[ARCADE/PS1/SAT] STREET FIGHTER: The Movie (Abril de 1995) [#715]
O vôo para a Tailândia foi longo. Stephen de Souza gostaria que fosse mais longo. Na década anterior, de 1982 a 1992, de Souza havia se firmado como um prodígio do roteiro. A maioria dos roteiristas não consegue UM sucesso de bilheteria: ele tinha uma dúzia, incluindo Commando, The Running Man, 48 Hours, e Die Hard 1 e 2. Yippee Ki Yay, motherfucker.
Como um verdadeiro criador de sucessos, o roteirista acumulou contatos e capital criativo suficiente para fazer o que tantos roteiristas de sucesso aspiravam antes dele e tantos outros aspirariam depois: se tornar um diretor. Mas em Hollywood, nada vem sem um preço. E se há uma lição nessa história, é essa.
Meses antes do vôo, o quarentão de nariz arrebitado e óculos grossos assinou seu primeiro contrato de diretor. Esse vôo deveria ter sido um momento de descanso, um último respiro após o árduo trabalho de pré-produção e o inicio das filmagens, um ultimo cochilo antes do avião pousar em Bangkok e começar a produção de um filme de U$ 30 milhões - o SEU filme de U$ 30 milhões. Devia ser um momento mágico com o qual ele sempre sonhou, apenas... bem, algo o estava incomodando.
De Souza ainda não tinha escalado a protagonista feminina.
O papel não poderia ser desempenhado por qualquer mulher. Ela tinha que ser bonita, forte e inteligente, e agora que a filmagem principal estava a poucas horas de distância, ela tinha que ser rápida para aprender as falas também. Ser australiana ajudaria, a produção seria mais da metade em Sydney e uma estrela local não apenas faria uma média com a equipe, mas facilitaria muito as coisas com os sindicatos locais e políticos locais que poderiam transformar sua vida em um inferno se ele não tivesse uma boa relação. Grandes produções normalmente tem um produtor executivo forte que resolve esse tipo de coisa, o produtor executivo é o cara que "faz as coisas acontecerem" por trás dos panos... e Stephen não tinha nada do tipo. Era Deus e ele no Outback.
Quando você é um cara começando, você tem UMA chance de ser um diretor de Hollywood com um orçamento milionário. Hollywood pode ter muitos defeitos, mas eles definitivamente amam seus milhões. E lá está você em seu one shot, sua uma oportunidade, como diria o Eminem "palmas estão suadas, joelhos fracos, braços estão pesados, já tem vômito no suéter dele, espaguete da mamãe".
É difícil se concentrar nas tarefas em mãos quando há tantas - muitas para contar. É difícil se concentrar em qualquer coisa, quanto mais em tudo, tudo de uma vez e em um período de tempo tão curto. Mesmo algo tão óbvio como escalar a estrela feminina de seu filme acaba sendo empurrado para o fim da programação. Você vai pensar nisso depois da sua próxima reunião, depois do próximo teste de elenco, no aeroporto, você vai encontra-lá no avião.
De Souza folheou a revista gratuita da companhia aérea e consultou o relógio. Será que ele conseguiria empurrar esse cast pra mais tarde?
Mas para entender como De Souza chegou nessa situação, é preciso voltar alguns anos no tempo.
Nossa história começa em 1993 e Street Fighter 2 é o maior sucesso que não apenas os videogames, qualquer midia já havia visto em qualquer tempo na história da humanidade. O joguinho de luta da Capcom não apenas tinha criado um genero inteiro de jogos, havia se tornado um fenomeno economico ao ponto que a Capcom nem sabia mais o que fazer com tanto dinheiro e, como não podia deixar de ser, cultural. SF2 estava nas camisetas, nos cadernos, nos bonecos, nos gibis, nas revistas de videogame (ah, como estava), nas conversas de patio de colégio. Não havia uma única pessoa da minha idade que não soubesse claramente o que é um shouryuken, mesmo as que não jogavam videogames.
Street Fighter 2 era um fenomeno, porém a Capcom queria mais. A ideia de transformar isso em um filme era inevitável. Porém o problema é que a Capcom não sabia a primeira coisa sobre fazer filmes, o que não é algo fácil de ser feito mesmo. Para sorte da Capcom, Hollywood sabia tudo sobre fazer filmes e sabia que esse tal de VIDJIGUEIMS era algo que movimentava bilhões de dolares por ano, rapidamente passando o cinema e a música JUNTOS como a indústria do entretenimento mais lucrativa ever. Hollywood queria um pedaço desse bolo, o problema é que seus executivos não sabiam a primeira coisa sobre VIDJIGUIMS. Para sorte de Hollywood, a Capcom sabia tudo sobre fazer jogos.
