Uma coisa que eu digo aqui vez e vez e outra é que videogames para serem realmente grandes precisam mais do que serem apenas brinquedos com grife, eles precisam ser experiencias. Sim, é verdade que alguns jogos são tão bons enquanto jogo que não tem nada de errado ser um brinquedo sem maiores pretenções. Porém as chances são de que muito provavelmente você não é um Shigeru Miyamoto para puxar um SUPER MARIO WORLD da bunda.
E em você não sendo um Shigeru Miyamoto, a diferença entre o bilhonésimo jogo de plataforma (ou de luta, ou de esporte, ou o que quer que seja) e o bilhonésimo primeiro jogo é bem pequena, ao ponto que você se pergunta pra que esse jogo existe, afinal?
Agora, sabe quem realmente entendeu isso? De todas as pessoas nessa indústria, quem foi que entendeu que transformar o jogo numa experiencia era a forma de manter o seu jogo vivo após a terceira edição quando apenas lançar um patch de update e chamar de continuação já teria feito perder o interesse a muito? (essa semana mesmo eu falei sobre FATAL FURY 3: Road to the Final Victory, que ilustra bem isso)
Ed Boon e John Tobias. Acredite ou não, a partir de Mortal Kombat 3 eles passaram a investir bastante em construir um lore, relações entre os personagens, linhas do tempo e tudo mais para tornar Mortal Kombat um universo rico (e ser explorado em filmes, livros, quadrinhos e séries de TV). Mortal Kombat, de todas as coisas, aquele joguinho de luta bem mais ou menos que compensava com ultraviolencia, entendeu como se faz as coisas.
O resultado é que Mortal Kombat é uma série que tá aí ainda hoje firme e forte. Em grande parte por causa da sua ultraviolencia exagerada, mas não em menos parte porque os fãs realmente se importam com os personagens e querem saber das tretas dessa familia muito louca, mas também muito ouriçada. Mortal Kombat, cara.
Embora nos anos seguintes o lore de Mortal Kombat seria expandido a níveis quase Warcraft-like, eis como as coisas eram quando do lançamento de MK3: a muito, muito tempo atrás havia um ditador chamado Shao Khan que tinha como hobbie dominar mundos. Alguns colecionam selos, outros jogam Yu-Gi-Oh, Shao Khan curtia drenar a energia vital de mundos para si - os tornando terras de escravos barrentas no processo.
Após alguns milenios fazendo isso, Shao Khan já havia dominado uma miriade de mundos que ficou conhecido como seu reino de "Outworld". A coisa saiu tão de controle que os Deuses Anciões, que vigiavam toda a criação como Titãs, decidiram intervir e acabar com a putaria.
Embora por razões de magia (que seriam desenvolvidas mais tarde), os deuses não podem interferir no mundo mortal diretamente a ponto de proibir que Shao Khan abra portais para outros reinos, eles podiam colocar regras para ordenar o samba do afrodescendente com questões de saúde mental. Dessa forma foi estabelecida uma regra: para Shado Khan dominar um reino, ele tinha que desafiar os melhores lutares daquele reino para um torneio de luta que seria realizado uma vez a cada geração. Se ele vencesse DEZ torneios seguidos, então ele poderia incorporar aquele reino a sua Outworld. Esse torneio ficou conhecido como MORTAL KOMBAT.
Obviamente que Shao Khan não ficou feliz com isso, ter que esperar dez gerações para dominar um reino (se tudo desse certo, bastava uma derrota para ter que recomeçar do zero) era uma merda, mas não tinha nada que ele podia fazer a respeito de uma regra criada pelos Deuses Anciões. Ou será que tinha?
Assim, o primeiro jogo de Mortal Kombat foi retconneado (no original ele era apenas um torneio de luta qualquer) para ser o décimo torneio após 9 vitórias das forças de Outworld. Se o lacaio de Shao Khan, o feiticeiro Shang Tsung, vencesse o Mortal Kombat então a Terra seria dele.
Infelizmente para os planos dele, o monge shaolin Liu Kang vence aquele Mortal Kombat (o do primeiro jogo, no caso) e isso faz Shao Khan ficar full pistola e partir para um plano B - um que ele já estava trabalhando nele a mais de dez mil anos, na verdade.
O primeiro passo foi desafiar os guerreiros da Terra para um Mortal Kombat especial, valendo tudo ou nada: se ele vencesse, aquele contaria como o décimo MK seguido vencido por Outworld, se ele perdesse Outworld abriria mão de desafiar a Terra para sempre. Os guerreiros da Terra são trickeados a aceitar por razões bastante pessoais, e esse é o segundo jogo de Mortal Kombat.
O que eles não faziam ideia é que isso era um truque de Shao Khan, isso porque enquanto um Mortal Kombat está acontecendo é permitido que os guerreiros dele de Outworld venham para a Terra para competir. E ele usou essa brecha para performar um ritual na Terra que faria sua falecida rainha Sindel ser ressucitada na Terra.
Eu acho que alguma coisa errada nessas mãos flutuantes aí não estão certas |
Quando Shao Khan conquistou o reino de Edenia, tomou para si a rainha local Sindel como sua esposa e a princesa Kitana como sua filha - pq se o Thanos podia adotar uma famillia apenas pq sentiu vontade, Shao Khan sentiu que podia também - Sindel, que era uma poderosa feiticeira, se sacrificou para completar a magia dos deuses que impedia Shao Khan de invadir os outros reinos sem o Mortal Kombat. Como eu disse, os deuses não podiam interferir diretamente no mundo material de modo que era preciso que uma mortal executasse o feitiço por eles.
