[#828][SCD] MASKED RIDER: Kamen Rider ZO [Maio de 1994]
No começo dos anos 70, o tokusatsu ia muito bem no Japão, obrigado. Nos cinemas, os filmes de monstros gigantes (inspirados a partir do sucesso de Godzilla) ia bem, na TV as séries de guerreiros gigantes como Ultraman, Ultraseven, Spectreman e etc iam bem também. Tudo ia bem, tinha muito dinheiro a ser feito, a vida é bela e o paraíso é um comprimido.
Mas tinha alguém que não estava satisfeito com essa situação, tinha um cara que achava que dava pra fazer mais, dava pra ir além. E acontecia que esse cara era um dos maiores mangakas da história do Japão: Shotaro Ishinomori.
Esse tiozinho que parece o Reginaldo Rossi japonês foi pupilo do próprio Osamu Tezuka (o próprio criador do manga e do anime como conhecemos hoje), e nos anos 60 tudo que ele fazia virava ouro. Se não fosse pra vender um e meio milhão de unidades pelo menos, ele nem levantava da cama.
Cyborg 009, seu manga mais famoso, é frequentemente citado por vários grandes mangakas (como Go Nagai de Devilman ou Rumiko Takahashi de Ranma 1/2 e Inuyasha) como a grande inspiração que os influenciou a entrarem nessa vida. Skull Man, outro manga dele dos anos 60, foi o primeiro anti-herói dos quadrinhos japoneses, um homem ressucitado da terra dos mortos em busca de vingança e que não hesita em sacrificar inocentes para chegar onde ele precisa.
Ainda hoje Shotaro Ishinomori é conhecido no Japão como "O Rei dos Mangas", além de ainda ser o detentor do Recorde Guiness. O bicho é muito brabo.
Mas estamos falando aqui de tokusatsu, e é aqui que Ishinomori entra na história: a Toei tinha vontade fazer uma série de tokusatsu diferente, uma que não envolvesse monstros gigantes... ou caras gigantes... pq isso tornaria a produção mais barata, rápida e aumentaria o leque de histórias que se pode contar.
O problema é que eles não sabiam COMO fazer isso, pq se não tivesse monstros iconicos e veículos de combate ou robos gigante lutando contra eles... eles iam vender o que de brinquedo? Foi aí que entra visão de Ishinomori, que concluiu o seguinte: "Cara, vocês estão entendendo isso errado. Não é comprar os brinquedos que fazem as crianças gostarem da série, é gostar da série que faz as crianças comprarem os brinquedos. Com efeito, eles vão comprar qualquer porcaria que a gente der pra eles comprar desde que eles gostem da série".
Incluindo esse jogo de Sega CD
Hoje isso é óbvio ululante, qualquer um que valha seu peso em tulipas escocesas sabe disso. Mas no começo dos anos 70... não era tão óbvio assim. Mas bem, a Toei decidiu ouvir esse cara, ele obviamente entendia de saber o que o publico quer já que ele era um dos mangakas mais bem sucedidos do Japão.
A ideia original era fazer uma adaptação de Skull Man, mas eles acharam o manga meio pesado para a televisão. Coube então adaptar o próximo manga de Ishinomori que era ... não tão pesado (embora claramente o cara gostasse de toques dramáticos e twists meio sombrios nas suas histórias) e assim em 1971 estreavam as aventuras do Motoqueiro Mascarado, ou como foi originalmente chamado misturando inglês e japonês, Kamen Rider
A história original de Kamen Rider é que a organização terrorista Shocker sequestrava pessoas e mutilava seus corpos, os tornando em ciborgues sobrehumanos para serem usados como armas pelos terroristas. Uma dessas cobaias entretanto, Takeshi Hongo, consegue fugir antes da sua mente se reprogramada para ele tornar um soldado da Shocker e agora usa os poderes do seu corpo ciborgue para lutar contra os terroristas. Ao longo da série ele consegue recuperar um outro colega também modificado pela Shocker, passando a lutar como parceiro dele como Kamen Rider 2.
O que não é tão diferente do conceito de Cyborg 009, um dos mangas mais populares dos anos 60, onde nove pessoas são sequestradas por uma organização maligna e transformadas em ciborgues - e como você pode imaginar, o ciborgue número 9 escapa e passa a lutar contra a organização e os outros ciborgues ainda sob controle da organização.