Parecia uma parceria feita nos céus.
Vendo essa oportunidade o produtor da Universal, Edward Pressman, tinha uma ideia de como fazer isso dar certo. Stephen de Souza era seu buddy de longa data, tendo escrito o roteiro de vários sucessos colossais hollywoodianos e ele sabia que de Souza queria ser um diretor. Pressman tinha o feeling que essa seria a oportunidade ideal, porque é como executivos rolam.
Os executivos da Capcom estavam com pressa para ter o primeiro filme pronto até o Natal de 1994 (Street Fighter estava começando a perder popularidade rapidamente, de modo que o filme tinha que sair pra ontem) - dali a cerca de um ano. De Souza, renomado como roteirista, mas não testado como diretor, era um risco nessa proposta mas ele tinha algo a seu favor: De Souza poderia lidar com as tarefas de roteiro, e em prazo tão apertado ter um diretor que consegue ele próprio lidar com o roteiro é um grande ponto positivo.
A Capcom concordou em dar uma chance ao roteirista, não na produção, não ainda, mas em um pitch - supondo que ele pudesse ter algo dentro de alguns dias. De Souza estava encantado, ele não apenas teria sua grande e sonhada oportunidade, como além disso, os filhos de de Souza adoravam jogar Street Fighter 2 nos fliperamas de Los Angeles. Os movimentos especiais do jogo - chutes que desafiam a gravidade, socos que esmagam o queixo e bolas de fogo que queimam a carne - é algo que ele poderia adaptar para um filme de ação. Ele tinha uma chance real, pensou.
Como eu me senti quando eu juntei moedas por mais de mês e matei aula pra ir no shopping de tarde pra ver o filme de Street Fighter
Mais ou menos um dia depois de receber o sinal verde para o pitch meeting, de Souza recebeu um pacote de materiais da Capcom. Dentro havia screenshots do jogo, artworks, um breve relato narratológico e um conjunto ultrassecreto de documentos detalhando as ambições de longo prazo da série. A Capcom ainda não tinha decidido que rumo daria para Street Fighter como franquia, mas tinha várias ideias.
Em um possível futuro do canon de Street Fighter, o chefão final militarista chamado M. Bison teria o que Souza descreve como uma ilha secreta no estilo de um vilão de James Bond, com soldados, silos de mísseis e uma base de submarinos. Bison não seria apenas uma ameaça para os lutadores de Street Fighter, mas para o mundo inteiro. De Souza, um entusiasta de filmes de ação, adorou a ideia de fazer um filme de ação com um vilão estilo James Bond. Acontece que os executivos da Capcom também, pois eles tinham convicção que essa era a forma de cativar a audiencia americana definitivamente.
Na reunião do pitch meeting, ambas as partes concordaram que não tinham interesse em fazer um filme de torneio de luta (o que, ironicamente, mais tarde seria utilizado no grande rival de Street Fighter, o filme de Mortal Kombat).
Minha reação quando eu soube que os atores desse filme foram pagos
Em vez disso, Street Fighter: The Movie seria uma história de ação militaristica com os personagens do jogo tomando partido em um conflito global. O vilão seria M. Bison, um general totalitário e vagamente do Leste Europeu. E o herói seria Guile, um militar americano G.I. Joe bem raíz. Stephen de Souza tinha escrito Commando com o Schwarzenegger, poucas pessoas na Terra entendiam mais de filmes de ação militar brucutu que ele afinal. Rolou aquela química entre de Souza e a Capcom.
Eles ainda não tinham escolhido um ator para o Bison, mas a Capcom sabia o que queria para seu herói soldado americano: Jean-Claude Van Damme, um dos atores de ação mais quentes do momento.
Outra coisa que a a Capcom queria era incluir todo o elenco do jogo, mas de Souza sabia que fazer isso - dividir o tempo de tela entre mais de uma dúzia de personagens iria foder a porra toda. Para resolver isso, ele aplicou um truque nos executivos da Capcom: fez uma pergunta simples na sala "Quantos dos sete anões você consegue nomear?" Ninguém sabia nomear todos os sete.
Exceto esse cara, esse cara merece cada centavo
"Há uma razão para serem sete anões", disse de Souza, "Há uma razão para haver sete maravilhas do mundo. Há uma razão para serem os Sete Samurais [talvez o filme japonês mais famoso do mundo que não envolva um monstro gigante]. Sete é o número de personagens um público pode manter em sua cabeça a qualquer momento. " Assim, o roteirista mas ainda não diretor estabeleceu sete como um compromisso, e a Capcom, persuadida pelo truque do salão, concordou com o limite.
