domingo, 6 de junho de 2021

[MEGA DRIVE] LEMMINGS 2: THE TRIBES (Outubro de 1993) [#700]


Seus punhos estavam ensanguentados, mas ele continuava socando ritmicamente contra a rocha. Ele não tinha escolha, estava literalmente no inferno e a única forma de escapar dessa maldição era quebrar vários metros de rocha pura usando nada senão apenas suas as mãos nuas. Pior ainda, o destino dos amigos, de sua família atrás dele também dependia de sua provação torturante. 

Finalmente, suas mãos nuas atravessaram a rocha, o ar fresco fluiu para o túnel apertado que ele havia cavado meticulosamente, mas seu alívio durou pouco. Do outro lado da rocha havia, de fato, a saída, a passagem a terra prometida. Para seu horror, entretanto, entre o Eden contado por incontáveis gerações de mamães Lemmings aos seus filhotes Lemminguinhos e o túnel de fuga recém-cavado no qual ele depositara todas as suas esperanças não havia uma inclinação gradual rumo a liberdade. Em vez disso, à sua frente havia uma queda uma dúzia de vezes maior que sua própria altura. 

Um fato pouco conhecido é que houveram ideias de fazer uma versão canadense de Lemmings, mas não deu muito certo enquanto jogo

Porém ele tinha que seguir em frente. Ele precisava, seguir em frente não importa o que aconteça. é o que Lemmings fazem afinal. O impulso levou a alma corajosa para a frente e, apesar de tentar agarrar qualquer coisa que pudesse impedir sua queda, era tarde demais. Ele despencou. Se ao menos ele tivesse um guarda-chuva, talvez a velocidade de queda não seria terminal.

Enquanto ele caía, entretanto, um som cortou as moléculas de ar tão rapidamente quanto o som o faz, o som retumbante de lajes de pedra sendo colocadas uma sobre a outra enquanto um construtor fazia uma ponte. Poucos instantes antes do fim um sorriso resoluto percorreu o pequeno rosto do Lemming em queda, a tribo estava salva.


Pelo menos a morte foi rápida para o corajoso herói de cabelo verde. Tudo acabou para ele no momento em que pousou de cara na rocha impiedosa. O impacto fez com que ele se desintegrasse em uma chuva de pixels cor de sangue.

Vamos pular agora muitos anos para a frente. Várias gerações se passaram e hoje os Lemmings vivem em paz em seu novo lar, cercados de nada senão conforto e tranquilidade. O bravo conto de como seus precursores haviam atingido a terra prometida se tornou uma lenda, e a lenda se tornou um mito. Os heróis que cairam na jornada foram deíficados, seu sacrificio jamais esquecido.

MAS... o tempo, aquela dama inclemente, o tempo nunca para e uma nova jornada em breve seria necessária. A profecia diria que uma grande era de trevas se abateria sobre a terra prometida, e em função disso eles fizeram um plano de contigencia: uma grande arca que levaria todos a um lugar de segurança.

Porém como profecias não são conhecias por serem cronologicamente precisas, muito tempo se passou e ao longo das gerações os Lemmings se espalharam pela Terra Prometido, eventualmente se tornando tribos inteiramente diferentes sem muito contato umas com as outras. Assim, cada uma das 12 tribos de Lemmings agora precisaria fazer sua jornada até a arca para então os Lemmings navegarem como um novamente.

Mais uma perigosa jornada se inicia, porém os Lemmings seguirão em frente sem reclamar. Porque eles são Lemmings, e seguir em frente é o que Lemmings fazem, afinal.


De todos os horrores, de todas as inúmeras e alguns diriam (especialmente eu) infindas abominações que o Amiga infringiu sobre o mundo, de todo terror que seus pavorosos jogos traumatizaram a raça humana uma coisa improvavelmente boa e pura nasceu, um jogo genuinamente bom nascido do coração podre do Amiga tal qual uma flor que desabrocha sobre um campo de batalha ensanguentado.

E o mundo percebeu isso, pois não é todo dia que algo genuinamente bom nasce das entranhas sangrentas do Amiga. De acordo com Mike Dailly, que projetou os sprites dos personagens originais, o Lemmings original vendeu mais cópias no primeiro dia do vários jogos de Amiga juntos tendiam a vender em todo o seu ciclo de vida de distribuição. 


