terça-feira, 20 de julho de 2021

[3DO] GEX (Abril de 1995) [#728]


Gex. Gekko. The Gexter. O Gexual. Quando o 3DO foi lançado em 1993, já amplamente discutido aqui que os principais problemas eram a) o preço e b) não tinha jogos. Porque você sabe, lançar um console de 600 dolares em 1993 sem nenhum jogo senão o que vinha com o aparelho, o que possivelmente poderia dar errado?

Então rapidamente a 3DO Company (a joint venture formada por Eletronic Arts, Panasonic e mais cinco outras empresas para gerenciar o aparelho) percebeu que um videogame precisava de jogos, olha só que ideia louca. Começou então uma sangria desatada para lançar qualquer coisa para o 3DO e por "qualquer coisa" eu digo QUALQUER COISA MESMO: a imensa maioria dos jogos do 3DO revisados nesse blog são basicamente coleções de minigames que levaram 5 minutos para fazer, salpicado com um ou outro port de PC (como THE HORDE) e alguns jogos de luta multiplataforma (sendo o mais popular SUPER STREET FIGHTER 2 TURBO).


Porém como estamos falando 1993 ainda, a 3DO Company sabia que precisava de algo que na época se imaginava ser vital, essencial, canibal a sobrevivencia de um videogame: um jogo de plataforma com um mascote antropomorfico cheio de ATITUDE.

Assim, o projeto de Gex nasceu para ser MASCOTE RADICAL do 3DO, porque era o que se acreditava que daria certo. Um dos problemas do conceito inicial de Gex é que meio que todo mundo pensou isso e cada desenvolvedora na face da Terra tentou a sua sorte nesse nicho - o que significa que estavamos ficando sem animais para usar.

Acho que pela primeira vez nessa indústria vital, a capa japonesa é pavorosa perto da versão ocidental

Afinal já tivemos além do óbvio jogo do ouriço (SONIC THE HEDGEHOG), também jogo de cachorro (WONDER DOG), de gato (BUBSY in: CLAW ENCOUNTERS OF FURRED KIND), de elefante (ROLO TO THE RESCUE), de guepardo (CHESTER CHEETAH: TOO COOL TO FOOL), de morcego (AERO THE ACRO-BAT), dois jogos de possum - um hediondo e um excelente (AWESOME POSSUM... KICKS DR. MACHINO'S BUTT e ROCKET KNIGHT ADVENTURES), bacalhau (JAMES POND: UNDERWATER AGENT), rato (MICKEY MANIA: The Timeless Adventure of Mickey Mouse), pato (DEEP DUCK TROUBLE STARRING DONALD DUCK), demônio da Tasmania (TAZ-MANIA), macacos (DONKEY KONG COUNTRY), minhoca (EARTHWORM JIM), coelho (TINY TOON ADVENTURES: BUSTER BUSTS LOOSE), gafanhoto (TEMPO), mais jogos ruins de dinossauro do que minha sanidade pode contar e ... o que quer diabos que esse bicho seja (ROCKY RODENT)

Isso que eu estou falando só dos que eu puxei de cabeça, certamente deixei passar mais coisa aí. Como dá pra ver, meio que já estavam acabando os animais para essa moda de "mascotes com atitude", então meio que sobrou foi Gex ser uma lagartixa. Mas como se faz um jogo sobre uma lagartixa?


Bem, elas andam na parede, pegam coisas com a lingua, tem um rabo e... acho que é isso basicamente, e esses são os defining traits do nosso herói: ele anda pelas paredes, pega coisas com a lingua e dá rabadas. Ou seja, é o mais fiel lagartixa simulator que você poderia querer!

EU REALMENTE DUVIDO QUE HAVIA UMA GRANDE DEMANDA PARA ISSO, SABE?

Eu acho que não, mas nunca duvide de nada dos anos 90. Seja como for, kudos tem que ser dado a Crystal Dynamics porque Gex pode ser acusado de várias coisas, mas não de ser um jogo genérico. Porque sabe, um problema muito recorrente nos jogos de plataforma é que o level design ele  completamente alheio ao tema do jogo.

Meio que não faz diferença se você está jogando com um elefante, com um grilo ou com os THE BLUES BROTHERS ou mesmo o Batman, as plataformas apenas são jogadas lá de qualquer maneira e foda-se você. Um grande bom jogo de plataforma, não, um grande jogo de plataforma leva em consideração as habilidades do seu personagem, a movimentação que você pode fazer e então desenha as fases em torno disso. 

IT'S RABONETA TIME

ROCKET KNIGHT ADVENTURES é um exemplo perfeito de como levar as habilidades do seu personagem em consideração no level design, o que você quer é a sensação que apenas aquele personagem conseguiria fazer isso. Se você pegar o jogo do Chester Cheetah e colocar absolutamente QUALQUER COISA no lugar dele, não vai fazer a minima diferença e isso é um problema, um jogo é como qualquer obra na verdade: pra ser especial ele precisa ser único em alguma coisa. Só que "ser único" pode ser um tanto dificil de fazer quando existem 35465333 jogos de plataforma.