Como eu disse, Ishinomori tinha uma queda pelo drama e pelo terror, então frequentemente os inimigos que o Cyborg 009 (e posteriormente o Kamen Rider) enfrentava era mais vitimas trágicas do que vilões realmente malvados - e não raramente o herói tinha que lutar até a morte com um ente querido, um amigo ou irmão. Isso foi algo que permaneceu como marca da franquia até a última série dessa primeira geração de Kamen Rider (Kamen Rider Black RX, de 1989).
Alias a música de encerramento de Kamen Rider Black passa bem o feeling que Ishinomori buscava para suas histórias: um tom mais melancólico e trágico, de coisas que se perderam e jamais poderão ser consertadas a voltar ser o que foram um dia.
Kamen Rider foi um sucesso que a Toei definitivamente não esperava tamanho, tendo ao total 98 episódios ao longo de dois anos e imediatamente foi transformada em franquia, sendo no ano seguinte ao fim do Kamen Rider original já lançada a série Kamen Rider V3.
A franquia teve nove séries até a última em 1988, quando a Toei fez uma grande reestruturação na sua grande programação infantil para acomodar mais espaço a nova coisa que estava sendo cada vez mais popular com as crianças na época: animes. Não foi apenas Kamen Rider que subiu no telhado nessa época, as séries de Metal Heroes (como Jiban, Jaspion e Jiraya) também foram para o grande acervo no céu para nunca mais voltar.
Verdade seja dita, até mesmo Super Sentai deu uma bambeada nos anos 90 e se não fosse o grande sucesso de Jetman seguido da explosão de Power Rangers no ocidente, provavelmente estaria comendo capim pela raíz. De qualquer forma, aos trancos e barrancos o Super Sentai sobreviveu aos anos 90 enquanto os animes ganhavam cada vez mais espaço e a economia japonesa dava um pinote safado (no que ela continua estagnada até hoje, é um crescimento muito perto de 0% a quase trinta anos já!).
Assim como aconteceu com Doctor Who, a Toei ainda tentou ressucitar a franquia com alguns filmes durante os anos 90 pra ver se emplacava (inclusive esse Kamen Rider ZO que deu origem ao jogo, mas já chego nisso)... mas não emplacou o suficiente. Inclusive foi tentado um projeto pessoal de Ishinomori a muito tempo, um Kamen Rider focado inteiramente no horror e menos no heroísmo - Kamen Rider Shin, mas também não deu muito certo.
Mas isso não fez Ishinomori desistir de trazer o Kamen Rider de volta: junto com a Toei ele trabalhou num revival da franquia, combinando elementos pessoais mais dramáticos incorporando as coisas mais legais dos metal heroes. Então o novo Kamen Rider seria um combo das melhores partes do Kamen Rider original com os Metal Heroes.
Infelizmente Ishinomori não viveu para ver o revival da série, mas a Toei levou a ideia adiante com Kamen Rider Kuuga, exibido de 2000 a 2001 no Japão. Essa série - e as séries depois dessa - abandonam bastante a ideia original de Ishinomori do Kamen Rider ser um monstro ou alguém que de alguma forma não se considera mais humano, e até mesmo do herói solitário, embora mantém o tom que é um passo mais dramático que o Super Sentai.
E eu rio dessas merdas ainda...
Falando nisso, então uma pergunta muito pertinente é o que realmente diferencia Kamen Rider do Super Sentai? Além do óbvio que Super Sentai é sobre uma equipe de heróis com robo gigante, enquanto Kamen Rider se concentra em um herói em particular e um punhado de aliados, as diferenças são mais tonais do que qualquer outra coisa.
Pelo menos em suas iterações modernas, Super Sentai é destinado a um público mais jovem em comparação com Kamen Rider - embora não muito, com Kamen Rider visando pré-adolescentes mais velhos, enquanto Sentai é destinado principalmente a crianças mais novas.
A série também é mais serializada em comparação com Super Sentai, que é muito mais definida por sua estrutura de “Monstro da Semana” com algum arcos de personagens e enredos espremidos antre as lutas com monstro e luta de robo gigantes obrigatórias. Outra grande diferença é que ao contrário da ênfase no trabalho em equipe e na unidade dos Sentai, Kamen Rider geralmente possui múltiplos Riders com interesses e objetivos diferentes frequentemente lutando entre si - com efeito, é relativamente comum que o vilão da história seja outro Rider.
