sexta-feira, 2 de julho de 2021

[MEGA DRIVE] PHANTASY STAR 4: The End of Millenium (Dezembro de 1993) [#717]

Eu não sei que jogo é esse da capa, mas posso garantir que não foi o jogo que eu joguei

Sabe, eu já estou nessa vida de escrever sobre jogos a mais de quatro anos e eu posso dizer seguramente que nunca encontrei um jogo como Phantasy Star 4. Eu estou achando incrivelmente dificil falar sobre PS4, só que não pelos motivos usuais. Alguns jogos eu acho particularmente dificil de escrever sobre eles porque, na real, não tem muito realmente o que dizer sobre ele porque o jogo não me dá muito com o que trabalhar (como é o caso de CLOCKWORK KNIGHT, Deus como esse jogo dá pouco com o que trabalhar), mas esse não é o caso aqui.

Phantasy Star 4 é um jogo grande, com uma história ampla e até ambiciosa pra sua época, um world building interessante e um sistema de combate que naõ é ruim. Ou seja, eu tenho bastante sobre o que falar dele. O real problema para falar desse jogo, e é um problema que eu nunca tive antes nessa industria vital é que... bem, eu não tenho muita certeza do que eu penso sobre PS4.

Quer dizer, o jogo é legal, definitivamente é bom, mas falta algo, alguma coisa para o jogo ser realmente grande épico e lendário e eu não consigo colocar exatamente o meu dedo sobre o que falta. Eu sinto que esse jogo precisaria ser mais 20% cooler, mas estou tendo dificuldade em explicar o motivo.


Vamos começar dizendo que Phantasy Star 4 é sim um dos melhores RPGs já criados para o Mega Drive... o que em si é mérito dúbio, seria tipo  ser chamado de o melhor jogador de basquete da Islândia, não é como e a competição seja muita realmente (especialmente no ocidente onde raramente chegam RPGs para o Mega Drive, que tem uma politica de querer parecer descolado e RPG é coisa de neeeeerdzzzz). 

No entanto, Phantasy Star 4 faz varias coisas que eu gosto, algumas realmente legais que sequer foram tentadas. A principal é em relação a estrutura da própria série: franquias de RPG usualmente são jogos sem relação entre si, o que os liga são temas, mecanicas, itens-chave ou coisas assim - por exemplo todos os Final Fantasy tem airships, Chocobos e Phoenix Down, mas eles não tem nenhuma relação entre si para além disso. O mesmo vale para todas as grandes franquias da época como Megami Tensei (hoje mais conhecida por seus spin-offs "Shin Megami Tensei" e "Persona"), Dragon Quest, Mother e por aí vai.


Phantasy Star não, todos os jogos se passam no mesmo universo, na mesma linha temporal. O que acontece é que cada jogo se passa em um intervalo de mil anos entre um e outro. PS2 se passa aproximadamente mil anos após o primeiro, e PS4 entre o segundo e o terceiro. O que torna isso particularmente legal é que o que você jogou em um jogo se tornou uma lenda milhares de anos depois.

Em PS4, a Alyss do primeiro jogo é venerada como a lendária heroina que salvou o sistema Algol, seus feitos contados de forma tão exagerada que parecem quase como um contos de fadas. Isso é particularmente legal porque você jogou essa aventura, você esteve lá e ver os seus feitos celebrados milhares de anos depois dá uma sensação épica de que foi realmente uma grande aventura. Isso dá uma sensação muito legal, são poucos jogos que conseguem fazer os seus jogos anteriores retroativamente mais legais.


Ou então ver o outrora grande, terrível e destruidor de mundos Lashiec como um restolho de um espirito consumido pela própria ganancia fracassada, é uma coisa bem legal - definitivamente eu gostaria que mais RPGs fizessem algo do tipo.

No geral o feeling da coisa passa a sensação de uma grande novela cosmica contada ao longo de milhares de anos, bem no estilo dos livros de Isaac Asimov. E olha, comparar roteiro de RPGs com Asimov não é algo que acontece frequentemente... ou nunca, até onde me consta. Então kudos para a Sega pelo planejamento da coisa.

