quarta-feira, 28 de julho de 2021

[MULTISSISTEMAS] MORTAL KOMBAT 3 (Abril de 1995) [#735]


Uma coisa que eu digo aqui vez e vez e outra é que videogames para serem realmente grandes precisam mais do que serem apenas brinquedos com grife, eles precisam ser experiencias. Sim, é verdade que alguns jogos são tão bons enquanto jogo que não tem nada de errado ser um brinquedo sem maiores pretenções. Porém as chances são de que muito provavelmente você não é um Shigeru Miyamoto para puxar um SUPER MARIO WORLD da bunda.

E em você não sendo um Shigeru Miyamoto, a diferença entre o bilhonésimo jogo de plataforma (ou de luta, ou de esporte, ou o que quer que seja) e o bilhonésimo primeiro jogo é bem pequena, ao ponto que você se pergunta pra que esse jogo existe, afinal?


Sério, pq eles achavam que ter um alien na barriga ia fazer vender o jogo?

Agora, sabe quem realmente entendeu isso? De todas as pessoas nessa indústria, quem foi que entendeu que transformar o jogo numa experiencia era a forma de manter o seu jogo vivo após a terceira edição quando apenas lançar um patch de update e chamar de continuação já teria feito perder o interesse a muito? (essa semana mesmo eu falei sobre FATAL FURY 3: Road to the Final Victory, que ilustra bem isso)

Ed Boon e John Tobias. Acredite ou não, a partir de Mortal Kombat 3 eles passaram a investir bastante em construir um lore, relações entre os personagens, linhas do tempo e tudo mais para tornar Mortal Kombat um universo rico (e ser explorado em filmes, livros, quadrinhos e séries de TV). Mortal Kombat, de todas as coisas, aquele joguinho de luta bem mais ou menos que compensava com ultraviolencia, entendeu como se faz as coisas.

O resultado é que Mortal Kombat é uma série que tá aí ainda hoje firme e forte. Em grande parte por causa da sua ultraviolencia exagerada, mas não em menos parte porque os fãs realmente se importam com os personagens e querem saber das tretas dessa familia muito louca, mas também muito ouriçada. Mortal Kombat, cara.

Embora nos anos seguintes o lore de Mortal Kombat seria expandido a níveis quase Warcraft-like, eis como as coisas eram quando do lançamento de MK3: a muito, muito tempo atrás havia um ditador chamado Shao Khan que tinha como hobbie dominar mundos. Alguns colecionam selos, outros jogam Yu-Gi-Oh, Shao Khan curtia drenar a energia vital de mundos para si - os tornando terras de escravos barrentas no processo.

Após alguns milenios fazendo isso, Shao Khan já havia dominado uma miriade de mundos que ficou conhecido como seu reino de "Outworld". A coisa saiu tão de controle que os Deuses Anciões, que vigiavam toda a criação como Titãs, decidiram intervir e acabar com a putaria. 


Embora por razões de magia (que seriam desenvolvidas mais tarde), os deuses não podem interferir no mundo mortal diretamente a ponto de proibir que Shao Khan abra portais para outros reinos, eles podiam colocar regras para ordenar o samba do afrodescendente com questões de saúde mental. Dessa forma foi estabelecida uma regra: para Shado Khan dominar um reino, ele tinha que desafiar os melhores lutares daquele reino para um torneio de luta que seria realizado uma vez a cada geração. Se ele vencesse DEZ torneios seguidos, então ele poderia incorporar aquele reino a sua Outworld. Esse torneio ficou conhecido como MORTAL KOMBAT.

Obviamente que Shao Khan não ficou feliz com isso, ter que esperar dez gerações para dominar um reino (se tudo desse certo, bastava uma derrota para ter que recomeçar do zero) era uma merda, mas não tinha nada que ele podia fazer a respeito de uma regra criada pelos Deuses Anciões. Ou será que tinha?

Assim, o primeiro jogo de Mortal Kombat foi retconneado (no original ele era apenas um torneio de luta qualquer) para ser o décimo torneio após 9 vitórias das forças de Outworld. Se o lacaio de Shao Khan, o feiticeiro Shang Tsung, vencesse o Mortal Kombat então a Terra seria dele.


Quando você não faz ideia de metade do que foi dito no dialogo como em MK 11, dá pra ver que o lore realmente expandiu. Ainda sim, gosto de como a Elder God mandou um "Lacrei e vazei" pro Rayden

Infelizmente para os planos dele, o monge shaolin Liu Kang vence aquele Mortal Kombat (o do primeiro jogo, no caso) e isso faz Shao Khan ficar full pistola e partir para um plano B - um que ele já estava trabalhando nele a mais de dez mil anos, na verdade.