E foi então que aconteceu. Em um minuto, Stephen de Souza não era um diretor de cinema de Hollywood. No minuto seguinte, ele era.
De Souza admirou o trabalho de Picerni como coordenador de dublês em Die Hard. Picerni era duro, velha escola. Ele fez a merda, o que o tornou um candidato óbvio a coordenador de dublês e diretor de segunda unidade no Street Fighter.
O único chute que muita gente sentiu foi na decepção que o projeto do filme se formou.
A ideia original de De Souza era adaptar os movimentos especiais do jogo para o filme, porém a primeira coisa que o seu coordenador de dublês lhe disse é que isso só seria possível se ele e a equipe de dublês tivessem um tempo de preparação razoável. Trabalho com fios para suspender atores e todas essas coisas fantasiosas é perigoso. Se mal feito, pode resultar em hematomas e fraturas nos membros e, às vezes, em casos muito raros, pode resultar em morte. Os coordenadores de dublês priorizam o ensaio não apenas pela qualidade do filme, mas pela segurança dos atores.
E aí as coisas começaram a dar errado, porque tempo é uma coisa que ele definitivamente não tinha.
Outra coisa que ele não tinha era bons atores para se trabalhar. Quer dizer, não que Van Damme não entendesse de filmes de ação, mas ele era uma pessoa realmente dificil de se trabalhar até porque na época ele estava passando pelo seu terceiro divórcio e sua viagem na cocaína era notória. Imagine uma estrelinha de Hollywood estrelando estrelisticamente, chapada até o toba de pó. Rough Day pra vc, De Souza.
Por outro lado, Raul Julia não era e nunca foi um astro de filmes de ação. Claro que ele era cinquenta e quatro vezes e meia o melhor ator daquela produção disparado, mas essa não era bem a praia dele. Ainda sim De Souza e os executivos da Capcom (que estava bancando metade do filme) entendiam que ele seria a escolha perfeita para um vilão estilo James Bond. O que não faz nenhum sentido quando você pensa no M. Bison dos jogos, mas se a ideia era ter um vilão Bond-like carismático... bem, na verdade faz sentido sim.
O problema é que Raul Julia estava terminalmente doente com um cancêr de estomago (tanto que ele morreu não muito depois de terminar as gravações) e aceitou fazer o filme mais para deixar um legado para seus filhos que realmente adoravam Street Fighter 2 também. Então como você pode imaginar, trabalhar com ele não era fácil também não porque ele fosse um cuzão e sim pq ele estava bem mal de saúde já.
Honda é um sumotori, a coisa mais japonesa que você pode imaginar. No filme ele virou Hawaiano just because
Não sobrou muito orçamento após a contratação das estrelas, então de Souza procurou atores menos conhecidos, como artistas marciais, comediantes e ex-fisiculturistas. Mesmo indo atrás de talentos de nível médio, a produção lutou para acertar os papéis coadjuvantes. E adivinha só o que Stephen tinha menos ainda do que dinheiro? Pois é, a pré-produção gastou um tempo colossal que ele já não tinha e todo o filme agora teria que ser tocado em menos de seis meses por um diretor sem experiencia nenhuma com isso.
Começam a ver o que possivelmente poderia dar errado?
Dhalsim, um mestre yogi indiano no jogo... virou um cientista. Why?
Mas calma que as coisas pioram. Eventualmente os chefões da Capcom informaram de Souza que queriam mais dois lutadores adicionados ao filme. De Souza - exausto de casting, roteiro e negociações - aquiesceu. O roteirista ainda hoje lamenta não ter se mantido firme, pois os pedidos continuaram: mais dois; depois mais dois; depois mais dois. Pouco a pouco, a Capcom cancelou o acordo inicial dos "sete anões" e queria o elenco inteiro do jogo no filme.
Sendo um roteirista, de Souza fez as contas. Noventa minutos divididos por 15 personagens equivalem a cerca de seis minutos por personagem. Ao ouvir a si mesmo dizer o resultado dessa conta, ele solta uma risada alta, aguda, quase maníaca.
Adicionar novos papéis atrasou o casting. Cada novo personagem significava que o filme precisava ser ajustado, editado ou reescrito. Cada nova minuta significava que o orçamento precisava ser reavaliado. De acordo com de Souza, faltavam semanas para o filme começar a gravar e os dois protagonistas masculinos mais importantes do jogo, Ken e Ryu, ainda não tinham sido escolhidos.
E esse Vega aí, sei não heim...
