domingo, 11 de julho de 2021

[PC/PS1] STAR WARS: Dark Forces (Fevereiro de 1995) [#721]


Você sabia que hoje o que nós chamamos de jogos de Tiro em Primeira Pessoa (FPS) no começo eram simplesmente chamados de "Doom Clones"? Pois é, era assim que nós chamavamos esse tipo de jogo.

O que é engraçado quando você pensa sobre isso, porque hoje existem inumeras discussões até mesmo academicas sobre o que define um genero, mas a grande verdade é que essas coisas nascem simplesmente quando alguém decide chamar de alguma coisa apenas para resumir a explicação.

Nesse caso, Doom foi o primeiro grande sucesso do genero (embora não o primeiro jogo do tipo), e como naquela época não existia tecnologia para fazer jogos 3D rodarem satisfatoriamente todo mundo que podia copiava a formula de John Carmac para fazer um jogo 2D que pareça ser 3D. 

Como resultado, todos os jogos de tiro em primeira pessoa meio que pareciam com Doom no fim das contas - daí o motivo das pessoas chamarem assim. Claro, todos os jogos tentavam dar o seu próprio twist, fazer a sua prória coisa para apenas não soar como "descobrimos como copiar Doom então tomaaa" com maior ou menor grau de sucesso. Seja nas armas, no objetivo da fase, no level design ou alguma coisa que seja.

Bem, "todos" exceto Dark Forces. 

O plot desse jogo começa como uma missão para roubar os planos da segunda Estrela da Morte, mas logo se embreta em descobrir e impedir a criação dos DarkTroopers - os droides Stormtroopers pretos. Muitos e muitos anos depois o conceito desse jogo serviria de inspiração para a temporada de The Mandalorian, mas foi aqui que a LucasArts pensou pela primeira vez nesse conceito.

Esse meteu o foda-se e ele é literalmente Doom com imagens de Star Wars no lugar dos demonios, cenários imperiais no lugar do inferno. Enfim, Doom com uma skin de Star Wars sem tirar nem por. Bem, okay, se é pra ser justo está mais para um "Doom 2" até mesmo mais do que o próprio DOOM 2: Hell on Earth foi. E isso não é uma coisa ruim.

Star Wars: Dark Forces foi concebido como Doom com a skin de Star Wars e você pode imaginar o apelo disso naquela época. Diabos, você pode imaginar o apelo hoje, agora. Só Deus sabe o que está acontecendo com a licença de Star Wars na EA, mas só por um segundo, pense em como um FPS single-player de Star Wars seria muito bem recebido se fosse lançado amanhã.

Se isso não der um grande jogo, não sei mais o que poderia dar

Eu nem me atrevo a imaginar o quão incrível o Star Wars: The Mandalorian que está nos primeiros estágios de desenvolvimento pode ser - árvores de habilidade com poderes da Força, áudios reproduzidos por dróides astromechs, explorar Destroyers Estelares abandonados - mas eu sonho. Do jeito que está, qualquer tipo de trailer de um novo jogo de Star Wars me faz sentir como Charlie Brown na frente de uma bola de futebol.

Seja como for, mesmo se um FPS de Star Wars single-player saísse hoje, não seria nada como Dark Forces foi na época, por uma miríade de razões, a principal delas sendo que Star Wars nos anos 90 era muito diferente do que é hoje. Hoje você não consegue dar dois passos na internet sem ver alguma coisa nova anunciada de Star Wars. Uma série nova, um filme, um jogo, um desenho animado, uma coleção de chaveirinhos falantes, alguma coisa e todas as coisas, o tempo todo.

Okay roubar os planos da Estrela da Morte foi mais fácil do que Rogue One disse que seria

Nos  anos 90... não era assim. Basicamente, Star Wars era apenas a trilogia original no cinema e não havia uma megacorporação por trás ordenhando isso. O que quer dizer que o que havia sobre Star Wars eram livros não oficiais (George Lucas nunca foi timido em aceitar uma grana de quem quisesse que publicar alguma coisa com o nome de Star Wars nessa época), HQs menos oficiais ainda e loooongas discussões em foruns da nascente internet. Era uma época estranha em que Star Wars era realmente uma coisa de nerds, acredite você ou não.