Quase dois mil anos depois, Lashiec tá meio acabadão. Depois de me fazer grindar por horas em PS1 só posso dizer que ele tá horrível, espero que piore XD

Porém enquanto a narrativa do universo de Algo é continua, ela não fica grande demais em momento algum - ao menos PS4 assume que você não jogou nenhum dos outros jogos e tudo é auto-contido, mostrado pelo ponto de vista dos personagens daquela época. Por exemplo, os personagens de PS4 vivem em um mundo em que o primeiro planeta do sistema Algol foi destruido a mil anos atrás e isso levou a ruína da civilização galactica ao ponto que os mundos retornaram a estagios medievais de tecnologia. Mas pra eles o mundo é esse, sempre foi assim desde que eles nasceram e é algo que eles apenas sabem que aconteceu. 

Que isso em particular é o fim apoteótico de um Phantasy Star anterior (não tenho certeza se o 2 ou um para Game Gear) não é um conhecimento que o jogador precisa ter para entender a história e isso é muito bom. Falando em muito bom, outra coisa que eu gosto muito nesse jogo é que ele não faz algo que eu não gosto em RPGs!

UAU, QUATRO ANOS ESCREVENDO ESSES TEXTOS E TU ESTÁ SE EXPRESSANDO CADA DIA MELHOR, EU VEJO

Obrigado pelo incentivo, Jorge! Mas bem, eis o que eu realmente não gosto em um RPG: a estrutura de "vilazinha do dia". Me diga se lhe é familiar: você chega em uma vilazinha aleatória e ela tem um problema aleatório sem relação com porra nenhuma. Alguém apenas abriu a grande gaveta de quests de RPG e meteu algumas ali just because. SHINING FORCE 2 é um grande exemplo disso, mas é uma trope que me incomoda até hoje (sim, Final Fantasy 15, estou olhando pra vc). Phantasy Star... não faz isso.

O jogo é todo tematicamente coerente, todas as quests, todas as vilas tem quests e problemas pensados levando em conta o big plot do que está acontecendo no mundo (que no caso é o mundo estar morrendo lentamente e os monstros saindo de controle pro razões sci-fi civilização tecnologica perdida). Ajuda muito também que eu goste bastante do tema do jogo.

Quando você e seus amigos entram num role aleatório e quando percebem estão de cara com Shub-Niggurath

Não é muito segredo que eu não vejo muito charme em fantasia medieval, não é que eu particularmente odeie nem nada, apenas é uma coisa que não me atrai muito. Agora um cenário pós-moderno onde a civilização regressou e a tecnologia é vista quase como magia, esse é um setting que me interessa bastante. O que eu gostei bastante na reta final de SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention e aqui PS4 faz muito melhor porque esse é todo o tema do jogo, afinal.

E com isso voltamos ao meu ponto no inicio do texto: eu gosto muito da estrutura da franquia, gosto da história, gosto da forma como ela é implementada, gosto do tema... então logo eu deveria ter gostado desse jogo muito mais do que eu gostei efetivamente. O que deu errado?

Inicialmente eu achei que fosse o sistema de combate, mas a verdade que uma vez que você entende o sistema de combate ele é interessante até. O que rola aqui é que seu personagem tem dois tipos de movimentos especiais: magias e skills. A diferença entre eles é que magias gastam MP, e skills tem um número pré-definido a cada descanso.

Senhor, o senhor que explicar essas imagens no histórico do seu navegador


Então ao explorar a dungeon você tem que gerenciar sua mana e seu uso de skills, o que é algo curioso para se administrar - especialmente porque o espaço do seu inventário é limitado, logo os itens de cura que você pode levar também e portanto a exploração da dungeon é uma batalha de atrição entre o gasto de itens/skills/mana e os monstros te desgastando. Não é algo incrivelmente estupendo, mas ao menos é algo mecanicamente pra prestar atenção... o que já é mais do que dá pra dizer de LUNAR: The Silver Star Story. Cada personagem também tem um feeling único no seu set de magias/skills, mas como você não escolhe sua party (exceto na ultima luta vc pode escolher o quinto membro) isso meio que não impacta taaaanto assim porque você tem o que você tem, afinal.

E ajuda muito que o jogo tenha um sistema para você configurar sequencias de comandos para os personagens, o que agiliza muito as batalhas rotineiras. Você pode dar um comando pré-gravado para sua party executar cada um movimento, o que é bem mais rápido do que selecionar opções um por um. Adicione a isso que esse  jogo é bem menos grindy que o PHANTASY STAR original... até porque ser menos grindy que um RPG de 1987 também não é tão dificil assim. 