A Capcom, entretanto, tinha suas próprias ideias para o personagem japonês mais popular da história dos videogames. Eles tinham decidido que o ator japonês Kenya Sawada faria o papel de Ryu. Sawada era o garoto propaganda da Capcom em comerciais japoneses e eles queriam botar o seu bruxinho para fazer bom com o mercado local japonês.
De acordo com de Souza, Sawada foi uma escolha segura e familiar para a Capcom. Mas de Souza queria que o papel de Ryu tivesse senso de humor, alguém com timing cômico, e mais importante que tudo... alguém que falasse bem inglês.
De Souza achou que só tinha uma coisa a fazer para conseguir enfiar o tal Sawada no filme: adicionar outro personagem. Agora eram 16 personagens para socar no filme, menos de seis meses para gravar o casting nem estava pronto ainda.
E calma que piora.
Isso porque como De Souza era um diretor estreante, um mercado repleto de tubarões como é o cinema entendeu aquilo como uma mensagem apenas: fraqueza. E cairam as ganha em cima dele. A Australian Actors Guild, por exemplo, queria que Souza contratasse um australiano para ser protagonista. O único papel que restava para o cast era a Cammy. E foi assim que de Souza se viu em um avião para Bangkok, folheando uma revista estrangeira em busca de talentos. Foi assim que ele encontrou sua Cammy. Na capa da People Magazine da Austrália, sorria o lindo rosto de Kylie Minogue.
Cammy, que é a personagem inglesa do jogo, é interpretada pela australiana Kyle Minogue. Para trazer ordem de volta ao universo, anos depois Kyler fez a coisa mais inglesa que pode ser feita que é ser companion de Doctor Who
Depois de ler o artigo sobre ela, de Souza percebeu que a pop star australiana era uma grande celebridade com experiências anteriores de aprender falas rapidamente em uma novela australiana. Assim que o avião pousou, de Souza marcou um encontro com ela para o dia seguinte. Ela foi contratada em poucas horas.
De Souza expirou: ele o cast. Ele tinha a equipe. Ele estava exausto... e as gravações nem tinham começado ainda. Quando o elenco se reuniu pela primeira vez em Bangkok para começar a filmar, também foi a primeira vez que De Souza encontrou com Raul Julia e ficou chocado com o estado em que ele estava. Ele não estava doente, ele estava MUITO doente, tinha quase metade o tamanho que ele estava no filme da ADDAMS FAMILY VALUES e clarmamente não tinha como gravar nenhuma cena com ele nesse estado.
Raul Julia precisaria de algumas semanas para se recuperar e ganhar algum peso, e isso quer dizer que todo cronograma de locações para gravar as cenas teria que ser refeito em cima da hora. Planejar qual cena vai ser gravada onde e com que quais atores é uma coisa que leva semanas, se não meses, porque movimentar equipamento e pessoal de um lugar para outro, conseguir licenças com os governos locais e tudo mais, tudo isso é muito caro. Ele agora tinha que refazer isso em algumas horas porque já tava todo mundo lá esperando.
Só Jesus na causa!
Ah, e nessa relocação de filmagens o diretor de dublês acabou perdendo o tempo que ele tinha pedido para treinar os atores. Ele conheceu vários atores no próprio set para filmar no dia seguinte, então por questões de segurança muitas cenas de luta tiveram que ser modificadas para serem mais simples e mais seguras de serem feitas. Ótimo, apenas ótimo.
Porém Raul Julia era o menor dos problemas do filme, na verdade justamente o contrário: ele é de longe a melhor coisa desse filme, opinião compartilhada por quem viu sua atuação como espectador, mas por seus colegas de set que garantem que apesar das suas condições ele fazia tudo com um profissionalismo e dedicação ao papel que inspirava a todos. Pode parecer apenas querer falar bem de um falecido, mas a verdade é que vendo o filme você realmente acredita nisso porque Raul Julia é oito vezes e meia melhor que qualquer outra coisa em tela.
Porém se Raul Julia é a grande jóia redentora desse filme... o mesmo não pode ser dito de Van Damme. "Todos os dias eu perguntava se Júlia havia tomado os remédios dele", disse de Souza, "e se Van Damme estava sem eles.". Anos depois, Jean-Claude Van Damme admitiu que teve um sério problema com drogas enquanto filmava Street Fighter: The Movie. Ele também confessou ter um caso extraconjugal com a Kylie Minogue durante as filmagens.
"Então o que estava acontecendo", disse de Souza, "era que freqüentemente Jean-Claude deveria aparecer às 7:00 da manhã, e ele não estava lá. Ele dizia que estava doente. Na verdade ele estava de ressaca, se recuperando de na noite anterior. Eu tinha que inventar alguma merda na hora porque eu não o tinha. Inventamos algum tipo de luta envolvendo Ken, Ryu e um segurança que nunca foi ensaiada. Foi gravada de improviso. Eu estava constantemente tirando coisas da minha bunda para os coadjuvantes fazerem enquanto Jean-Claude estava matando aula."