Desnecessário dizer que, com um grande sucesso em seu currículo, a publisher quis tirar todo leite que podia dessa vaca. Primeiro, o jogo original com seus 120 níveis foi portado para todos os computadores e consoles conhecidos naquela época, até mesmo para alguns dos sistemas periféricos mais exóticos (SAM Coupé, alguém?). Em seguida, as versões mais populares de computadores domésticos (PC e Amiga, respectivamente) receberam uma expansão chamada "Oh No! More Lemmings!", que traziam 100 níveis adicionais, cada um mais difícil do que o mais difícil do primeiro jogo. Então vieram "Holiday Lemmings", novos níveis com tema de Natal lançados todo ano por volta do final de 1991, 1992 e 1993. Todos eles ainda usavam a mesma mecânica e principalmente os mesmos recursos do jogo original. 

E então, em 1993, eventualmente se seguiu uma verdadeira sequência. Embora não tenha sido tão amplamente portado como o primeiro jogo da série, ele viu um número decente de versões diferentes e, em 1994, também encontrou seu caminho para o Mega Drive e Super Nintendo, que é bomo esse jogo veio parar aqui.

Então, do que se trata o Lemmings 2? Mais uma vez, o objetivo do jogo é o mesmo: um bando de criaturas cai em um nível e imediatamente começa a correr da esquerda para a direita, alheios a qualquer perigo que possa haver. Água, ácido, armadilhas, até mesmo animais ou engenhocas estranhas - como uma bomba a vácuo que suga os Lemmings e depois os tritura - imediatamente mata as pobres criaturas. Caso colidam com uma parede ou obstáculo semelhante, eles se viram e caminham na outra direção. Para chegar à saída, você deve dotar os Lemmings individuais de certas habilidades que lhes permitam limpar os perigos e criar um caminho seguro para a saída. A boa e velha massa Lemmingueira que não para de cantar.

No mundo Shadow, a saída da fase é... uma TARDIS. Ok, kudos a esse jogo por ser a coisa mais britanica ever, isso tem que ser dito

Como você pode esperar de uma continuação, Lemmings 2 pega a mecânica original e a expande: em vez de limpar 30 níveis em quatro dificuldades diferentes (num total de 120 fases), agora você obtém 12 tribos diferentes com 10 estágios cada. 


Cada tribo tem seu próprio tema, como a tribo da praia, a dos esportes, a egipicia e por aí vai, cada uma com seus hazards próprios como bolas de tenis quicando e esmagando seus Lemmings na fase dos esportes ou lagos congelados na fase do gelo. O que é legal é que a maioria das tribos tem pequenas variações: os Lemmings das terras altas são ruivos em vez de ter o cabelo verde típico, enquanto os Lemmings de praia tem certo bronzeado, e a tribo das sombras está vestida de ninja. 

Porém o grande diferencial desse jogo, sua mecanica definidora é que cada tribo tem seu próprio conjunto de skills. Enquanto no jogo original haviam 8 skills que você podia equipar na sua massa Lemmingueira, agora existem mais de 50. Você só ganha 8 por nível do mesmo jeito (felizmente você não escolhe), mas o jogo seleciona quais de um pool de habilidade especifico a cada tribo.

Por exemplo, apenas a tribo do gelo tem a skill de esquiar (que serve para conseguir atravessar lagos congelados, senão os bonequinhos ficam escorregando e não saem do lugar) ou apenas a do esporte tem a opção da esgrima (que abre paredes como o basher do jogo original). E tem também a tribo clássica, que é exatamente a mesma do jogo anterior, dã. 


Claro que algumas habilidades são compartilhadas por várias tribos senão não tinha como o jogo andar (como construir pontes ou pular, por exemplo), mas não deixa de ser uma escolha interessante de que ao invés de ser um único jogo com 120 fases aqui você tem 12 jogos de 10 fases já que você está sempre aprendendo novas skills e brincando com elas. Essa é uma escolha de design que eu posso aprovar, definitivamente, já que por causa disso Lemmings 2 nunca parece cansativo apesar de ser um jogo longo.

Essa foi uma mudança que eu definitivamente gostei, as outras escolhas de design para esse jogo, entretanto... são menos do que estelares, vamos dizer assim.

No original, cada nível começava com uma certa quantidade de Lemmings (de de 1 a 99), dos quais você tinha que economizar uma certa porcentagem para passar com sucesso. Agora, porém, cada tribo sempre começa com 50 Lemmings e para completar a fase você precisa terminar a fase com um único Lemming.


Porém tem uma pegadinha aqui: cada Lemming que você salvou é levado para o próximo estágio; os outros estão perdidos para sempre. Portanto, se você terminar a primeira fase de uma tribo com apenas um Lemming, então você terá apenas aquele cara para as próximas 9 fases.

Na prática, isso quer dizer que as fases foram desenhadas tendo em mente você precisar de apenas um Lemming para terminar e para mim esse é o principal problema desse jogo, já que o que eu mais gostava do jogo anterior era que não era apenas sobre "dar um jeito" de chegar no final da fase na base de apertar o botão certo na hora certa e da gambiarra, você tinha que montar um caminho viavel para a galera toda chegar ao final.