Muita gente reclama que as dungeons são muito lineares e eu vejo como a falta de exploração pode ser um problema, mas então dungeons nunca foram o meu ponto favorito dos RPGs então não é algo que particularmente me incomoda. Na verdade, eu considero um bonus ser dificil vc ficar perdido. Então... qual é o problema desse jogo, afinal?

Você esperava que eu dissesse o problema, mas SOU EU, ZIO!

Bem, talvez uma resposta a isso possa ser formulada batendo o olho nesse jogo: eu achei os gráficos dele bem feios. Não sei bem o que é, mas os personagens meio esticados assim não são esteticamente agradaveis de se olhar. Esse jogo parece bastante com um jogo de Master System, e obviamente isso que não é de uma forma elogiosa.

O pior mesmo é que eu acho que isso é uma escolha artistica de manter o "traço" da série, pq não apenas já se fazia coisa melhor na época mesmo no Mega Drive (como Lunar e Shining Force), mas como nas cutscenes os personagens são bem desenhados. Então a Sega intencionalmente decidiu fazer esse jogo não bonito.


Não é que isso torne o jogo ruim por si, mas não dá pra dizer que tirar o charme de um jogo 2D não acabe afetando a experiencia do jogo. Adicione a isso que a trilha sonora é... bem, é um jogo de Mega Drive, né? Qualquer coisa que não soe como uma kusarigama feita de cacos de vidro girada dentro de uma máquina de lavar cuja fabricação está fora de linha seria lucro. Um lucro que você não tem.

RPGs são jogos bastante longos, e jogos longos assim se sustentam mais pela experiencia que proporciona ao jogador do que pela mecanica em si. E nisso a música é uma ferramenta fundamental, porém em PS4 tudo que você tem é um loop de poucos segundos irritante que você quer desligar o quanto antes. Tal qual os gráficos, não é algo que torna o jogo ruim per se, mas... né? Ele torna o jogo menos do que deveria ser.

Pense só: enquanto em um RPG de Super Nintendo você tem uma coisa como isso...


... e em Lunar você tinha algo como isso...


... em Phantasy Star 4 você não tem nada memoravel assim. São as pequenas coisas, sabe? E é assim de pequena coisa em pequena coisa que esse jogo vai ficando "ehh" mesmo sem fazer nada particularmente errado. É uma polidinha nos menus que falta, é uma musiquinha chata, é um gráfico que não tem charme. As pequenas coisas.

E isso tudo ganha corpo quando você chega naquele que pra mim é o grande problema real desse jogo: eu achei os personagens profundamente desinteressantes. E nem é porque eles tenham ausencia de traços de personalidade, o grupo é composto por personagens coloridos interessantes que poderiam dar uma boa party.

VOCÊ ESTÁ DIZENDO ISSO SÓ PQ TEM UMA CATGIRL E UMA ROBO WAIFU NO GRUPO, NÉ?

Também, não vou mentir. Mas para além disso, os personagens tem arquetipos de personalidade interessante como o sacerdote alien que é viciado em trocadilhos, ou o androide que leva as coisas literalmente. Rika é ingênua e adorável, e Rune é arrogante mas com algo a mais, ele não é só um cuzão. 

Quando você chega na festa sem calças, existem dois tipos de reação possiveis

Eu particularmente gosto de quando o herói diz que não vai sair matando uma galera pq uma "força do bem ancestral" disse pra ele que é o único jeito, pq isso é essencialmente o que os vilões estavam fazendo (só que no caso dos vilões eles estavam obedecendo sem questionar uma "força do mal ancestral") e... qual é a diferença? Po, isso é maneiro.

São boas ideias... só que nunca acabam desenvolvidas porque o jogo não tira um tempo para respirar e desenvolver os personagens. Do começo ao fim do jogo a trama segue no embalo da história principal e vamo que vamo que vamo. Vamo onde com essa pressa toda, rapaz? 

Algumas combinações de skills quando usadas no mesmo turno tem uma chance de ativar um ataque especial, aos moldes do que depois seria imortalizado em Chrono Trigger. Então kudos a Sega por ter tido a ideia primeiro.

