segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

[SEGA CD] POWERMONGER (originalmente lançado no Amiga em 1990)[#598]


 Em 1992 algumas pessoas já haviam visto o potencial dos jogos 3D para os videogames... exceto a Sega, é claro... e tentaram fazer isso acontecer. Claro que o hardware disponível na época não era sequer perto do necessário e tivemos experiencias tenebrosas nível RACE DRIVIN. Uma das pessoas que ficou fascinadas por essa possibilidade foi o megalomaniaco e mitomaniaco dos games, Peter Mollyneux que estava em sua cruzada de fazer o jogo mais realista em níveis de complexidade que ninguém mais pensou.

Peter queria fazer um jogo 3D em 1992, mas meio que não tinha como isso funcionar com o equipamento da época. O mais perto disso que ele pode fazer foi pegar seu jogo pré-existente, o god simulator (em que você literalmente é Deus) POPULOUS e fazer uma versão simplficada dele: uma que o foco fosse apenas o combate. E como você já pode imaginar, "simples" não é uma palavra que Peter Molyneux realmente trabalha bem. Or at all.

Como o próprio Peter descreveu para as revistas da época quando estava promovendo Powermonger, "PowerMonger é essencialmente um jogo de guerra. Mas, ao contrário dos tradicionais jogos de tabuleiro ou de computador desse gênero, criamos algo que existe em tempo real, onde você pode fazer quase tudo o que quiser."

Em um Amiga, em 1992? De alguma forma eu tenho um mal pressentimento sobre isso.

A capa da versão para Sega CD é apenas uma fração da ilustração da versão original para Amiga, que é bem legal na verdade



Agora, vamos deixar uma coisa clara: eu não tenho medo de dedicar horas e horas a um jogo. Eu não poderia amar RPGs se não o fizesse. Cumulativamente, passei mais de 300 horas jogando jogos com 'Persona' no título e apenas no último mês mais de 30 horas jogando FINAL FANTASY 6

Se alguma coisa, os alarmes soam é se um RPG durar menos de 20 horas. Alguns jogos exigem compromisso, porém essa exigencia é uma estrada de mão dupla: eu te dou meu tempo, e em troca o jogo tem introduzir novas idéias lentamente e não me bombardear com trocentas muitas mecânicas de jogo muito cedo. A gente tem tempo, vai com calma tigrão!

Os melhores jogos começam acolhedores, mas terminam complicados quando todas as ações exigidas já lhe são instintivas e naturais. E eu não sou um fã de tutoriais, eu os acho absurdamente chatos. Quer me ensinar alguma coisa? Coloque no jogo com calma. Eu não quero ter que passar muito tempo lendo um manual para saber o que fazer quando aperto o Start. 



Pior de tudo, não suporto jogos de designers arrogantes demais que acham que não tem como alguém não entender obviamente o jogo impenetrável que eles criaram. E já adianto que é por isso que PowerMonger é exaustivo. Cada 'Let's Play' que vi no YouTube começa com o jogador totalmente confuso com o que deveria estar fazendo. As reviews da época são de meter medo: “Leva tempo para se acostumar com a forma como este mundo funciona" sugeriu a revista Amiga Format, não sem antes observar que as primeiras experiências com o jogo são descritas como "dor de cabeça e frustração". "Inicialmente, o jogo é um tanto confuso" a Atari ST User declarou, a EGM chamou de um "jogo muito longo e assustador".

É uma forma animadora de começar um jogo, hã? Quer dizer, olha o manual dessa coisa, apenas olha o manual!


Ele tem o dobro do tamanho do cartucho! Eu poderia aprender fisica quantica no tempo que eu aprendo a jogar esse jogo, eu poderia aprender japonês e estar pronto a dar comandos quando as cybermaidcatlolis forem lançadas! Eu sei que as crianças em 1992 não eram exatamente ocupadas ou tinham muitas opções de entretenimento, mas mesmo para a época demais é demais!

Enfim... PowerMonger é um mapa dividido em 195 seções e para completar o jogo você tem que dominar regiões suficientes para traçar uma linha do canto superior esquerdo ao inferior direito - ou seja, tem que abrir uma rota. 