Antes do início da produção, de Souza temia que Van Damme não recebesse tempo suficiente na tela, o que rapidamente piorou com as inúmeras adições de personagens encomendadas pela Capcom. As transgressões e a ausência de Van Damme fizeram com ele desejasse que o Van Damme tivesse menos tempo de tela.
Te desafio a explicar a TV dos anos 90 em uma única imagem que não envolva o Van Damme, a Gretchen e o Gugu
E não que as coisas fossem menos difíceis quando Van Damme decidia aparecer no set. De Souza já havia trabalhado com Schwarzenegger, outro famoso astro de ação que era... limitado como ator, vamos dizer assim. Como roteirista, de Souza passava as falas com Schwarzenegger antes das filmagens para que frases difíceis dele pronunciar pudessem ser reescritas. Quando de Souza tentou fazer o mesmo com Van Damme, o ator disse que tinha feito isso em casa com sua a esposa. Que é uma forma curiosa de chamar "encher o rabo de cocaína", mas okay.
De Souza riu ao lembrar de uma cena complicada em que Van Damme teve algumas falas. A cena, ambientada em uma grande sala industrial, envolveu uma série de figurantes, armas, bolsas de sangue e tal (a cena em que ele pula para fora da câmara de mutação com uma voadora).
Van Damme está atirando, causando todo tipo de confusão, e ele grita para Chun-Li e Balrog: "Go, go,, i'll catch you latter!". Só o que Van Damme disse foi "Go, go, i'll catch you latter - cut, cut, cut!"
#REFLITÃO
É incomum um ator pedir o corte, esse é o papel do diretor, mas Van Damme tinha certeza de que disse "ladder" em vez de "latter" e exigiu que fizessem de novo. De Souza, atordoado, notou que a equipe precisaria tapar os buracos de bala no set, preparar de novo os atores que caíram das passarelas com cabos, limpar o figurino e substituir as bolsas de sangue. Mas Van Damme ordenou outra tomada.
Enquanto a equipe redefinia tudo, Van Damme ouviu o áudio e percebeu que ele tinha feito certo. De Souza - depois de perder tempo e recursos - decidiu filmar novamente a cena para backup e talvez aproveitar alguma coisa melhor na edição. Van Damme entrou em posição. De Souza pediu ação. "Go, go", gritou Van Damme, "I"ll catch you ladder!".
E SE as coisas já não estavam ruins o suficiente... bem, na verdade elas estavam piores ainda. Como você pode imaginar, o prazo estava super apertado e a Capcom não cederia da data de lançamento em 23 de dezembro de 1994 - até porque eles já tinham não apenas o marketing mas toda uma linha de brinquedos acertada com a Hasbro para fazer GI Joe de Street Fighter (é por isso que Guile tem uma lancha hi-tech nesse filme, alias). Então a solução que diretores adotam nesse caso é dividir a produção em dois times, não é o ideal mas é algo que é feito regularmente.
Qual não foi a surpresa de Souza ao descobrir, alguns dias depois (era uma época pré-internet, enviar videos de um lado para o outro não era facil assim) que a equipe do segundo time decidiu por conta própria não incluir os movimentos especiais do jogo como ele tinha pedido - alegando que os movimentos especiais "não eram reais o suficiente". De Souza decidiu que ele iria filmá-los ele mesmo e é por isso que os golpes especiais dos jogos são tão ruins nesse filme já que De Souza não entendia nada sobre dirigir dublês.
Não apenas isso fez as lutas ficarem ruins, mas a coisa escalonou em uma grande briga entre o diretor do filme e o diretor de dublês, que abandonou a produção antes do fim. O resultado é que várias cenas foram gravadas sem o diretor de dublês depois disso e o resultado é o que você pode esperar quando você tem vários atores sem experiencia nenhuma em cenas de luta dirigidos por um diretor sem experiencia nenhuma em nada. Boy oh boy...
E após longos e dificeis meses, de Souza conseguiu terminar as filmagens. Ele então poderia pegar o que tinha e tirar o melhor proveito na sala de edição, onde a Capcom não poderia pedir para adicionar personagens, os sets não podiam desmoronar e os coordenadores de dublês não podiam discutir com ele sobre como fazer seu trabalho. A edição - a maravilhosa, silenciosa e solitária edição - poderia salvar este filme. Poderia. Possivelmente. Esperançosamente.