O primeiro passo foi desafiar os guerreiros da Terra para um Mortal Kombat especial, valendo tudo ou nada: se ele vencesse, aquele contaria como o décimo MK seguido vencido por Outworld, se ele perdesse Outworld abriria mão de desafiar a Terra para sempre. Os guerreiros da Terra são trickeados a aceitar por razões bastante pessoais, e esse é o segundo jogo de Mortal Kombat.

O que eles não faziam ideia é que isso era um truque de Shao Khan, isso porque enquanto um Mortal Kombat está acontecendo é permitido que os guerreiros dele de Outworld venham para a Terra para competir. E ele usou essa brecha para performar um ritual na Terra que faria sua falecida rainha Sindel ser ressucitada na Terra.

Eu acho que alguma coisa errada nessas mãos flutuantes aí não estão certas

Quando Shao Khan conquistou o reino de Edenia, tomou para si a rainha local Sindel como sua esposa e a princesa Kitana como sua filha - pq se o Thanos podia adotar uma famillia apenas pq sentiu vontade, Shao Khan sentiu que podia também - Sindel, que era uma poderosa feiticeira, se sacrificou para completar a magia dos deuses que impedia Shao Khan de invadir os outros reinos sem o Mortal Kombat. Como eu disse, os deuses não podiam interferir diretamente no mundo material de modo que era preciso que uma mortal executasse o feitiço por eles.

Shao Khan passou dez mil anos pesquisando como desfazer essa barreira, o que nos leva ao ponto que ela precisava ser revivida na Terra como parte do ritual para desfazer a regra do Mortal Kombat. E é o que é feito, Shao Khan consegue desfazer a magia e assim abriu a porteira como nos velhos tempos.


Shao Khan invade a Terra, a anexando a Outworld e imediatamente absorvendo todas as almas dos Terra para lhe dar poder, como era o procedimento. Tendo o feitiço sido desfeito, não havia nada que o Deus-Ancião responvel pela Terra, Rayden, pudesse fazer senão usar seus poderes para proteger as almas de alguns poucos humanos capazes de lutar.

A unica coisa que pode ser feita para salvar a Terra agora é derrotar Shao Khan ao bom e velho estilo texano: sem torneios, sem regras, sem nada. Apenas andar por uma Terra deserta de pessoas e meter a porrada em todo mundo até chegar nele e esbofetea-lo até ele contrair óbito. Mas Shao Khan está apenas bombado pelo buff de ter absorvido todas as almas de Terra, o quão dificil isso pode ser, né?


Como eu disse, nos anos seguintes todo esse lore seria expandido através de livros, HQs, séries, outros jogos e coisas assim. Seria mais detalhado quem são os Deuses Anciões exatamente e que regras eles precisam obedecer, a história do reino de Edenia e a conquista de Shao Khan em meio a várias tretas políticas, sobre como esse universo foi criado e várias coisas assim.

E foi em Mortal Kombat 3 que tudo começou, essa ideia de transformar um jogo de luta em um universo rico e expansivo. Nesse jogo em particular é sobre os guerreiros da Terra que tiveram suas almas protegidas por Rayden (mas não suas vidas, eles ainda podem ser mortos) lutando enquanto várias subtramas se desenrolam no cenário pós apocaliptico.

Algumas são extremamente simples como Stryker, um policial de rua que teve sua alma preservada por Rayden e logo se descobriu a unica pessoa viva em Nova York sem entender muito o que estava acontecendo. Rayden então aparece pra ele e explica a treta, de modo que Stryker vai rumo a Shao Khan pra resolver tudo na porrada.

Hã, acho que mesmo para os padrões de MK, isso não faz sentido também...

Outras são mais complexas a ponto que dariam um jogo por si só, como a substória de Sub-Zero. O Sub-Zero original era um assassino do clã de ninjas Lin Kuei contratados por Shang Tsung para lutar por Outworld no primeiro Mortal Kombat. Esse Sub-Zero original foi morto por Scorpion, um ninja rival que foi assassinado por Sub-Zero junto com a sua família, e voltou do inferno na pura força do ódio para se vingar do ninja de gelo.

No segundo Mortal Kombat, o irmão mais novo dele assume o título de Sub-Zero para investigar o que aconteceu com o irmão. O que ele descobre, além de que seu irmão tá sentado no colo do capeta a essa altura, é que o clã Lin Kuei tem um plano para tornar seus ninjas assassinos mais eficientes ainda: os transformar em robos. Sabendo disso, Sub-Zero e seu melhor amigo Smoke picam a mula e desertam o clã - é por iso que ele luta sem máscara nesse jogo.