"Ao se aventurar neste novo domínio, você terá que conquistar a lealdade daqueles que encontra por palavras de diplomacia ou força de armas", dizem as pomposas palavras do manual. Como jogador, você pode escolher matar os habitantes da cidade ou ser diplomático, poupando suas vidas enquanto captura suas terras, alimentos e armas. Um jogo moderno sem dúvida chamaria a atenção para as escolhas morais feitas, tendo a narrativa se adaptando para combinar com a vilania ou benevolência do jogador. A ideia não é ruim, realmente.

Na verdade, Molyneux chegou a afirmar que isso estava ocorrendo em ‘PowerMonger’. “Iniciar uma ação não é complicado, mas o resultado ou as consequências dessa ação podem ser. Por exemplo, se você clicar no ícone de Ataque e, em seguida, atacar uma ovelha sendo pastoreada por um pastor, esse não será necessariamente o único resultado. O pastor, querendo proteger suas ovelhas, pode atacar você, guardar rancor ou até mesmo colocar os outros contra você. O jogo pode reagir às suas instruções simples de uma maneira complexa."

Parece realmente incrivel na teoria, não? Um mundo complexo habitado por seres que fazem escolhas individuais... algo que mesmo os jogos de mundo aberto de hoje apenas sonham em fazer... me pergunto o quanto disso pode ser realmente entregue em um jogo de Amiga de 1992.

Para surpresa de absolutamente ninguém, a resposta dos NPCs à crueldade é basicamente que eles apenas te atacam se você atacar as coisas deles, mas tenho que dizer que achei sim que a diplomacia leva a um jogo mais fácil ... até porque é impossível recrutar soldados de uma vila se eles estiverem todos mortos.

Falando em vilas, para cada novo assentamento, você tem a escolha de quão implacável deseja ser. Se você se aproximar pacificamente, pode recrutar 25% da população e deixar a cidade de maneira relativamente pacífica. Isso significa que eles continuarão a reunir recursos que podem ser adquiridos em uma data posterior. Uma abordagem neutra recruta metade dos cidadãos enquanto a agressão pode expandir significativamente seu exército, mas não deixará ninguém para construir recursos. 


Na teoria, a melhor abordagem para ‘PowerMonger’ é equilibrada. Você precisa estar atento às necessidades atuais e futuras do seu exército. Expanda muito rapidamente e você não será capaz de alimentar seu exército, mas uma força muito pequena não permitirá que você tome novos territórios com sucesso. De acordo com os desenvolvedores, o jogador "deve aprender a equilibrar o uso da força com moderação, e considerar os requisitos do dia com as necessidades dos dias que virão. Só então você será o melhor Power Monger".

Mais uma vez, na teoria é muito bonito e profundo (como Molyneux sempre promete que os jogos dele serão). Na prática... heh...


Na prática, a teoria é outra. Isso tudo é excessivamente complicado e a abundância de ícones na tela tornam o jogo intransponível sem fazer uma cadeira em estudar o manual. Mas uma vez que você entende como jogar efetivamente o jogo... a realidade é que 'PowerMonger' é um jogo monótono que consiste em micro gerenciamento. 

O jogo é basicamente sobre atacar cidades. Molyneux pode se gabar de que um grande número de variáveis ​​afetam a vitória na batalha, mas a verdade é que você sempre vence se tiver mais homens do que o oponente no campo de batalha. E se seus homens não estiverem suficientemente armados, tudo o que você precisa fazer é encontrar uma cidade ocupada que tenha uma oficina; eles inventarão algo útil que será distribuído automaticamente às suas tropas. E... é isso o jogo, basicamente.

A verdade é que o grande foco do jogo não está no jogador, e sim nos pequenos detalhes que não fazem parte do gameplay. Cada cidadão tem seu próprio nome, comportamento e rotinas. Eles envelhecem, têm filhos e podem morrer por contra própria - de acidente, brigando uns com os outros ou mesmo de velhice. “Você pode ter até 2.000 personalidades individuais operando no mesmo jogo”, orgulha-se Molyneux. 