Seguindo a popularidade das franquias Aliens e Robocop, ambas gerando linhas sangrentas de brinquedos, os grupos de pais tornaram-se sensíveis às linhas de brinquedos associadas com filmes violentos. Por isso, Hasbro e Capcom concordaram em sua discussão inicial que o filme não teria uma classificação etaria superior a PG-13.
De Souza era conhecido por escrever filmes com classificação para maiores de 17 anos, mas ele começou sua carreira em programas de televisão como Super Máquina que passava às 19 horas. Ele sabia fazer um filme PG-13. Ele sabia qual violência manter e qual violência cortar. Ou ele achava que sabia.
Isso porque alguns dias antes do filme ser enviado para classificação etária do MPAA, havia acabado de ocorrer um daqueles tradicionais tiroteis em escolas americanas e a mídia estava salivando em cima disso. Como consequencia, todo sensacionalismo da midia na época influenciou o MPAA que classificou o seu filme que em qualquer outra época seria PG-13 como para maiores de 17 anos.
A Capcom pediu uma nova edição, e o diretor retirou ainda mais ação, removendo a maior parte do sangue, que a MPAA citou como a razão para a classificação R inicial. Muitas cenas foram remendadas ou retocadas quadro por quadro para remover um nariz ou lábio sangrando do enquadramento.
A luta entre Vega e Ryu, por exemplo, foi pesadamente editada. Vega cai sobre sua própria garra no final da luta, mas duvido que alguém tenha notado isso. Quando você assiste ao filme, só parece que ele desmaiou no chão e fim. Originalmente, o corte da garra deixava um ferimento sangrento. De Souza teve que contornar isso e muitas outras coisas no filme. Não apenas isso, mas o tempo gasto "limpando" cenas era o tempo gasto da pós-produção que deveriam ter efeitos especiais. A ideia original do filme era sim ter um efeito de Hadouken, mas o que deu tempo de fazer foi... isso:
Então essa é a história de Street Fighter, o Filme - que junto com o filme do Mario é responsável pela fama que adaptações de videogames tem no cinema até hoje e que apenas recentemente está começando a melhorar com coisas como Detetive Pikachu e, acredite ou não, o filme do Sonic que é... bastante decente, por mais incrível que isso soe. Aproveitando também pra falar que a HBO está fazendo uma adaptação de The Last of Us com o Pedro Pascal como Joel e se isso não der certo, puta merda, então mais nada na vida tem como dar.
Mas se você acha que é aqui onde desembarcamos dessa história... está muito, completamente enganado. Porque é nesse ponto que as coisas ficam realmente piores. Sim, acredite em mim, não estava ruim o bastante, AGORA é que piora.
E eu não quero nem pensar no salto para o Dee Jay passar de um DJ jamaicano para... um hacker, eu acho?
Isso porque em 1994 a Capcom via a popularidade de Street Fighter 2 declinar progressivamente... o que não dá pra culpar, já que é um jogo de TRÊS ANOS ATRÁS que foi relançado 72 vezes. Sério, o que vocês esperavam?
Em linhas gerais, a Capcom queria não apenas garantir a continuidade de Street Fighter como aproveitar a mesma tacada e matar a concorrencia, e por concorrencia eu quero dizer MORTAL KOMBAT. Como? Okay, me ouçam nessa: E SE, veja bem, E SE a Capcom tivesse o seu próprio Street Fighter com atores digitalizados só que baseado em um blockbuster de sucesso com nomes de peso como Van Dammen e... hã... Raul Julia? Err... Kyle Minogue? Bom, seja como for, a Capcom acreditava que Street Fighter ia ser a grande bomba hollywoodiana (e foi, mas não no sentido que eles gostariam) e um jogo baseado nisso sepultaria de vez todos os outros jogos de luta com atores digitalizados, não?
E a gente já tem um bando de caras fazendo cosplay dos personagens trabalhando pra gente, então essa é uma boa ideia, certo?
- Sucumba perante meu ataque de SUVAQUEIRA!
- Oh não, tudo menos isso!
Os executivos da Capcom - que estavam numa maré de ideias geniais, como vimos agora a pouco - achavam que sim. Assim, originalmente a ideia era que o jogo de luta com atores digitalizados do filme fosse Street Fighter 3. Alguém de levemente mais bom senso (mas não muito) decidiu que seria por bem que ao invés do jogo mais aguardado dos anos 90, esse jogo se chamaria "Street Fighter: The Movie". Como eu disse, um pouco mais de bom senso, mas não muito.