Um bom retrato dessa época sobrevive em um dos detonados do jogo no gamefaqs, veja só você: 


Olha que ideia louca, um tempo que as pessoas passavam as madrugadas debatendo a possibilidade dos Stormtroopers serem clones. Hoje não é necessário mais do que alguns segundos para levantar toda a história dos Stormtroopers no universo de Star Wars (eles já foram clones, mas a partir do Império o Palpatine destruiu as estações de clonagem em Kamino para impedir que outro fizesse a mesma coisa com ele e a partir daí eles são recrutados ou escravos), mas em 1995 o que nós tinhamos era discutir isso no rec.arts.starwars. Eram outros tempos, definitivamente.

Não estou aqui para reclamar sobre os rumos de Star Wars, no entanto (sim, estou). Estou aqui para fazer você entender porque esse Dark Forces dos anos 90 é mais do que apenas "um clone de Doom" para o seu publico, e porque ele funciona. Esse é um jogo em que você tem que recuperar os planos da Estrela da Morte numa época que Rogue One sequer sonhava em existir. Esse é um jogo que você lutar contra Dark Troopers decadas antes de Mandalorian existir. É um jogo onde você atira nos bonequinhos como em Doom, só que o cenário são aquelas casas iconicamente de Tatooíne. É uma situação em que todos ganham.

Bem, fazer uma "cidade" nessa engine ... não eram as ferramentas ideais para isso, mas kudos pela tentativa

Quando eu escrevi sobre DOOM 2: Hell on Earth, eu comentei que é uma oportunidade desperdiçada de não usar a engine de Doom para reproduzir as cidades da Terra ocupadas por demonios, isso seria muito legal. Bem, de certa forma Dark Forces é o jogo que eu esperava que DOOM 2: Hell on Earth fosse. 

Muita atenção foi dedicada a recriar o universo de Star Wars tanto quanto possível dentro da engine de Doom em Dark Forces. Claro que você pode dizer que a "cidade" são apenas salas com uma pintura diferente, ou que invadir o Sandcrawler nada mais é do que uma fase com dois níveis de altura, mas eu realmente acho fascinante o quanto eles tentaram usar as ferramentas limitadas que tinham para tentar recriar esse universo o melhor que eles podiam. 

Você consegue sentir que eles realmente estavam fazendo o melhor que podiam, e mesmo as coisas que não funcionam perfeitamente de forma cativante. Atravessar os níveis de esgoto é muito mais suportável quando o monstro de lixo de New Hope está perseguindo você e você pode apertar um botão para ouvir aquele famoso som de blaster de Star Wars a qualquer momento.


Outra coisa que é diferente de Doom (e que igualmente eu esperava de DOOM 2: Hell on Earth) é que os objetivos das fases são mais narrativos do que do jogo original da Id Software. Dizer que Doom não tem história durante as fases é de um eufemismo gigantesco, o jogo não tem a menor vergonha em assumir que é apenas um jogo mecanicamente falando: você coleta chaves para abrir portas, vai para a próxima fase, enxague e repita.

Não que tenha algo de errado com isso, especialmente em 1993 e especialmente não quando são níveis desenhados por John Romero enquanto você mete pipoco em demonios ao som de músicas chupinhadas dos grandes clássicos do heavy metal. Porém Dark Forces refina isso, como era esperado de uma continuação faze-lo. Agora seus objetivos são ligados a história, dentro do que o conjunto de ferramentas que o jogo permite.

Por exemplo, em uma missão seu objetivo é desligar os geradores de campo de força e então voltar para o aeroporto para ser resgatado, em outra você tem que roubar os planos de um computador e então sair fora. Parece uma evolução natural de Doom dar missões ao jogador ao invés de apenas colecionar chaves e abrir portas, e é exatamente isso que esse jogo faz.

Quando um maluco entra atirando no seu trabalho mas você não tem tempo para essas merdas 

Claro, esse ainda é um jogo de 1995 e as pessoas não tinham muita experiencia com essas coisas, então as missões são bastante simples - porém a ideia de ter missões em um FPS, o que hoje é apenas tido como obrigatório em um jogo, foi tentada pela primeira vez aqui.