Deus como eu odeio essa mecanica do ventiladorzinho que você usa para influenciar alguns poderes de Lemming, é muito imprático

Aqui não, mais frequentemente sim do que não, você não tem as ferramentas necessárias para fazer isso. Você não tem stoppers e pontes suficientes para controlar a multidão, e mais importante que isso, muitas fases (eu arriscaria dizer até mesmo a maioria) é completada apenas apertando o comando certo na hora certa. De alguma forma, Lemmings 2 é mais sobre reflexos e ação do que planejamento e aí complica amigo, não é sobre isso que Lemmings original era e é uma das coisas que eu realmente gostava naquele jogo.

Outro problema é a estrutura com a que o jogo foi montado. 

O jogo original tinha a curva de dificuldade perfeita: os primeiros níveis ensinavam as diferentes habilidades praticamente uma a uma, permitindo que os novatos entrassem no jogo facilmente sem parecer intrincado. Em Lemmings 2 não existe uma progressão linear, você pode escolher qualquer uma das 12 tribos e jogar as 10 fases dela.


O problema é que cada tribo sem skills únicas, e você não aprende as habilidades uma por uma, você tem que descobri-las desde o momento em que ouve o icônico "Let's go!" dos Lemmings. Você não encontrará nenhuma explicação de como uma habilidade funciona; você tem que descobrir por si mesmo. Isso pode ser bom quando você tem apenas oito habilidades no total, mas fica muito difícil manter as diferenças de 50 habilidades em mente.

Além disso, as habilidades são mais ou menos temáticas pero no mucho, fazendo com que as habilidades sejam menos intuitivas do que você poderia esperar, então até mesmo a tribo da praia usa canhões laser e mochilas a jato, o que torna dificil memorizar tudo já que qualquer habilidade meio uqe pode cair em qualquer tribo.

Mas o pior mesmo é que enquanto você pode eventualmente ter uma ideia do que cada uma das 50 habilidades fazem, ainda sim não tem como resolver o problema do jogo não ser linear na questão dificuldade. As tribos não são categorizadas em dificuldade, então você pode ter muito mais dificuldade em salvar todos os Lemmings no primeiro estágio espacial do que no cenário de praia, e o primeiro estágio de praia é muito mais difícil do que o egípcio, respectivamente. 


O que isso importa, em termos de level design, é que não existe uma curva bem definida em que a dificuldade se torne cada vez mais difícil. Você pode apenas dar azar do nada de cair numa fase dificil porque como o jogo não foi feito para ser jogado em determinada ordem a dificuldade das fases é toda spikeada. O resultado final é que isso não é uma experiencia agradavel ao jogador, um dos pilares do bom game design é imaginar a experiencia que o jogador vai ter e então moldar o jogo de forma a otimizar essa experiencia.

Pense no jogo como um filme, por exemplo. O diretor não pode apenas pegar e filmar as cenas que estão no script do jeito que elas estão escritas e foda-se. Não, ele tem que imaginar como está sendo a experiencia do espectador, o que ele está pensando, que conexões ele está formando com os personagens, que expectativas ele está criando e então moldar a narrativa (através de edição, enquadramento, timing) de modo a amplificar essa experiencia.

É por isso que a cena dos portais em Avengers Endgame é tão poderosa, e praticamente a mesma cena sem Star Wars IX é apenas patética. Não é tão simples assim.

Sério, manobrar com esse ventilador é muito ruim mesmo

E um videojogo funciona da mesma forma, você não pode apenas jogar as coisas lá e foda-se. Existe uma ordem para fazer as coisas e mesmo jogos que aparentemente não tem uma ordem, na verdade tem. Enquanto em Mega Man, por exemplo, é verdade que você pode fazer qualquer fase em qualquer ordem, o jogo te recompensa por fazer na "ordem certa" ao derrotar chefes e ganhar armas que serão mais eficientes contra o próximo - descobrir essa ordem é o charme do jogo, afinal. Isso é o que faz o design de Mega Man tão inteligente, porque parece que é bagunçado e feito de qualquer jeito, mas há um método na loucura.

Já Lemmings 2 não, é só feito de qualquer jeito mesmo e isso é menos legal. Lemmings 2 não é um jogo ruim realmente, porque ele foi construído sobre algo realmente bom e as ideias de expandi-la não são algo ruim per se, porém as escolhas de design tomada definitivamente me deixaram menos do que feliz. Existe um motivo pelo qual Lemmings é um dos maiores puzzles de todos os tempos e Lemmings 2... bem, a maioria das pessoas sabe que esse jogo existe.

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 002