E para surpresa de zero pessoas, mesmo no coração negro dos anos 90 e mesmo entre os fãs mais ardorosos da Capcom isso foi visto apenas como "hã, vocês estão fazendo isso... sério? Quer dizer, mesmo?". Porque a Capcom quando entra numa onda de ideias ruins vai de voadora com os dois pés também, né...
Só havia um pequeno problema...
A Capcom não entendia patavinas sobre fazer um jogo de luta com atores digitalizados. Como resolver isso? Ora, muito simples! Tendo mais boas ideias, é claro! Então ao invés de aprender a fazer um jogo desse tipo do zero eles tiveram uma ideia muito, muito melhor que essa é claro!
Vamos procurar quem entende dessas coisas, e quem entende mais do que a Acclaim que distribui os jogos de Mortal Kombat? Então assim a Capcom pegou uma maleta de dinheiro e bateu na porta da Acclaim com a seguinte proposta: "Boa tarde, nós somos o maior competidor da sua principal fonte de dinheiro e sobrevivencia. Gostaria de aceitar um freelance para competir e potencialmente matar aquilo que faz vocês basicamente ainda existirem?".
Meu personagem favorito de Street Fighter é esse cara ali que apenas desistiu da vida mesmo
Ao que a Acclaim, obviamente, respondeu: "Jogo de luta digitalizado, é? Hmm, não se preocupe, eu vou colocar vocês em contato com uns caras que entendem disso, confia no pai que vai dar bom". E foi o que a Capcom fez, eles colocaram na mão da gloriosa INCREDIBLE TECHNOLOGIES para fazer esse jogo.
Claro, suponho que a essa altura você jamais tenha ouvido falar desses caras, então me permita apresentar o porfolio deles, sim?
Agora, nem toda a culpa do mundo pode ser colocada na Incredible Technologies. Quer dizer, além de ser uma companhia mediocre que nunca fez nada de particularmente talentoso na vida, essa parte é verdade mas esses não são todos os problemas do jogo.
Por exemplo, a Capcom prometeu a IT que eles teriam de 6 a 8 horas de gravação com os atores para capturar os movimentos e fazer tudo que precisavam para fazer o jogo. Como você pode imaginar pela história da produção do próprio filme... isso não funcionou muito bem. Alguns atores não estavam disponiveis por motivo de força maior (como Raul Julia que estava ocupado tentando não morrer, por exemplo), outros apenas meteram o foda-se e foram embora como o Van Damme e ainda teve casos como o ator do T. Hawk que se atrasou para as gravações do jogo e quando foram bater no trailer dele pra ver o que diabos ele estava demorando tanto...
... estava completamente vazio, o cara simplesmente tinha empacotado as coisas dele no meio da noite e ido embora sem falar com ninguém. E é por isso que não tem o T. Hawk nesse jogo, alias.
Porém, mesmo nos atores que se dispuseram a gravar essa inhaca tinha dois problemas fundamentais. Em primeiro lugar, os atores não conseguiam sequer pronunciar os nomes dos golpe e isso que a IT consegui uma máquina de arcade no set para mostrar, escreveu a pronuncia fonética e tudo mais, mas nada. Não saia de jeito nenhum.
Por outro lado, em defesa dos atores, realmente é dificil pronunciar coisas como...
... ou
Porém esse nem é o pior problema desse jogo... embora as vozes serem ridículas é um problema... e sim que ao contrário de Mortal Kombat, os atores desse jogo/filme não atores marciais. Mortal Kombat pode ter vários defeitos no que tange ao gameplay, mas uma coisa ele tem que ser elogiado: seus atores são dublês ou atores de papeis menores com anos de experiencia em cenas de luta.
Eles sabem fazer os movimentos, e isso é algo que não pode apenas se ensinar em alguns minutos. O resultado dessa bagaça é que ter animações tão ridiculamente ruins. Existe um motivo pelo qual a imensa maioria dos filmes corta as tomadas e a camera balança como um epilético com mal de Parkinson, é porque a imensa maioria dos atores não sabem lutar e sem truques de camera a coisa fica ridicula (e por isso que John Wick consegue ter cenas de luta tão boas, porque o Keanu Reeves se dedica a fazer os movimentos de verdade).
Então adivinha só? Nesse jogo não tem truques de camera para salvar o dia (porque é um jogo, dã) e o resultado final é... isso:
... Jesus no pogobol em chamas, esse jogo define novos parametros para ser ridículo. Não bastasse toda falta de jogo de cintura da IT de não saber fazer um jogo bom, ele é pessimamente animado e tem um aúdio que se esforça pra ser tão tosco quanto.