Não apenas isso, mas Dark Forces puxa alguns outros truques você esperaria de um sucessor de Doom: a engine da LucasArts faz muitos truques que o jogo da id não pode, incluindo texturas animadas, objetos 3D e efeitos de neblina. Isso dá pra ver logo no começo da primeira quando você vê a nave do seu herói, a Corvo Mofado, decolando e voando para longe. Um efeito rudimentar aos olhos modernos, mas extremamente impressionante na época porque colocava objetos 3D num jogo que era essencialmente 2D. 

Portanto, embora haja semelhanças óbvias com Doom, desde os cartões-chave coloridos até os níveis intrincados e labirínticos, Dark Forces usa uma engine personalizada que foi escrito completamente do zero. Você pode olhar para cima e para baixo, o que ainda era uma raridade nos jogos de tiro em primeira pessoa em meados dos anos 90. E os níveis apresentam vários andares, o que era difícil de conseguir na época. Dark Forces não é lembrado por ser um jogo pioneiro em termos de tecnologia, mas a LucasArts estava fazendo coisas realmente inovadoras aqui. Existe até mesmo algumas plataformas básicas, exigindo que você salte entre os objetos e se movimente ao longo de plataformas estreitas. Quer dizer, não é muito divertido, mas definitivamente é inovador para a época, com certeza. 

Quando você está apenas voltando do almoço casualmente e um maluco sai jogando uma granada em você, odeia quando isso acontece

Então enquanto o jogo não é desprezível de um ponto de vista tecnico, no aspecto da diversão ele é... okay. Não é ruim, porque um jogo que é basicamente o que Doom 2 deveria ter sido não tem como ser ruim, mas definitivamente tem sua cota de problemas.

Dado que esta foi a primeira apresentação da LucasArts em um gênero ainda a ser explorado por muitos, erros são mais que esperados. O principal problema desse jogo é que seus níveis não são desenhados por John Romero, e não ter alguém que é um genio no seu campo de expertise é algo que dá notar aqui. Tipo muito.

Alguns níveis são labirínticos demais para seu próprio bem, como aquele que requer um salto de fé em um poço de elevador ou o infame nível de esgoto te faz ficar repetindo um enorme trecho várias vezes até você achar a saída certa (se escolher o caminho errado no esgoto você volta ao inicio da fase). 

Acho que pelo menos metade das armas te causa dano se usada em locais fechados. Parabens aos envolvidos.

Sendo um jogo de Star Wars é compreensível a reclamações sobre a falta de sabres de luz, mas essa não é a proposta do jogo e nem mesmo o verdadeiro problema com Dark Forces. A seleção de armas é que é o verdadeiro problema aqui. A shotgun blaster que pode ser obtida nos primeiros minutos do jogo continua a ser a melhor arma até ao fim, dado o seu alcance, cadência de tiro e potência. Armas ganhas mais tarde no jogo parecem enigmáticas e oferecem pouca recompensa por serem usadas, seja porque sua mira não é muito boa, seja porque elas podem te causar dano se você atirar muito perto dos adversários - e o dano a mais não é perceptível, se é que existe.

Outra coisa que esse jogo seja menos divertido do que ele poderia ser é que não existe um botão para acessar diretamente o mapa da fase. Ao invés disso você tem que entrar no menu e então habilitar ou desabilitar o mapa manualmente. Considerando que esse tipo de jogo é composto de fases enormes em que andar pelo mapa é necessário até a hora que um inimigo aparece - de modo que você tem que trocar várias vezes - essa pequena burocracia acaba com a sua paciencia antes cedo do que tarde.

Seria realmente bom se tivesse um botão para ativar/desativar o mapa, pq não dá pra andar na fase sem ele mas não dá pra lutar com ele na tela. Ou até dá, mas é uma merda.

Então esse é um jogo que é consistentemente bom, mas não dá aquele passo além. A ideia de fazer um clone de Doom com temática de Star Wars é sólida e muito bem vinda a época, e o fato do jogo ser uma evolução tecnologica de Doom é mais bem vinda ainda. Mas faltou aquele algo a mais no level design, trilha sonora e na seleção de armas, fazendo com que atirar em Stormtroopers em Tatooíne não seja a mesma coisa atirar em demonios em Marte.

Como dizem no teatro, "foi bom, mas pode ir além".

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