Porém na fuga Smoke é capturado e transformado em um robo, assim o Lin Kuei envia três ninjas-robos atrás de Sub-Zero: o agora Cyber Smoke, além dos ninjas Sektor e Cyrax que já haviam sido convertidos. E é no meio dessa treta que o apocalipse acontece e todas as almas da Terra são sugadas por Shao Khan.

A alma de Sub-Zero é protegida por Rayden, ele sendo escolhido como um dos guerreiros da Terra contra Shao Khan, porém os robos de Lin Kuei não tem alma mesmo e continuam sua missão com apocalipse ou não, de modo que Sub-Zero tem que derrotar Shao Khan ENQUANTO é caçado por ninjas-robos em um cenário pós-apocaliptico - sendo que um deles é seu antigo melhor amigo, convertido em uma máquina. Se isso sozinho não dá um filme, cê é loko e meu nome é Ricardinho da Bombacha.

Bem, a noticia ruim... é que isso gerou um filme, um filme criminosamente ruim, com efeito um dos piores filmes de todos os tempos: Mortal Kombat Annihilation, que é basicamente uma adaptação cinematográfica de MK3... eu acho? Quer dizer, esse filme é tão ruim, tão hediondo que é dificil realmente dizer sobre o que ele é.


... Jesus na causa, o que foi esse filme? Por exemplo, eu entendo conseguir extrair uma história da princesa Kitana que descobriu que sua mãe foi ressuscitada após milhares de anos, apenas para que ela é agora um fantoche controlado por Shao Khan e precisa lutar contra ela. Dá pra tirar algo disso, certo?

Bem, o que esse filme tira é... isso:


Curiosamente, esse filme acabou sendo bastante emblemático do que se tornaria o futuro da franquia Mortal Kombat nos anos seguintes, sendo a marca associda com produtos de baixissima qualidade como essa monstruosidade de filme, Mortal Kombat 4 tentou transformar a série num jogo de luta 3D para acompanhar a moda da época e não foi muito mais bem recebido, e o spin-off Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero... bem, nós vamos ainda chegar a isso um dia.

Então é curioso que enquanto conceitualmente Mortal Kombat entrou no caminho certo com Mortal Kombat 3, a execução dessas ideias jogou o nome da franquia na lama por muitos anos até Mortal Kombat 9 de 2011 que foi lançado apenas com o nome "Mortal Kombat" porque foi um hard reset na série, refazendo tudo com calma e bom gosto. Mas isso é no futuro, e estamos falando de MK3 agora. Que tipo de jogo é esse, afinal?



A primeira coisa que chama atenção em MK3 certamente é a ausência de vários personagens favoritos dos fãs como Raiden, Johnny Cage e Scorpion. Eu, por exemplo, nunca dei muita atenção pra MK3 pq não tinha meu personagem favorito de jogar na série - o Scorpion, e muitos fãs se sentiram da mesma maneira. Adicionalmente a isso não é como se os novos personagens fossem inteiramente épicos também - enquanto a Sindel é bem legal, temos a inclusão de personagens que ninguém se importa a minima como Stryker ou Nightwolf.

Curiosamente, MK3 também carece da marca registrada da série, os ninjas "palette swap" ... substituindo-os por ninja-robôs palette swap", sendo Cyrax, Sector e Smoke o mesmo personagem apenas com cores diferentes.

Por muitos anos os fãs quiseram jogar com um personagem da raça do Goro, e em MK3 finalmente podemos... mas Sheeva é meio decepcionante, nesse sentido

A Midway fez mudanças radicais no gameplay de MK3 também, tentando torna-lo mais dinamico e implementar um sistema de combos que se tornou muito popular em jogos dinamicos como KILLER INSTINCT e X-MEN CHILDREN OF THE ATOM. O resultado de sair do estilo de jogo de MK para tentar fazer algo da moda... foi menos que excelente. 

O sistema de combo é um pouco complexo demais para jogadores casuais, exigindo a memorização não apenas de movimentos especiais e Fatalities, mas de sequencias especificas de botões a serem ativadas de 5 a 6 hits por personagem. Se os jogadores não memorizassem isso, eles seriam facilmente derrotados estraçalhados tanto pela máquina quanto por um jogador que o fizesse já que esses combos tiram grandes pedaços de vida. A maioria dos combos parece visualmente legal quando saem, mas definitivamente não encaixa na estrutura de MK.