TALVEZ ENTÃO NÃO DEVESSEM EXISTIR 35465333 JOGOS DE PLATAFORMA

Você não está errado, Jorge. Porém seja como for, a boa notícia é que Gex não é "apenas mais um" já que ele de fato leva em consideração que o seu protagonista é uma lagartixa. Isso quer dizer que a habilidade de andar pelas paredes, teto e de apanhar coisas com a lingua é levada em consideração no level design, na verdade o jogo é construído em cima disso. Gex precisa que você jogue como uma lagartixa pra poder ser jogado, não dá pra apenas substituir seu protagonista por qualquer outra porcaria.

Algumas portas te levam a lugares que vc não precisa ir, mas quer estar

Não apenas você anda pelo teto e paredes, como seu rabo é uma arma bem eficiente com um bom alcance de ataque e você ainda pode apertar pra baixo enquanto cai para cair atacando com o rabo - o que diminui bastante o prejuízo dos saltos de fé, já que o personagem é bem grande na tela.

E isso é bom.

YAY!

Agora você está sendo cínico. Sim, suponho que "eu queria ser uma lagartixa" não é uma demanda extremamente popular (a menos que o jogo fosse localizado no Brasil como "As aventuras do calango ninja do agreste", aí sim seria foda), mas já que eles vão fazer isso que façam direito. E eles fizeram direito, afinal.

ENTÃO SE GEX É UM JOGO DE PLATAFORMA ÚNICO NO SEU DESIGN... PODERIA ELE SER O LENDÁARIO E MÍTICO JOGO FODA DE 3DO? A LENDA DO "THE BEST OF" PARA UM JOGO ORIGINAL DE 3DO SE TORNARIA REALIDADE?

De fato, poderia. Poderia mesmo.


... e teria sido, se eles não tivesse fodido a porra do desenvolvimento todo do jogo.

Isso porque quando a 3DO Company encomendou o jogo à Crystal Dynamics, eles fizeram algumas contas sobre quanta verba liberar para a desenvolvedora trabalhar. O problema foi que eles se basearam em quanto custava fazer um jogo de Mega Drive, e um jogo em um console da quinta geração tem um custo inteiramente diferente (é por isso inclusive que o preço dos jogos não baixou quando houve a troca de geração, porque embora o CD seja MUITO mais barato que o cartucho, o custo de produção subiu muito também).




Pra vc ter uma ideia de como as coisas funcionam: em um Super Nintendo ou Mega Drive, a maioria dos jogos de rolagem lateral usa sprites de 8x8 pixels ou menos, sendo que o tamanho da tela que você tem que preencher é uma resolução de 320x200 pixels. É mais fácil visualizar com um exemplo:


Pronto, esse é o espaço que você tem que preencher com assets de 8x8 pixels e esta aí o seu jogo.

Agora vá um sistema de 32 bits tem memória para 6 a 12 telas de 320x200 de gráficos por cada tela de loading. Em termos simples, isso significa que cada nível tem pelo menos 6 vezes o trabalho de um nível de 16 bits. 

A equipe então fez as contas, 6 mundos com três fases cada um levariam aproximadamente 36 meses para ser entregues se eles queriam fazer um jogo com todos os detalhes que o 3DO poderia ser capaz e não apenas entregar outro jogo de Mega Drive qualquer - que era o que o Jaguar estava fazendo e todo mundo viu como isso não dava certo pra eles.

Calango Simulator' 95


Era 93 de setembro e a empresa queria o jogo pronto em junho de 94. São 9 meses, DOIS ANOS a menos do que a sanidade recomendaria alguém tentar tocar esse projeto. Além disso, o jogo precisava de animações para o personagem principal e todos os inimigos e todas as telas não de jogo (tela de título, tela de opções, etc) mais todos os mapas (6 world maps), mais os vídeos (intro, final e outros vídeos entre os níveis para avançar a história.).

Se era pra fazer isso em 9 meses, era claro que eles precisariam de uma equipe muito maior. Infelizmente, a empresa não quis ouvir. O argumento da publisher era que os outros dois jogos que existiam para 3DO não precisaram disso tudo de gente, então eles teriam que parar de desculpa e dar um jeito.

Os outros dois jogos para 3DO eram TOTAL ECLYPSE e CRASH'N BURN.
Se outros fizeram nesse tempo e com apenas 2 artistas, então é pq qualquer um pode fazer, certo? Bem, quando você olha uma tela do jogo - algo que os executivos da publisher obviamente não fizeram - fica bem claro a diferença. Essa é uma tela de Crash'n Burn...


... e essa é uma tela de Gex:


Tanto em elementos de interação quanto elementos gráficos, tem muito mais detalhes em uma única fase de Gex do que Crash'n Burn tem no jogo inteiro. 

O resultado foi que após alguns meses trabalhando em turnos de 12 a 16 horas por dia, o jogo não estava nem remotamente perto de estar pronto. Após muita insistencia da equipe, a publisher liberou contratarem mais alguns profissionais... os mais baratos possiveis do mercado pq a esse ponto já estamos em 94 e o 3DO é uma máquina bem lubrificada de perder dinheiro.

