[SEGA CD] POPFUL MAIL: Magical Fantasy Adventure (Fevereiro de 1995) [#722]
Sabe aquela sensação você está lá fazendo suas coisas, cuidando da sua vida e do nada te passa um pensamento de "putz, por onde será que anda o contatinho? Faz anos que não penso nessa pessoa!"? Pois bem, eu não tenho esse tipo de coisa porque minha lista de relacionamentos humanos é menor que os títulos da seleção inglesa mas o mais perto disso é que as vezes eu lembro de uns animes que foram muito relevantes nos anos 90 e hoje ninguém mais lembra deles, por onde será que eles andam?
Hoje ninguém mais nem lembra que coisas como Serial Experiments Lain ou Record of Lodoss War existitiram um dia por maior que tenham sido em sua época, porém sabe o mais ninguém lembra a respeito e foi algo realmente grande back then? Slayers.
Hoje ninguém mais lembra que isso existiu, mas então Slayers foi uma coisa realmente grande com uma light novel que foi publicada ao longo de 21 anos, um anime com cinco temporadas (mais de cem episódios), 4 filmes, manga, audio dramas, a porra toda.
Slayers é sobre a feiticeira/caçadora de monstros Lina Inverse e seu bando, onde o ponto de venda da série é sua protagonista: a convencida e desbocada feiticeira sem tempo para suas merdas (a menos que ela ganhe algo com isso) que apesar de ser eficiente no seu trabalho, é menos eficiente em capitalizar em cima disso e mais sim do que não toma uns calotes safados.
Quando você pensa sobre isso, Slayers é uma história incomum para a sua época porque é dificil pensar em uma obra japonesa dos anos 90 em que a protagonista é retratada como um aventureira mais do que como uma mulher. Ela vai e faz as coisas, se dá mal, vive altas confusões e raramente o fato que ela é uma garota é o ponto da discussão. Tá, okay que é verdade que a cada 5 minutos alguém faz uma piada sobre como a Lina não tem peitos grandes porque é assim que o Japão rola, mas o tema da aventura não é sobre isso.
O que pode parecer apenas normal, mas é do Japão dos anos 90 que estamos falando e é menos comum uma obra com uma protagonista feminina em algo que não seja um manga shoujo com as regras de manga shoujo. Na verdade mesmo hoje eu acho que posso contar nos dedos obras de comédia/fantasia que tem uma protagonista feminina (de cabeça assim eu consigo pensar em "A Saga de Tanya - a maléfica" e... hã... hmm... Panty & Stocking embora eu ache que isso é mais cartoon do que anime (apesar de ser feito no Japão)... e, err... Excel Saga?
Imagine se a Bulma do Dragon Ball original (não a versão "boa, recatada e do lar" que ela se tornou em DBZ depois) fosse a protagonista do anime, algo nesse sentido. Não é uma coisa muito comum realmente.
Seja como for, Slayers é uma comédia/fantasia que debocha de todos os elementos básicos da cultura geek, mas também é uma carta de amor a essa cultura. Se elementos da história parecem genéricos, é porque na verdade foi feita com o propósito de rir com esses clichés. É principalmente um anime para relaxar e curtir as travessuras dos personagens, não espere um grande simbolismo ou reflexões profundas sobre as convenções do genero.
As vezes uma heroína tem que fazer coisas para pagar as contas das quais ela não se orgulha
Tanto que Slayers não segue necessariamente a fórmula shounen pelo livro, mas segue bem de perto. Conheça o grande vilão mau, não tente vencê-lo, falhe, ganhe um novo poder, enxágue e repita. O bom é que o anime está ciente disso (como dá pra ver pela ocasional quebra da quarta parede), e raramente se leva a sério. Definitivamente ajuda que os power-ups não pareçam forçados. Muitas voltas e reviravoltas são previsíveis, mas acho que isso é parte de seu charme.
Ajuda muito também que sua protagonista NÃO seja um modelo moral e, em vez disso, uma "idiota adorável" cujos atos moralmente questionáveis eram usados para a comédia. Lina usa sua magia de fogo para matar bandidos e, em seguida, ficar com o dos bandidos para si mesma (apenas para perde-lo de um jeito idiota logo em seguida). Pense nela como a versão anime anos 90 do Michael Scott: ela não é uma boa pessoa e nem a história tenta vende-a como tal, mas ela também não é má e você meio que torce por ela... as vezes. Nem sempre.
