorras, batalhas aleatórias repetitivas e o ritmo glacial do combate naval, você sente cada hora. O enredo não tem a profundidade necessária para justificar a duração e, embora o charme do mundo carregue grande parte da carga, eventualmente a fórmula começa a mostrar cansaço.

Em outras palavras: Skies of Arcadia tinha todos os ingredientes para ser ótimo, mas o que saiu do forno estava um pouco malpassado. De todas as coisas que trouxeram Skies of Arcadia de volta à realidade, nada é mais impactante do que seu ritmo.


Para você ter uma ideia de como o problema é grande: Skies of Arcadia: Legends — a versão Directo's Cut para GameCube — fez cortes na taxa de encontros em relação ao lançamento original para Dreamcast... e ainda é um encounter rate absurdamene alto. Isso é um redflag colossal de como a execução do jogo não estava no mesmo pé que suas tão nobres ambições - e um sinal de alerta do tamanho de um dirigível em chamas de que alguém, em algum lugar da Sega, superestimou seriamente quanto tempo queríamos gastar lutando contra águas-vivas celestes.

As batalhas aleatórias são constantes, ao ponto do absurdo. Quer cruzar uma região do céu para encontrar uma Discovery? Batalha. Virar um pouco bruscamente? Batalha. Tentar pousar em uma ilha? Batalha surpresa. Você sabe que a frequência está errada quando começa a planejar suas rotas no jogo com base em qual direção causará menos interrupções, não em qual caminho faz mais sentido.

E isso não seria tão ruim se o combate fosse rápido. Mas, ah, não — este sistema de combate é lento como melaço em um dia frio no espaço aéreo valuano. Cada animação — seja um golpe de espada básico ou um feitiço — vem com um toque dramático, movimentos de câmera, tempo de conclusão e falas de voz. Na primeira vez, é encantador. Na décima vez, é tolerável. Na centésima vez... G-ZuZ...


O triste é que dá para perceber que os desenvolvedores se esforçaram. As animações são refinadas, os efeitos de ataque são bons e cada personagem tem movimentos únicos. Mas os designers não encontraram o equilíbrio entre estilo e velocidade — e, como resultado, as batalhas são lentas. Não é estratégico. Não é tenso. É apenas lento.

Agora, adicione isso a um jogo com 40 a 50 horas de duração, com uma alta taxa de batalha aleatória, e você verá onde este dirigível começa a perder altitude rapidamente. Ele atrapalha ativamente a melhor parte do jogo: a exploração. Você ficará olhando para o minimapa com pavor, sabendo que a cada poucos segundos seu navio voador será interrompido por outra horda de piranhas celestes.

Se Skies é uma carta de amor à aventura, esta é a parte em que ele esquece o passaporte e fica preso na alfândega. No fim das contas, Skies of Arcadia é um JRPG funcional em um console que estava faminto pelo gênero. No Dreamcast — onde os fãs de RPG tinham que revirar as lixeiras pra achar um jRPG pra chamar de seu — Skies não era apenas uma refeição, era um banquete. Mesmo com suas falhas, ele se destacou como um épico ambicioso e colorido em uma era que se tornava cada vez mais sombria e cínica. Não foi perfeito. Nem perto disso. Mas ao menos ele tentou — e isso importa.

O jogo tem esse modo em primeira pessoa apenas para um tipo especifico de colecionavel... e essa cena.

Você pode ver seu DNA ecoar em jogos melhores e mais refinados que se seguiram. Assassin's Creed IV: Black Flag pegou a fantasia pirata e aprimorou-a. Granblue Fantasy (e seus derivados de MMORPG) adotou a vibe de aventura em "ilha flutuante" e a elevou com narrativas mais ricas e mecânicas mais fluidas. Esses sucessores espirituais aprenderam com as melhores ideias da Skies e as implementaram. Mas a Skies fez isso primeiro — com coração.

SoA sonhou com um mundo onde ser um aventureiro significava alegria, não trauma. Onde sua tripulação não era apenas composta por membros do grupo, mas uma família que você construía do zero. Onde a exploração era sua própria recompensa. E onde o céu não era o limite — era o começo.

Não profundamente terrível, mas eu tenho que dizer que odeio essa camera em dungeons que não mostra pra onde vc está indo

Infelizmente, se o jogo parece inacabado, é porque estava. O caos interno e financeiro da Sega durante os últimos anos do Dreamcast forçou a equipe a lançá-lo antes que o polimento estivesse completo. Com um pouco mais de tempo, um ritmo mais preciso e um roteiro mais afiado, Skies of Arcadia poderia ter sido um titã. Em vez disso, é um clássico cult — falho, amado e lembrado com carinho pelo que poderia ter sido, especialmente em uma sequencia que nunca veio.

Ainda assim, mesmo que cruze a linha de chegada capengando, Skies voa mais alto do que a maioria dos jogos jamais ousaria voar.

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