É interessante, mas... honestamente, não faz a menor diferença para o jogo em si. É completamente indiferente as ações que você pode fazer, que é tomar cidades e matar pessoas. Existem tantos pequenos detalhes e elementos de 'PowerMonger' que são alieníginas ao jogador que você pode ficar se perguntando por que Molyneux os incluiu no jogo. Ou porque isso sequer é um jogo, a impressão que dá é que Molyneux só queria fazer um "world simulator" e ficar olhando o que acontecia - você está ali de metido.

E o próprio Molyneux reconhece que ele cagou fora do penico em sua obsessão em criar um mundo vivo e autêntico, que esqueceu que ‘PowerMonger’ precisava ser um jogo também. “Eu fiz uma coisa louca como designer, pensei em realismo [...] pensei comigo mesmo: tem um pequeno país aqui e você pode mandar seus exércitos por aí, mas como eles recebem suas ordens? Eles não têm nenhum telefone ou rádio que deveria ser ajustado nos tempos antigos. Eu sei, vou enviar-lhes as ordens por pombo-correio! Quando você clica no mapa, o pombo-correio leva cinco minutos para voar para levar as ordens. Que desastre! Se eu tivesse percebido que isso não é tão divertido quanto clicar e ter seu exército indo, isso teria sido um jogo muito melhor"

"Muito melhor" é uma palavra forte, mas definitivamente seria um jogo menos pior, burocrático e travado. Adicione a isso um menu incompreensível, um gameplay toscamente simples e temos um jogo que deu errado em muitas, muitas maneiras.


PowerMonge’ é um jogo que deveria ter sido simplificado. Da pra fazer muitas coisas, mas a imensa maioria delas ou é inútil, ou é danosa ao jogador. Tipo a opção de pegar um capitão e fazê-lo espionar um exército inimigo. Embora possa produzir algumas informações úteis como o numero de soldados inimigos numa cidade, essa é uma informação importante - você não quer ser sobrepujado apenas porque de repente não param de sair bonequinhos das casas - eles vão matá-lo, o que o coloca em tal desvantagem que não vale a pena correr o risco. Sem um general, todos os outros capitães e os soldados que eles comandam tornam-se inacessíveis porque a cadeia de comando foi quebrada. Você perde aquela tropa inteira e foda-se você, então eu diria que não, não é uma aposta que valha a pena ser feita.

Ou então tem um comando que enviar seus soldados para casa, o que faz com que cada soldado retorne à cidade de onde ele foi recrutado. Por que alguém em sã consciência faria uma coisa dessas? Não, sério, pra que?


Muito parecido com o absurdo do pombo-correio, é louvavel a intenção de elogiar Molyneux por tentar adicionar realismo, mas no final das contas é prejudicial para a diversão. Definitivamente a sensação que se tem com esse jogo é que a parte do jogo foi apenas um inconveniente que Molyneux teve que adicionar na última hora porque não dariam dinheiro para ele fazer o seu world simulator de outra forma, então foi bem na base do "ai, tá bom, joga aí que saco"

Quanto mais você avança no jogo, mais percebe que, apesar do jogo parecer inicialmente complicado, você descobrirá rapidamente que cada novo mapa exige exatamente as mesmas ações. Na verdade, acontece que existe algo pior do que ser um jogo desnecessariamente complicado: é um jogo que não vale o tempo que leva para entender. Depois de passar algumas horas cruzando referências do manual manual e determinando quais comandos realmente valem a pena usar, agora eu entendo como jogar "PowerMonger". O problema é que, depois de todo esse tempo de estudo, o jogo é ruim de ser jogado.


E se você acha que esse é o ponto baixo do jogo, então agora é a hora que eu lembro de que tudo isso começou com Molyneux querendo "fazer um mundo vivo em 3D". Só que o Amiga não tem capacidade de gerar um mundo 3D, então como faz? Simples, coloca a tela uma janelinha pequena que mal dá pra entender o que está acontecendo na tela. 

Uau apenas uau, mas é um combo de bosta aqui, heim? Você tem um gameplay simplório e repetitivo, comandos inexcrutináveis, e para coroar tudo uma tela que você mal e mal consegue entender o que está acontecendo. Eu não conseguiria imaginar como esse jogo poderia ser pior mesmo que eu fosse pago pra isso.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 005