Tá, mas porque eu estou falando de Slayers? Bem, primeiro porque é a única chance que eu vou ter e se eu não fize-lo ninguém mais o fará por mim. Segundo, porque Slayers tinha light novels, mangas, anime, garage kits e uma quantidade pouco saudavel de regra 34. Mas sabe o que Slayers não tinha até então? Um videogame.
Mescalina, not even once
Algo que a Nihon Falcon decidiu mudar em 1991, propondo fazer um videojogo de Slayers. As negociações não foram pra frente e ela decidiu fazer o seu próprio Slayer com putas e blackjack sem licença. Nascia assim as aventuras da caçadora de recompensas desbocada e raramente paga pelo seu trabalho Mail, Popful Mail. Então Popful Mail é basicamente uma adaptação em jogo de Slayers, só que sem os personagens licenciados.
Porém antes de eu começar a falar do jogo em si, calma lá que tem mais história ainda sobre como esse totalmente-não-é-slayers action RPG foi parar no Sega CD. Isso porque Popful Mail foi lançado para computadores japoneses (como o NEC e o PC-9801) em 1991 e a Sega tinha ideias de porta-lo para o Mega Drive. Porém como no ocidente ninguém poderia cagar menos para o que era Slayers (e muito menos Slayers não licenciado), a Sega decidiu que precisaria... apimentar as coisas um pouco.
Então eles tiveram a ideia de transformar Popful Mail em, acredite ou não... Sister Sonic (working title). Sim, a ideia da Sega era substituir os sprites do jogo por personagens de Sonic e ao invés de ter um jogo protagonizado por uma eca eca mulherzinha, seria então pela irmã perdida do Sonic e eu não estou zoando com vocês.
Arte conceitual da Mina Sonica nesse jogo
A sorte é que a esse ponto Popful Mail já era um jogo de computador relativamente popular no Japão, e ao ponto que a Sega anunciou que estava pretendendo isso os fãs japoneses pegaram seus forcados, suas tochas e marcharam... em direção ao correio para mandar cartas descontentes para a Sega. Afinal é o Japão de 1993, o que você esperava?
Ao receber esse feedback negativo dos fãs a Sega colocou a ideia de fazer as loucas loucas aventuras de Sonicalina de lado e não sabia muito bem o que fazer a seguir com a licença de adaptar Popful Mail que eles tinha adquirido... porque é como é a Sega rola. Foi então que eles tiveram mais sorte do que juízo, porque enquanto bebia cerveja após seu turno de 20 horas de trabalho Yoshimitsu Sega desabafou com os únicos caras que estavam em posição de ajuda-los: a Working Design.
Isso é particularmente importante porque a WD acontecia de entender o Sega CD melhor do que a própria Sega. Veja, o Sega CD tinha a capacidade de dar aos jogos aproximadamente 500 MB de espaço em disco para fazer o que quiser com eles e o problema era que a Sega não fazia a mais remota ideia de como preencher esse espaço. A Working Design, sim.
A capa do jogo para NEC PC-98 é... bem, ela é...
Eis aqui uma coisa que eu digo aqui é que videogames não são jogados com os dedos, e sim com a cabeça. Mais importante do que o jogo que você está jogando na tela, é o jogo que você está jogando na sua cabeça, é como o jogo faz você se sentir a respeito dele. E eu nem estou falando de reflexões simbolicas existenciais, e sim de sentimentos mais puros e simples. O melhor exemplo universal do que eu quero dizer é DOOM: mais importante do que jogar o jogo, é como você se sente awesome descarregando uma escopeta na fuça de demonios ao som de heavy metal because FUCK YEAH!
E isso era algo a respeito dos videogames que a Working Designs entendia, o espaço extra que o CD oferecia era uma possibilidade de vender o conceito do jogo, de amplificar a experiencia do gameplay de uma forma positiva. Então quando a Sega estava reclamando da sua falta de sorte da incompreensível (para ela) reação dos fãs, a Working Designs apenas disse "toca pro pai".
O resultado é que Popful Mail foi portado para o Sega CD com o mesmo tratamento que LUNAR: The Silver Star Story havia recebido alguns meses antes. Isso quer dizer que ele foi inteiramente dublado, cutscenes em anime foram adicionadas, os dialogos foram adaptados para passar o feeling de Slayers para um publico que nunca tinha assistido Slayers.
Como é que é, moça?
Afinal pessoas são pessoas em qualquer lugar do mundo, você apenas precisa fazer alguns pequenos ajustes para vender as aventuras de uma caçadora de recompensas egocentrica e desbocada que frequentemente se dá mal. E quer saber? Foi justamente o que eles entregaram.