É disso que eu to falando

Graficamente, MK3 não melhorou tanto MK2 melhorou de MK1, mas o jogo parece decente. Algumas das animações são bem ridículas (especialmente as de corrida, parece um tiozão dando um pique), mas outras foram feitas razoavelmente bem. A mistura de elementos desenhados/feitos em CG em alguams areas não ficou muito boa, especialmente no novo tipo de fatality: o Animality.

Nesse novo tipo de finalização o personagem se transforma em um animal, e normalmente é uma animação bem tosca que não combina nada com os personagens feitos de fotografias digitalizadas, ele simplesmente parece retardado, e não faz nenhum sentido considerando a reputação e o enredo geralmente mais sérios do jogo.

Mesmo para os padrões de MK, isso é bem tosco

E enquanto os "animalitys" são estúpidos, os famosas fatalities de Mortal Kombat estão todos aqui e são violentos, mas a esse ponto não são muito novidade. Se você já jogou os outros Mortal Kombats, não vai ver nada muito impressionante por aqui. Parece estranho dizer que ficamos blasé com decapitações, pessoas sendo trituradas e tendo sua pele arrancada, mas isso não realmente não impressiona tanto quanto  os jornais da Record fazem parecer que impressiona.

Eu também acho que os requisitos de tempo e distancia para executar os golpes finais meio rushado, mesmo usando um truque para desligar o tempo dos fatalities, você estará esmagando botões gritando 'círculo X X quadrado X!' tentando cronometrar com perfeição. Se você consegue se lembrar de combinações ainda mais insanas de botões, pode transformar seus inimigos em bebês (não é o meu favorito) ou os malfadados animalities. Existe ainda um comando chamado Mercy que faz o adversário recuperar um pouco de vida para continuar a luta, mas eu nunca entendi como isso funciona e muito menos consegui fazer (ou tive interesse, na verdade).

Como era um fatality no MK1...

... e a que ponto chegamos em MK3.


Nos ports domésticos do jogo supostamente você pode ajustar a dificuldade, mas o efeito mal é perceptível e, infelizmente, as lutas se resumem a a fazer o mesmo conjunto de movimentos repetidamente para vencer a maioria dos oponentes, em vez de ser forçado a reagir diferente conforme vai o fluxo da luta. 

Falando em luta, também temos que citar a a monstruosidade que é o sub-chefe centauro Motaro, um dos inimigos mais ridículamente dificeis da história dos jogos de luta. Motaro consegue emendar combos que drenam toda sua vida sem que você possa fazer nada a respeito enquanto assiste ele te esmagar no chão. Eu perdi meia hora no processo de lutar contra esse canalha e causei anos de danos à minha pressão arterial no processo. Curiosamente, Shao-Kahn que segue a luta de Motaro, é relativamente bem simples, um alvo grande e lento que constantemente se expõe ao ataque para provocar você. Seja muito difícil ou muito fácil, o design dos chefes é bem tosco nesse jogo.


Para piorar, a forma de colocar cheats nesse jogo é dolorosamente bizarra, você tem que fazer uma combinação de simbolos durante a tela de VS dos personagens - ou seja, apenas poucos segundos para fazer uma combinação arcana de botões. 

No final das contas, a melhor coisa do MK3 é a atmosfera. Os cenários sombrios e pós-apocalipticos são realçados por uma trilha sonora techno densa. Os sons são excelentes - gritos, estalos, baques, a voz ultraprofundada dando os veredictos. Isso para mim é o que MK significa, basicamente toda a experiencia sombria e sangrenta, então eu realmente gostaria de ter aproveitado isso através de uma jogabilidade mais sólida. 


O que me leva ao ponto do começo do texto, pq os fãs apenas esperaram MK voltar a ficar relevante porque se importavam com os personagens, com o universo, com o lore mesmo quando os jogos não ajudavam. Pra vc ver como essas coisas importam

Mas a verdade é que os jogos de MK nunca foram particularmente bons, e esse não é exceção. Não existem modos diferentes suficientes, não tem conteúdo extra suficientes, muitos personagens esquecíveis - apenas nada que seja realmente notável. Embora os fanáticos de Mortal Kombat possam ter pouco do que reclamar, para a grande maioria do publico MK3 é um jogo de luta apenas mediano que não tinha muito a oferecer senão uma nota que já estava ficando gasta que é a violencia - que a esse ponto já estava cartunesca de tão ridicula. 

Isso não vai impedir as revistas ainda de explorar esse jogo até fazer calo, mas a verdade é que o tempo de Mortal Kombat como uma grande coisa já estava começando a terminar.

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