Você tem literalmente mais de uma dezena de horas de jogo, custaria dar uma sidequest (que o jogo tem várias, alias), algumas cutscenes (que o jogo tem várias, alias) em prol dos personagens? Pra que tanta pressa? E antes que você diga que isso é uma sensibilidade moderna minha, jogos da época faziam isso. FINAL FANTASY 6 tira um momento pra fazer isso, Lunar faz muito disso, até mesmo Shining Force com seus quase 40 personagens tenta fazer isso dando um downtime pra vc hangear com a galera na sua base. Pode não parecer grande coisa, mas definitivamente é alguma coisa.

Porém Phantasy Star não faz isso. Pq, Sega, pq? Especialmente a Alys, que é de longe a personagem mais interessante do jogo, pq eu não posso apenas ter alguns minutos para ve-la Alyssizando Alyssizamente? Pq?

Como eu disse, são as pequenas coisas.

Como dá pra ver, os gráficos do jogo do Mega Drive são uma evolução dos gráficos do jogo do Master System... e isso não ficou tão legal quanto eles acharam que ficaria

E então eu volto ao começo do meu texto, porque colocando as coisas por escrito agora não parece fazer sentido. Os prós desse jogo são teoricamente muito maiores que os contras que eu apontei (bem, não a coisa dos personagens, isso é um problema grande), mas esse pequeno degrau que fica faltando é o grande salto onde entra o talento, a genialidade, o schutzpa que difere um jogo competente de uma obra prima. Mas... eu não tenho certeza a respeito disso.

Sei lá, talvez eu esteja apenas sendo rabujento, talvez se eu estivesse com humor melhor esses dias, eu não tenho muita certeza e isso não é algo que acontece frequentemente por aqui. O que eu sei é que eu não sou o único que pensa assim, porque a Sega também acha isso: originalmente esse jogo deveria ter sido lançado para o Sega CD com muito mais conteúdo, cenas, um sistema de combate mais profundo e várias coisas que fariam desse jogo um jogo a par com Lunar. Porém no começo de 94, quando esse jogo foi lançado, a Sega meio que já tinha desistido inteiramente do Sega CD no Japão e então muita coisa foi cortada para caber em um cartucho de Mega Drive (e ainda sim esse jogo teve um lançamento especial com chips extras para o jogo conseguir ter todo o conteúdo, fazendo ele cerca de 20 dolares mais caro do que um lançamento normal de Mega Drive).

Os menus não são cleans como os RPGs de Super Nintendo porque ter interface visualmente poluida deve ser algum tipo de religião na Sega ou algo assim, mas uma vez que se acostuma não é terrível. Eu gostaria de poder comprar mais de um item de cada vez, mas fora isso eles são mais funcionais do que vc poderia esperar

Muito provavelmente o jogo que estou procurando, o jogo que eu sinto que Phantasy Star 4 chegou muito perto de ter sido reside nesses cortes que ficaram de fora da ideia original de ser um jogo do Sega CD, mas isso é especulação minha e jamais saberemos porque essa versão não existe.

Curiosamente, a versão "completa" de PS4 quase veio a existir alguns anos depois. A Working Designs demonstrou interesse em dar a Phantasy Star 4 o mesmo tratamento que ela deu a Lunar na versão de Saturn/Playstation, adicionando cutscenes em anime, refazendo as musicas, melhorando dialogos e colocando conteúdo adicional. Infelizmente nessa época já eram os tenebrosos dias de Bernard Stolar e sua politica de "jogos que tem que ler são coisa de mariconas" e ele garantiu que se esse jogo saísse ele jamais sairia do Japão. O que é realmente uma pena, o Saturn (e o mundo) poderiam ter tido um dos maiores RPGs de todos os tempos... ou não, jamais saberemos realmente.

Eu particularmente gosto de como a diretora do jogo, Rieko Kodama, sempre parece em todas as fotos que está de saco cheio de vc tentar ser engraçadinho. Considerando que ela fez toda sua carreira na Sega, eu não a culpo.

O que sabemos é que do jeito que é, Phantasy Star 4 é um excelente RPG (mesmo que o Mega Drive não tenha um grande histórico disso). É muito competente no que tenta fazer, e claramente você vê que foi feito por pessoas que se importam com ele. 

Mas você só pode ir até certo ponto com simples competencia, vc precisa aquele algo mais, aquela fagulha que incendeia nossos corações... e eu não senti que esse jogo fez isso. Phantasy Star 4 chega muito perto de ser uma obra prima, mas não é. O que ele é, é um RPG realmente sólido e bom para o Mega Drive, o que por si só não é algo que acontece todo dia.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 013