Como experiencia, Popful Mail é uma aventura divertida onde uma caçadora de recompensas de personalidade duvidosa se mete em altas roubadas devido a companhias mais duvidosas ainda, e isso é delicioso de se assistir.
Oh Mailey, que loucas roubas você e seus amigos se meterão agora? E por isso eu quero dizer especificamente você, Slick!
Na verdade a Working Design foi um passo além e criou dialogos diferentes para cara um dos três personagens jogaveis, então existe até mesmo um fator replay aqui porque você pode rejogar o jogo entrando nas cutscenes com personagens diferentes para ouvir dialogos diferentes de acordo com a personalidade de cada um (embora a Mail seja mais legal, hands down).
O meu ponto aqui é que a WD fez tudo que podia para tornar a experiencia narrativa do jogo mais legal, definitivamente Popful Mail é um jogo que você vai jogar e se lembrar de uma forma positiva dessa galerinha muito louca aprontando altas confusões - o que não é tão diferente do sucesso que eles já tinham tido com LUNAR: The Silver Star Story.
"Oh, ótimo, outro protagonista de anime, tudo que eu precisava numa segunda-feira..."
Popful Mail é a experiencia de jogar um jogo de Slayers que não sabiamos que precisavamos.
MAS E O JOGO?
Que jogo?
UÉ, VOCÊ FALOU DA EXPERIENCIA NARRATIVA QUE É DIVERTIDA E TAL, MAS... UM VIDEOGAME NÃO É TAMBÉM SOBRE APERTAR BOTÕES E COISAS ACONTECEREM?
Ah sim, tem isso né? Então... enquanto a experiencia das aventuras de Mail, Popful Mail é ótima, quanto ao gameplay ... eu tenho algumas questões sobre isso.
O que temos aqui é um daqueles Action RPG que é meio complicado de encaixar em um genero realmente. O jogo é um jogo de plataforma com visão lateral, você anda para a esquerda, para a direita e pula, sobe escadas e pula em plataformas. Os inimigos são eliminados por armas em vez de vc pular na cabeça deles, enfim é essencialmente um jogo de plataforma mas é aí que entram os elementos de RPG.
E assim Mail começou sua carreira traficando celulares no presídio
O jogo mais perto que eu consigo pensar são os jogos da série Wonder Boy (mais conhecida no Brasil como os jogos que foram portados como os jogos da TURMA DA MONICA. Eu digo que tem elementos de RPG pq embora Mail e amigos não ganhem pontos de experiência ou níveis (você tem cem pontos de vida no início do jogo e esse é mesmo quando você enfrenta o chefe final), porém, você pode comprar e encontrar novos equipamentos nas lojas e isso lhe dará novas formas de ataques, aumentará o dano que você causa ou, no caso da armadura, lhe dará um valor defensivo maior.
Ou seja, você tem toda a logistica do RPG e isso é uma parte muito importante como grande do jogo já que equipamento é um fator ao par da sua habilidade em plataformar.
Além da plataforma e do equipamento, o outro grande elemento do gameplay é que você começa a jornada apenas com Mail em seu grupo, mas eventualmente Tatto e Gaw se juntam e a partir desse ponto, você pode trocar o personagem ativo durante o jogo.
É a melhor tela de game over que eu consigo lembrar, isso tem que ser dito
Isso é importante porque além de cada um ter seus próprios pontos de vida (o que significa que você tem essencialmente três barras de vida à sua disposição, o que certamente ajuda durante algumas das lutas contra chefes), cada um tem suas diferenças no manuseio. Mail é a mais rápida dos três e a que consegue pular mais longe horizontalmente, Tatto tem ataques de projéteis mas é lento, e Gaw é o mais lento só que pula mais alto que os outros dois. O que quer dizer que Tatt é meio inutil e na maior parte você vai estar alternando entre Mail e Gaw dependendo se você precisa avançar horizontamente ou verticalmente na fase.
A jogabilidade básica é funcional. Os controles funcionam bem de acordo com o que se propõe a fazer - de acordo com cada personagem - e impressionantemente bem para um jogo de PC de 91, a Working Designs fez um grande trabalho aqui.
Realmente elegante mostrar os seios da heroína antes mesmo de mostrar o rosto. Mas tenho que admitir que é uma boa animação e é bom ver tudo feito com bitmaps nítidos e limpos, em vez de FMV todo blocado como usualmente é o caso do Sega CD.
