Huh, aparentemente estamos numa era de ressucitar arcades em remakes modernos (modernos para 1999, isso é). Tivemos nessa época relançamentos de novas versões de CENTIPEDE, SPACE INVADERS, MISSILE COMMAND e agora temos Asteroids. Era moda naquele tempo, eu suponho.
Seja como for, o ano era 1979 e a Atari não estava nada feliz. O maior sucesso dos videogames de todos os tempos até então — o que não era muita coisa, games existiam a menos de uma decada — estava lá fora, devorando moedas como se sua vida dependesse disso. Esse jogo, claro, era SPACE INVADERS. Estava em toda parte. Crianças matavam aula para jogá-lo, fliperamas imprimiam dinheiro e os pais provavelmente desenvolveram zumbido devido aos sons incessantes de pew-pew-pew. Só tinha um problema, do ponto de vista da Atari: não era um jogo da Atari.
Ergo, a Atari estava putassa. Lá estavam eles, pioneiros do entretenimento pixelado, assistindo a outra pessoa lucrar com a febre das invasões alienígenas. Então, no verdadeiro estilo de como mega corporações funcionam, eles reuniram seus designers, apontaram para a concorrência e gritaram: "Façam nosso próprio Space Invaders!"
E foi aí que as coisas ficaram... interessantes.
O plano da Atari para seu próximo grande sucesso era um jogo chamado Cosmos, que — surpresa surpresa — era basicamente SPACE INVADERS com algumas pedras flutuantes espalhadas para um efeito dramático. O engenheiro da Atari, Lyle Rains, que estava desenvolvendo o conceito, não ficou exatamente entusiasmado com a abordagem "Space Invaders, mas um pouco diferente". Com o que ele ficou interessado, no entanto, foi com a ideia de se aprofundar mais na coisa dos asteroides.
O conceito central mudou: o jogador agora pilotaria uma nave espacial através de um campo de asteroides, tentando não se transformar em poeira espacial. Você atirava e pontos eram concedidos por explodir o máximo de rochas espaciais possível enquanto desviava das demais — esse ainda era um arcade de 1979, afinal.
Percebendo o potencial, Rains chamou o designer e programador da Atari, Ed Logg, para dar apoio. Logg gostou do que viu, mas sentiu que ainda faltava um certo algo mais na coisa toda. Felizmente, Rains e Logg tinham uma história em comum: eles se formaram em Stanford, onde tiveram acesso tanto ao Spacewar! quanto ao Galaxy Game (essencialmente uma versão de Spacewar! que rodava com moedas). O que pegou eles foi a coisa da inércia realista — tanto quanto era possível para a época, isso é.
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Spacewar, um dos primeiros jogos ever que foi popular nas universidades americanas nos anos 60 |
Mas se você vai mexer com a mecânica newtoniana, precisa de visuais nítidos para combinar. Logg percebeu logo no início que os gráficos raster padrão da época simplesmente não eram suficientes. A resolução era muito grossa, muito rudimentar — como desenhar constelações com giz de cera. Então, ele buscou gráficos vetoriais, que ofereciam linhas nítidas e limpas e maior resolução. Felizmente, a Atari já vinha se aventurando na tecnologia vetorial com seu recente jogo de arcade, Lunar Lander, então a base de hardware já estava pronta.
Lunar Lander, abençoado seja seu coração obcecado por gravidade, nunca foi destinado à realeza dos fliperamas. Não arrecadou moedas o suficiente nem gerou o burburinho de outros títulos da época, mas provou uma coisa muito importante: o Gerador Vetorial Digital (DVG) da Atari não era brincadeira. As linhas eram limpas, a física era precisa e o potencial explosivo.
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Lunar Lander, arcade da Atari do começo de 1979 |
Entra Howard Delman, engenheiro da Atari e o cara que já havia se aprofundado em circuitos vetoriais para Lunar Lander. Quando chegou a hora de usar o DVG para Asteroids, Delman foi encarregado de dar um pouco mais de potência ao hardware. Mais do que apenas gravidade e pousos suaves — desta vez, eles precisavam de lasers, colisões e explosões. E isso, caro leitor, era a dose de ousadia precisava para transformar a engine de Lunar Lander em um hit gigamundial.
E desde as primeiras versões do jogo, Delman sabia que tinha um sucesso em mãos? Simples: durante o desenvolvimento, os funcionários da Atari faziam fila na máquina protótipo para jogar apenas mais uma partida. Os desenvolvedores tinham que fisicamente retirar os funcionários da Atari só para continuar trabalhando no jogo. Isso não é sinal de um bom jogo — é sinal de um fenômeno nascendo.
