quinta-feira, 22 de julho de 2021

[3DO] QUARANTINE (Maio de 1995) [#730]


Se tem uma coisa que eu não costumo fazer por aqui é elogiar capas americanas de jogos porque... bem, elas parecem que foram pensadas nem pelo pessoal do marketing e sim pelos executivos da empresa direto, variando entre o óbvio (tipo só colocar o personagem na capa) e o "eu não tenho certeza de qual mensagem eles estão tentando passar aqui", como é o caso de RIVAL TURF ...




Eram tempos estranhos, definitivamente. E é por isso mesmo que eu quero ressaltar o quanto eu gostei da capa minimalista de Quarentine. É simples, porém elegante e até mesmo artistica - eu totalmente veria isso como um poster alternativo para Taxi Driver, e isso é algo que eu não esperava dizer de um jogo de 3DO. 

Se isso é um indicio do quanto de atenção e bom gosto foi colocado nesse jogo, eu... bem, não quero criar expectativas aqui, mas seria esse o tão lendário e mítico "The Best Of" exclusivo de 3DO? Em maio de 1995 o 3DO já tem um ano e meio e até esse momento não teve nenhuma obra-prima pra chamar de sua, será que agora finalmente vai?

Alguns anos depois esse jogo foi portado para o Playstation (apenas no Japão) com o nome de "Hard Rock Cab" e uma capa bem menos elegante

Mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois, vamos ver primeiro a introdução do jogo. Porque se o 3DO não é conhecido por ter capas boas, pior ainda é a reputação das suas cutscenes de abertura que usualmente apenas retratam o quanto a produção foi rushada e feita na base do toco y mi voy. Então qual a chance do jogo ter uma capa boa E uma intro boa também?

Bem baixas, eu diria.


Holy Caneloonni ao Alho e Oleo, essa abertura ... É AWESOME! Não apenas ela passa a vibe do cenário, como parece ser uma muito legal. A introdução de Quarentine entende perfeitamente o conceito do cyberpunk: um mundo sujo onde a vida não vale absolutamente nada a um ponto quase comico, mas que ao mesmo tempo tem o foco no fator humano. Tudo isso ao som do batidão nervoso.

A intro com o protagonista sonhando com dias normais de céu azul e uma familia (que ele perdeu ou nunca teve nada do tipo, não sei qual seria o mais trágico), para depois mostrar sua rotina abrindo seu caminho a bala no ano de 2048 ao som de rock grunge é feito sob medida para fazer eu me interessar por esse jogo.

A capa minimalista-artistica não foi uma cagada aleatória, parece que eles realmente sabem o que estão fazendo aqui. Existe uma direção de arte que quer chegar a algum lugar, esse é um jogo com proposito!

E depois ele foi portado para o Saturn com o nome de "Death Throttle" e uma tentativa de recuperar o minimalismo da capa. Sem sucesso, tho.

Mas vamos começar do começo: no ano de 2022 (ano que vem vai ser louco), a cidade de Kemo era conhecida pela sua sua industria automobilistica de hover cars (sim, em 1995 a gente achava que em 2022 teriamos carros voadores, hoje a gente vai estar estourando rojões se apenas conseguir ir no cinema em 2022...). Outra coisa pela qual era era conhecida era por sua ultraviolencia e criminalidade sem qualquer controle, ao ponto que as autoridades apenas entregaram os tacos e foda-se, façam o que quiserem que esse buraco não tem mais salvação não.

Em 2029, a Omnicorp fez uma proposta de comprar o gerenciamento da cidade, ao que o governo apenas respondeu "vcs querem pagar mesmo por essa merda? kkk trouxas, pode levar". Hmm, uma cidade conhecida por sua industria automobilistica perde totalmente o controle da criminalidade e é "comprada" por uma megacorporação? Isso é basicamente a trama de Robocop, até o nome da corporação é a mesma!

Ser uber em 2048 não é para os fracos de coração


A Omnicorp então começou a construir um enorme muro ao redor da cidade, com a desculpa que era para segurança. Quem não picou a mula descobriu que o plano era outro: Kemo City se tornou uma cidade-prisão, onde a Omnicorp ganhava dinheiro vendendo seus serviços carcerários: quer se livrar de alguém atira pra dentro da cidade que a gente garante que não sai mais!

Ou seja, esse jogo é uma mistura de Robocop com Fuga de Nova York - o filme do Kurt Russel de tapa olho! Mas calma que piora: a Omnicorp tinha outra ideia de como lucrar mais ainda com Kemo City: usando a cidade como campo de testes para novas drogas. Como essa que supostamente inibiria comportamentos agressivos nas pessoas, então eles soltaram no ar na cidade.

A notícia boa é que ela se provou eficiente em aproximadamente 50% das pessoas expostas. A noticia ruim é que se descobriu que ela tinha o efeito contrário, Satanghostinicamente enfurecendo os seres e transformando as pessoas em monstros incontroláveis. E no meio dessa putaria toda, nosso herói... é apenas um taxista em Kemo City tentando ganhar um trocado  e sobreviver a um dia de trabalho. Não necessariamente nessa ordem.

Agora onde as pessoas querem tanto ir pra sair de casa em um mundo assim e apenas pegar um taxi como se nada estivesse acontecendo, está além de mim responder


Okay, estou completamente vendido pelo conceito do jogo. A única coisa que falta que falta agora é o jogo se ajudar... o que não é algo que podemos dar como garantido no 3DO né?

Pois saiba que o conceito do jogo é bem interessante também: Quarentine é basicamente o avô de Crazy Taxi, a cidade é um grande sandbox em que você pega passageiros no ponto A e tenta chegar ao ponto B dentro do limite de tempo e vivo, já que aqui o pipoco come até pra na padaria comprar pão.