O que é menos grande, e aí não tinha milagre que a WD pudesse fazer, é a estrutura do jogo: Popful Mail tem quantidades insanas de backtracking. Ao ponto que fica ridiculo, algumas vezes o jogo te faz atravessar a fase inteira duas ou três vezes e isso em mais de uma oportunidade. Adicione que o jogo não te diz exatamente para onde você tem que fazer o backtracking e temos muita bateção de perna que apenas diminui a experiencia.
Não é como se o jogo fosse curto, esse backtracking artificialzaço apenas serve acabar com a sua paciencia. E se isso não é culpa da WD - o jogo original é assim - a questão da dificuldade é. Isso porque não foi apenas adicionar cutscenes e adaptar dialogos (além de dubla-los) que a WD e sim dar aquela guaribada na dificuldade que a Sega da América adora nos seus jogos para que você não possa terminar eles numa alugada só e tenha que compra-los.
Enquanto isso, na versão de Super Nintendo esse jogo é muito diferente. Você começa na cidade em vez de fora dela e vc não pode sair até fazer ... alguma coisa. Como esse jogo nunca foi lançado fora do Japão e eu não entendo uma palavra em japonês, então o que eu realmente preciso fazer aqui é um mistério.
A versão japonesa do jogo é okay, mas em inglês o gold dropado pelos inimigos cai pela metade e o dano dos chefes aumenta, de modo que você é obrigado a grindar para conseguir ouro suficiente para ter equipamento e itens de cura suficientes para a batalha, e aí me fode o meio campo amigo!
Agora some um backtracking que já não é simpático e uma exploração que frequentemente não te diz pra onde você tem que backtrackear com ter que parar pra farmar gold ... assim não pode, assim não dá. E o que mais irrita é que isso é absolutamente gratuito, não é como se o jogo fosse fácil demais (já tem longas areas onde você não tem uma cidade para restocar os seus itens) ou curto demais, vc não precisava mexer nada nele pra ele ter uma duração okay pra ser vendido no ocidente. Foi burrice, uma que a Sega tem histórico de cometer - diga-se de passagem.
Mas sério, esse jogo é muito bem animado. Todos os frames de animação que não caberiam em um cartucho foram usados aqui pq CD tem espaço, como que a Sega não percebia esse potencial do Sega CD?
Nos aspectos tecnicos, Popful Mail é um jogo muito bonito. O jogo é bastante colorido para algo rodando com as 16 cores que o Mega Drive pode exibir, as fases ao ar livre realmente se destacam com cenários de cores vivas, e os personagens são muito bem animados. Cada um dos três protagonistas é especialmente bem animado para um jogo de 16 bits. Os visuais dos inimigos são um pouco abaixo do padrão, mas isso é perdoável. As sequências animadas são algumas das melhores que já vi no Sega CD.
A trilha sonora, como de costume em consoles da Sega, é tenebrosa. Não porque as músicas em CD sejam ruins, mas são apenas QUATRO músicas em um jogo de aproximadamente 5 horas. Porra véi, aí vocês querem me enlouquecer. No aspecto positivo, a dublagem é uma das melhores dos anos 90, com performances super over the top que se encaixam perfeitamente no tema do anime e faz jus ao nome da Working Designs.
Popful Mail não ganhou continuações em jogo, mas acabou tendo mangas, alguns audio dramas e até mesmo foi feito um pitch de uma proposta de um anime (esse video acima) com musica da onipresente musa dos animes nos anos 90, Megumi Hayashibara. Porém a proposta do anime não foi pra frente e ficou só nesse PV mesmo.
Enfim, Popful Mail faz um grande trabalho de dar brilho a um jogo que por si só não seria muito digno de nota no conteúdo adicional. Até porque é muito raro um RPG japonês (mesmo que de ação) em uma plataforma impopular que tenha sido traduzido para o inglês em nenhum outro lugar - e esse jogo é exclusivo do Sega CD. Isso por si só garante que Popful Mail seja um jogo que mereça ser conhecido, o que foi feito aqui não é desprezível.
O jogo é divertido, mas infelizmente tem problemas estruturais que não podem ser ignorados e o tornam menor do que ele poderia, não, do que ele deveria ser. Ele tenta ser um action RPG de rolagem lateral no estilo Metroid, mas funciona melhor no papel do que na prática. Explorar o mundo não é divertido sempre, as vezes é mais um trabalho do que um prazer e algumas vezes fica irritante. Eu adorei o visual, o tom é na mosca e os personagens são divertidos, mas não dá pra varrer pra baixo tapete os problemas de gameplay do jogo.