Quando Asteroids estava pronto para ser lançado, a demanda foi imediata e avassaladora. Tão avassaladora, na verdade, que a Atari freou completamente a produção do Lunar Lander só para liberar gabinetes para os Asteroids. Curiosidade: as primeiras ~200 máquinas Asteroids enviadas eram literalmente gabinetes Lunar Lander disfarçados, repintados para acompanhar a febre dos donos de fliperamas leigos que não saberiam diferenciar um jogo do outro.
Quando essas máquinas chegaram aos fliperamas foi o caos. Os fliperamas tiveram que fazer gambiarra nos arcades para aumentar o tamanho das caixas de moedas porque os jogadores estavam sicando tantas moedas que as caixas não conseguiam dar conta. Asteroids não era apenas popular — era um verdadeiro buraco negro operado por moedas.
O que levou a uma questão polemica: Asteroids foi maior que SPACE INVADERS? Isso ainda depende de para quem vc pergunta, pq não é como se numeros de arcades de 1979 fosse uma ciencia exata. O que sabemos é que os dois jogos podem ser colocados lado a lado em vendas e popularidade. Ambos eram enganosamente simples. Ambos eram viciantes pra caramba. E ambos tinham aquelas trilhas sonoras icônicas e enervantes que aceleravam conforme a jogabilidade se intensificava, numa época que trilhas sonoras dinamicas ainda eram uma coisa inédita.
Como eu disse, a mecanica parece inicialmente simples: o jogo te joga no vácuo frio e indiferente do espaço — armado com uma nave espacial, um blaster de disparo frontal. Você começa bem no centro da tela, cercado por um tranquilo campo de estrelas... e então, bum, lá vêm as gigantescas rochas da morte.
Sua nave é equipada com propulsores que são a primeira implementação de controles de tanque em videogames, e você tem um suprimento ilimitado de munição, o que é um conforto raro em um jogo tão implacável. O objetivo é simples: não morra. Colida com um asteroide e você explode em uma nuvem de detritos espaciais. Faça isso três vezes e o jogo acaba, classic arcade shenanigans.
Mas o verdadeiro brilhantismo de Asteroids está na complexidade enganosa de sua física. Atire em um asteroide grande e ele não desaparece em um satisfatório estrondo pixelado. Não, ele se divide em dois asteroides menores e mais rápidos, e é aqui que o motor de física realmente se destaca: esses fragmentos obedecem a impulso, inércia e aceleração semirrealistas — o que significa que eles continuam flutuando e ricocheteando pela tela.
Se você eliminar aqueles pedaços médios, ótimo, agora você tem asteroides ainda menores e mais rápidos. É uma reação em cadeia de caos crescente, e sua nave espacial fica presa no meio disso com controles que tem que lidar com a inércia do espaço.
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O remake para Nintendo 64 manteve a mesma mecanica e adicionou power ups, mas também gráficos que ficaram uma bosta de enxergar o que está acontecendo na tela |
Como se desviar de uma tempestade de pedras espaciais em constante multiplicação já não fosse estressante o suficiente, Asteroids aumenta a aposta com outro incômodo cósmico: discos voadores. Esses caras aparecem em intervalos aleatórios planando horizontalmente — ou às vezes diagonalmente — pela tela com um único propósito: arruinar o seu dia. Eles atiram descontroladamente na sua nave ou simplesmente colidem com você como motoristas espaciais bêbados.
Felizmente, o universo é justo o suficiente para te dar um descanso de vez em quando. Os discos voadores não são invencíveis — eles podem ser destruídos não apenas pelos seus tiros, mas também, alerta de justiça poética, colidindo com asteroides. E deixe-me dizer, poucas coisas no início da história dos fliperamas são tão satisfatórias quanto assistir a um pequeno disco voador arrogante ser esmagado pelo próprio campo de destroços que tentava atravessar. É puro schadenfreude pixelado — possivelmente o primeiro videogame a te recompensar emocionalmente por algo que você não fez. Um verdadeiro marco no design de jogos "não é problema meu".
E então tem o botão de hiperespaço — um botão de emergência emprestado diretamente de Spacewar!. Quando você aperta, sua nave desaparece e reaparece em outro lugar na tela aleatório na tela. O que parece um excelente negócio, exceto que a parte do aleatório é muito real: há uma chance de você se rematerializar dentro de um asteroide, na frente de um laser inimigo ou — só porque o jogo pode — na rota de colisão de um aerolito. Não é algo que pode, nem deve, ser usado levianamente
Então, entre o caos da multiplicação de asteroides, discos voadores assassinos e teletransporte potencialmente suicida, Asteroids é uma aula magistral do que fazia os primeiros fliperamas funcionarem: enganosamente simples, mecanicamente elegante e implacavelmente punitivo. Ele te dá uma nave, algumas pedras, um ou dois discos voadores rápidos no gatilho e um motor de física que alegremente assistirá você espiralar em direção à sua própria ruína. E é isso. Esse é o jogo. Essa é a magia.
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