Gente, eu não acredito! Parece que vai acontecer, realmente vai acontecer! Um jogo com uma boa direção artististica, que tem uma visão para onde quer chegar com esse jogo, e com uma proposta diferente e interessante? Porra 3DO, agora senti firmeza moleque!

No meu taxi não tem essas putaria, biatch!

Lembrando que esse jogo saiu muito antes de jogos de mundo aberto onde você pode ir pra qualquer lugar e pegar missões, surgiu vários anos antes do próprio Crazy Taxy! Então na época não havia nada, absolutamente nada como Quarentine! Apenas ficar rodando pela cidade, pegando passageiros ou fazendo outras atividades pode ser o básico de um jogo hoje, mas até então era sem precedentes!

ISSO TUDO PARECE TÃO INCRÍVEL, TÃO BOM... QUE É MEIO QUE BOM DEMAIS PRA SER VERDADE. E O FATO DE UM JOGO TÃO PROMISSOR SER UM QUE NINGUÉM NUNCA OUVIU FALAR... ISSO NÃO É UM BOM SINAL.

Olha, ele É um jogo de 3DO que nunca saiu para Playstation ou Saturn então ele tende a passar batido de qualquer forma, mas..

MAS ELES FODERAM A PORRA TODA, NÉ?

Eles foderam a porra toda. 

Toda boa intenção do proposito do jogo, toda atmosfera,  toda trilha sonora punk rock/grunge no talo... tudo isso termina em um gargalo que dá pra chamar de "o gameplay não é bom", e isso é motivo fundamentalmente de como o jogo roda.

Pense só: uma cidade inteira em 3D com eventos acontecendo e você podendo ir pra qualquer lugar não é algo impossível de fazer no 3DO, tanto que o Playstation (que tem um hardware mais ou menos parecido) tem Driver - o primeiro jogo de mundo aberto como o conhecemos hoje, enquanto GTA ainda era um jogo 2D de visão aerea. Então era tecnicamente possível, mas não era fácil e eu não acho que alguém em 1995 sabia como fazer isso ainda.

Aquela deslizada gostosa pra trás quando você encosta em outro carro, quem não ama fases do gelo? Não? Ninguém?


A solução mais perto para ter o mesmo resultado era... fazer uma gambiarra. Um truque espero, verdade, mas não menos truque por conta disso. Isso porque a forma com que Quarentine criar um cenário 3D é a mesma que era a única que qualquer um conseguia fazer um cenário "3D" naquela época: usando a engine de Doom para fazer um jogo 2D parecer 3D. Quarentine, em essencia, é apenas outro clone de Doom.

MAS ISSO NÃO PODE ESTAR CERTO, EXISTE MUITA DIFERENÇA ENTRE CONTROLAR UMA PESSOA EM UM LABIRINTO E UM CARRO EM UMA CIDADE.

Falando em voz alta parece que sim, mas na prática nem tanta. Acontece que se você modificar a movimentação de uma pessoa, você tem controles para um carro. Por exemplo, ao invés de apertar para cima para avançar, você usa o botão de "acelerar". E para dar a sensação de que você está dirigindo um veículo, foi dada inercia ao seu movimento - já que pessoas conseguem parar de se mover instanteamente quando andam, carros precisam de espaço até parar.

Adicione a isso ter sido retirado os controles para "andar de lado" (pq carros não dão passos laterais, afinal) e pronto, seu "Doom Guy" virou um carro andando na cidade.

DESCREVENDO DESSE JEITO PARECE APENAS DOOM COM CONTROLES BEM RUINS.

Porque esse jogo é, infelizmente, apenas Doom com controles bem ruins. Se o seu sonho sempre foi que Doom tivesse uma "fase do gelo" onde seu personagem escorrega como se não houvesse amanhã e que seu movimento lateral fosse a coisa mais cluncky concebida pelo homem... puta merda, você é esquisito pra caralho... mas ainda sim, esse é o exatamente o tipo de jogo que Quarantine é, uma infinda fase do gelo de Doom.

E quando parte essencial do jogo é parar para pegar passageiros ou dobrar na rua certa, a sensação de que o seu personagem está "escorregando" não é o que você exatamente pediu para o Papai Noel de Natal, e ainda sim é sobre o que esse jogo é, basicamente. As vezes um passageiro não quer que você leve ele até tal lugar e sim execute uma tarefa, como destruir determinado veículo inimigo, ou usar uma bomba em um prédio especifico. O que é legal para quebrar a repetição de apenas ser o uber cyberpunk, mas é menos legal justamente porque fazer qualquer coisa com esses controles é sofrimento e dor.

Rodando oe, rodando e girando

Alem disso, o outro problema está na estrutura do jogo. Teoricamente você vai pegando passageiros e fazendo uberagens que eventualmente você vai pegar um membro da resistencia contra a Omnicorp que vai te dar um password para você usar no portão da cidade e assim ir para o próximo mapa.

Ou isso foi o que eu li na internet, porque eu joguei quase umas tres horas desse jogo no mesmo mapa e nada do tal password. Nem o jogo nem o manual falam nada sobre isso também, então a experiencia de qualquer um que pegar esse jogo é na pratica apenas ser uber em um único mapa até você enjoar do jogo. Lots of fun.

Enfim, como dá pra ver eu queria muito, muito mesmo gostar desse jogo. Ele tem os fundamentais para ser um grande, grande jogo que é ter o conceito atraente e bem executado, e ideias originais para não ser apenas mais um. Faltou "apenas" a execução, e isso é realmente uma pena.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
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Edição 003