Imagine um jogo do mesmo calibre de WAY OF THE WARRIOR ou SHADOW: War of Succession... hã, não, esquece, NADA consegue ser tão ruim quanto SHADOW: War of Succession... mas imagine a produção de WAY OF THE WARRIOR expremida no meio da produção desgracenta e hedionta do filme de Street Fighter e você tem uma boa noção do acidente de trem termoradioativo que é esse jogo.
Tem também que esse arcade foi lançado no pior slot de tempo possível, porque ele saiu em abril de 1995 - quatro meses após o filme que já estava estabelecido no boca-a-boca como uma bomba. Então imagine um jogo baseado em um filme reconhecidamente ruim, num formato que parecia uma paródia, com essa execução porca... e lançado junto com Mortal Kombat 3, Virtua Fighter 2 e até mesmo Street Fighter Zero (sim, chegaremos a isso ainda). Em suma ... a jogabilidade de Street Fighter: The Movie é puro e completo BULLSHIT. Combos desbalanceados ridículos, detecção de hit porca, saltos ridiculos e movimentos especiais horríveis são algumas das "features" dessa desgraça de jogo.
Então se você fosse uma criança indo gastar seus centavos no fliperama... eu acho pouco provavel que esse jogo fosse sua primeira escolha. Ou a segunda. Ou qualquer uma, na verdade.
Porém se você achava que é aqui que o nosso bonde loko das maravilhas termina... saiba que não. Nossa jornada tem uma última parada, e embora não seja tão horrenda quanto as outras duas, definitivamente não é algo que eu poderia chamar de "bom" também.
Isso... é uma ideia bem idiota, quando você pensa sobre isso
Isso porque a IT não entendia nada sobre programar ports para consoles domésticos, de modo que a Capcom fez ela mesma o port do jogo para PS1, Saturno e estava prevista uma versão para 32X até que alguém olhou para o 32X e deu uma sonora risada, de modo que o port saiu apenas para PS1 e Saturno. E por "port" eu quero dizer que a Capcom olhou e disse "puta merda, não se aproveita nada dessa desgraça!", jogou a programação fora exceto pelos sprites e fez um jogo novo basicamente do zero.
E mesmo os sprites foram pesadamente editados... no paint... para parecer mais com os personagens 2D. Eu não estou de zoeira com vocês, foi assim que esse jogo foi feito. Ok, talvez não no paint exatamente, mas alguém de fato desenhou por cima das fotos - os truques da mil faces da Ação Games pira!
A versão caseira de Street Fighter The Movie para PS1 e Saturno é consideravelmente menos pior que seu irmão mais velho do arcade, até porque é basicamente SUPER STREET FIGHTER 2 TURBO com os gráficos "paintados" que eu expliquei acima.
Isso não faz o jogo uma obra prima, mas ao menos ele é... vagamente... jogavel. Com golpes e combos certaemnte parece mais com Street Fighter (e menos com uma versão pirata barata de Mortal Kombat), dá sim pra dizer que as versões de console de Street Fighter: The Movie são ... ouso dizer ... uma "melhoria" em relação ao arcade. Não que precise muito pra isso.
Mesmo assim o jogo ainda foi um grande fracasso nos consoles porque a altura que foi lançado ninguém se importava com esse filme tosco, muito menos com o arcade mais tosco ainda desse filme tosco a ponto de esperar algo de um port dele. Nós eramos burros nessa época, mas não TÃO estúpidos.
Ah, e quanto ao filme... bem, a Capcom se pronunciou sobre isso em uma entrevista muitos anos depois na E3 de 2011: "O filme é uma porcaria nós sabemos. Mas nos arrependemos de ter feito ele? Bem, você sabia que ganhamos cerca de um milhão de dolares cada vez que ele passa na TV?". Pois é, Street Fighter o Filme pode ser um filme bem, beeeeem safado, mas... bom, acontece que ele é perfeito pras Sessões da Tarde da vida e ele rende ainda hoje um bom dinheiro para a Capcom. Pra vc ver como as coisas são.
Laço de cabelo? Sério?
Já o jogo... bem, eu realmente acredito que desenvolvedores da Incredible Technologies eram realmente grandes fãs de Street Fighter e pelo menos "tentaram" fazer um bom jogo no melhor das suas habilidades... só que elas não eram muitas. Some a isso limitações de tecnologia, timung e design de jogabilidade terrível, o único "jogo de live action de Street Fighter" ainda é hoje o maior erro da franquia e o primeiro grande fracasso da Capcom.
A Capcom é uma empresa conhecida pela sua intensidade: quando ela acerta, é para mudar a história dos videogames. Quando ela erra, é isso que vimos aí... Pelo lado positivo, é também um dos jogos de luta mais involuntariamente cômicos e constrangedores de todos os tempos. Isso tem que contar para alguma coisa, né?