Shao Khan passou dez mil anos pesquisando como desfazer essa barreira, o que nos leva ao ponto que ela precisava ser revivida na Terra como parte do ritual para desfazer a regra do Mortal Kombat. E é o que é feito, Shao Khan consegue desfazer a magia e assim abriu a porteira como nos velhos tempos.
Shao Khan invade a Terra, a anexando a Outworld e imediatamente absorvendo todas as almas dos Terra para lhe dar poder, como era o procedimento. Tendo o feitiço sido desfeito, não havia nada que o Deus-Ancião responvel pela Terra, Rayden, pudesse fazer senão usar seus poderes para proteger as almas de alguns poucos humanos capazes de lutar.
A unica coisa que pode ser feita para salvar a Terra agora é derrotar Shao Khan ao bom e velho estilo texano: sem torneios, sem regras, sem nada. Apenas andar por uma Terra deserta de pessoas e meter a porrada em todo mundo até chegar nele e esbofetea-lo até ele contrair óbito. Mas Shao Khan está apenas bombado pelo buff de ter absorvido todas as almas de Terra, o quão dificil isso pode ser, né?
Como eu disse, nos anos seguintes todo esse lore seria expandido através de livros, HQs, séries, outros jogos e coisas assim. Seria mais detalhado quem são os Deuses Anciões exatamente e que regras eles precisam obedecer, a história do reino de Edenia e a conquista de Shao Khan em meio a várias tretas políticas, sobre como esse universo foi criado e várias coisas assim.
E foi em Mortal Kombat 3 que tudo começou, essa ideia de transformar um jogo de luta em um universo rico e expansivo. Nesse jogo em particular é sobre os guerreiros da Terra que tiveram suas almas protegidas por Rayden (mas não suas vidas, eles ainda podem ser mortos) lutando enquanto várias subtramas se desenrolam no cenário pós apocaliptico.
Algumas são extremamente simples como Stryker, um policial de rua que teve sua alma preservada por Rayden e logo se descobriu a unica pessoa viva em Nova York sem entender muito o que estava acontecendo. Rayden então aparece pra ele e explica a treta, de modo que Stryker vai rumo a Shao Khan pra resolver tudo na porrada.
Hã, acho que mesmo para os padrões de MK, isso não faz sentido também... |
Outras são mais complexas a ponto que dariam um jogo por si só, como a substória de Sub-Zero. O Sub-Zero original era um assassino do clã de ninjas Lin Kuei contratados por Shang Tsung para lutar por Outworld no primeiro Mortal Kombat. Esse Sub-Zero original foi morto por Scorpion, um ninja rival que foi assassinado por Sub-Zero junto com a sua família, e voltou do inferno na pura força do ódio para se vingar do ninja de gelo.
No segundo Mortal Kombat, o irmão mais novo dele assume o título de Sub-Zero para investigar o que aconteceu com o irmão. O que ele descobre, além de que seu irmão tá sentado no colo do capeta a essa altura, é que o clã Lin Kuei tem um plano para tornar seus ninjas assassinos mais eficientes ainda: os transformar em robos. Sabendo disso, Sub-Zero e seu melhor amigo Smoke picam a mula e desertam o clã - é por iso que ele luta sem máscara nesse jogo.
Porém na fuga Smoke é capturado e transformado em um robo, assim o Lin Kuei envia três ninjas-robos atrás de Sub-Zero: o agora Cyber Smoke, além dos ninjas Sektor e Cyrax que já haviam sido convertidos. E é no meio dessa treta que o apocalipse acontece e todas as almas da Terra são sugadas por Shao Khan.
A alma de Sub-Zero é protegida por Rayden, ele sendo escolhido como um dos guerreiros da Terra contra Shao Khan, porém os robos de Lin Kuei não tem alma mesmo e continuam sua missão com apocalipse ou não, de modo que Sub-Zero tem que derrotar Shao Khan ENQUANTO é caçado por ninjas-robos em um cenário pós-apocaliptico - sendo que um deles é seu antigo melhor amigo, convertido em uma máquina. Se isso sozinho não dá um filme, cê é loko e meu nome é Ricardinho da Bombacha.
Bem, a noticia ruim... é que isso gerou um filme, um filme criminosamente ruim, com efeito um dos piores filmes de todos os tempos: Mortal Kombat Annihilation, que é basicamente uma adaptação cinematográfica de MK3... eu acho? Quer dizer, esse filme é tão ruim, tão hediondo que é dificil realmente dizer sobre o que ele é.
Por muitos anos os fãs quiseram jogar com um personagem da raça do Goro, e em MK3 finalmente podemos... mas Sheeva é meio decepcionante, nesse sentido |
É disso que eu to falando |
Mesmo para os padrões de MK, isso é bem tosco |
Como era um fatality no MK1... |
... e a que ponto chegamos em MK3. |
Isso não vai impedir as revistas ainda de explorar esse jogo até fazer calo, mas a verdade é que o tempo de Mortal Kombat como uma grande coisa já estava começando a terminar.
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