A coisa de pular e grudar no background funcionou melhor do que eu esperava, eu tava contando com um horror do personagem não saber quando pular e quando grudar, mas o jogo rola direitinho nisso


Mesmo com os reforços de qualidade altamente questionável, era bastante claro que o jogo não ficaria pronto em nenhum momento de 1994. O prazo final então foi extendido até abril de 95 (para o jogo ser lançado a tempo das férias de verão daquele ano) e para atingir essa meta mais da metade do conteúdo do jogo foi simplesmente cortada.

O primeiro mundo, por exemplo, é o mundo dos filmes de terror. A ideia era ter uma fase no cemitério, uma mansão mal assombrada e uma em um laboratório de um cientista louco. Foi tudo cortado e o jogo reusa a fase do cemitério várias vezes, apenas rearranjando as plataformas de lugar.

E o próprio level design foi cortado de uma forma atabalhoada pra caber nas restrições de pessoal e tempo. As fases deveriam ser 3,4x maiores e tiveram que ser costuradas num formato bem menor. E eu suponho que não é preciso dizer que dá pra notar a diferença entre uma fase que foi planejada e outra que só enfia do jeito que dá e foda-se. Até porque já tem um milhão de jogos de Amiga comentados nesse blog pra mostrar como fica. De igual forma o mesmo se aplica a power ups, lutas com chefes e cutscenes, muita coisa que estava planejada para ser implementada no jogo acabou saindo fora.

É o que eu sempre digo, onde há uma rabada, há um caminho

A equipe de criação do jogo ficou tão puta de ter que trabalhar nessas condições, e eles estavam tão cansados pelos horários puxados de trabalho que eles colocaram algumas retaliações no jogo - algumas passaram pelo controle de qualidade da publisher e chegaram a versão final do jogo.

Por exemplo, o truque de seleção de fases do jogo abria um menu que mostrava slots para 80 fases, mas apenas 26 estão no jogo. Essa foi a forma dos desenvolvedores mostrarem ao consumidor que a ideia dele era fazer um jogo tão grande quanto SUPER MARIO WORLD e que no final entregaram um jogo com apenas 1/3 do conteúdo esperado.

Porém dos "protestos" da equipe, o mais pesado foi que o jogo tem essas hitboxes que o jogador pode dar uma rabada para receber dicas do que fazer. Em um determinado level eles simplesmente escreveram:

"Didn't you think this level had some cool shit in it? This level was cut because the company didn't put you, the customer, first but just wanted to make money. Call Madeline Canepa at 415-555-1212 and give her a piece of your mind and my mind too."
O número era o telefone pessoal de uma das fundadoras e diretora da Crystal Dynamics, Madeline Canepa. Desnecessário dizer que alguém foi demitido por causa disso, e por aí você consegue ter uma ideia do nível de civilidade na empresa a esse ponto.

E considerando todo pandemonio de gente putaça sobrecarregada trabalhando horas demais com recursos de menos, é realmente impressionante que esse jogo seja... bom. Gex é um bom jogo, é um plataforma sólido e faz bem todas as coisas que se propõe a fazer.

E é claro que tem uma fase da água... mas pelo menos não tem folego, ao menos isso


A única real reclamação que eu tenho com o jogo é que para alongar artificialmente a duração dele (já que como eu disse era pro jogo ter quase 3x) mais fases, implementaram uma mecanica que você tem que encontrar um controle remoto para abrir a próxima fase. Como as vezes você termina a fase sem encontrar esse item, você tem que rejogar a fase e isso é totalmente não legal.

Mas fora isso, é, eu diria que Gex é um bom jogo. Os ataques são satisfatórios, andar pelas paredes e pelo teto foi implementado de forma única e os controles respondem bem. Considerando a história do jogo nós apenas podemos imaginar o quão bom esse jogo poderia ter sido se tivesse sido feito da maneira que eles planejaram para ser, talvez até mesmo tivesse mudado a história do 3DO, quem poderia dizer?

Desconfio que isso seria ofensivo hoje em dia...

Só que essa é uma pergunta que jamais será respondida. Com efeito, Gex é um raros jogos bons do 3DO (não excelente, mas bom) que mais raro ainda é que um ano depois a Sony insistiu em adquirir os direitos de lançar uma versão para o PS1. Eu digo raro porque normalmente a Sony da América não lançava jogos de plataforma 2D já que o seu projeto envolvia se distanciar o máximo possível da ideia de "O Playstation é só um Super Nintendo mais caro" na cabeça do consumidor, então bem poucos jogos de plataforma 2D foram lançados desse lado do mundo.

Os poucos que foram lançados eram porque eram inacredivalmente bons, como Castlevania: Symphony of the Night, ou no caso de Gex, para dar um tiro de misericordia no 3DO e matar uma das poucas razões que haviam para comprar o console do concorrente.

Gex no 3DO foi bom o suficiente para a Sony se preocupar em fazer isso, apenas imagine então o que poderia ter sido...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 063


Edição 083


Edição 099



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 006


Edição 007


Edição 015


Edição 024


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 003


Edição 007