Alias pensando sobre isso, um tema recorrente de Kamen Rider é que desde a origem da série nos anos 70 os poderes do herói e dos vilões vem da mesma fonte (o que quer dizer que é bem recorrente a imagem do que o herói poderia ter sido se não tivesse escolhido usar seus poderes para o bem), enquanto no Super Sentai os inimigos geralmente são uma coisa totalmente a parte que funciona como força invasora. Isso cria uma premissa com muito mais conflitos entre personagens em Kamen Rider do que o tipo de história em branco e preto, bem contra o mal, que se costuma ter em Sentai.
Em 2016 esse meme de Kamen Rider Den-O viralizou e acabou até virando charge na Folha de São Paulo
Mas claro, sempre lembrando que ambos ainda são programas para crianças, então não vá esperando The Boys com japoneses em colant ou algo assim. Mas o que os japoneses consideram aceitavel para crianças é interessante o suficiente e isso é verdade tanto para Sentai (a história dos demi-humanos em Shikenger é bem perturbadora, em especial da Tarnished Dayuu, por exemplo) quanto para Kamen Rider que teve até uma série inteira escrita pelo Gen "The Butcher" Urosboshi. Kamen Rider Gaim (de 2014) tem umas coisas bem ferradas da cabeça, cara.
Bem, como dá pra ver eu gosto muito de tokusatsu e eu particularmente gosto de Kamen Rider, sempre gostei desde que Kamen Rider Black passou na Manchete. E por isso mesmo que esse jogo sempre chamou minha atenção, porque Kamen Rider Z-O é bastante parecido com Kamen Rider Black... e assistindo o filme eu aprendi que não apenas o visual, as musicas parecem bastante.
Kamen Rider Ex-Aid, de 2016
O problema é que esse jogo era um jogo de Sega CD, de modo que tudo que eu podia fazer era olhar esse jogo na prateleira da locadora e imaginar como seria jogar um jogo do Kamen Rider. Bem, algumas decadas depois estamos aqui com esse sonho realizado e... bem, o tal do jogo do Kamen Rider para Sega CD é apenas um daqueles jogos de apertar os comandos que aparecem na tela para o video continuar tocando.
Ou seja, a versão Kamen Rider do mesmo jogo dos MIGHTY MORPHIN POWER RANGERS só que com o filme de 1993 ao invés de episódios... porque Kamen Rider Z-O não tem episódios, é só um filme isolado... que nem é muito um filme, e é mais um episódio extendido já que a coisa toda dura 48 minutos apenas.
Todo mundo precisa de um amigo gafanhoto gigante creepy
Nossa história aqui é que um ser de metal liquido está tentando matar um garoto, e um superhumano com jaqueta de couro tem que protege-lo... hm, onde eu já vi alguma coisa parecida? Então a versão curta desse filme é que ele é meio que a versão tokusatsu de Terminator 2.
Depois que Kamen Rider Shin flopou nos cinemas, Kamen Rider ZO foi originalmente planejado para começar uma nova geração de Kamen Riders... sem atingir sucesso também. Embora as especificidades sejam diferentes em muitos pontos-chave, a história geral claramente presta homenagem ao Kamen Rider original de todas as maneiras certas.
Kamen Rider ZO já fazia isso antes do Labirinto do Fauno ser modinha
O problema é que além de acertar essas batidas, não tem muito o que dizer sobre o enredo de Kamen Rider ZO. Eu até acho que 48 minutos (que é a duração do filme) é tempo suficiente para contar uma história, mas não ajuda que pouco da trama seja explicada até a segunda metade do filme. Na primeira meia hora, mais ou menos, você só consegue seguir o fluxo, porque mal há diálogo para conectar todas as cenas de ação.
Desde o início, temos Masaru nu na floresta, acordando com um gafanhoto gigante assustador e saindo imediatamente em sua "missão" para proteger Hiroshi - sem explicar o pq... ou se dar conta que um cara pelado procurando um menininho é bem creepy. Ao mesmo tempo, Doras apareceu do nada e recebemos apenas vagas ideias do o vilão quer ou o que diabos ela é. E quando tudo começar a se encaixar, nos ultimos dez minutos de filme, você percebe que na verdade não era muita coisa que ela queria não. Mas mesmo assim mais da metade do filme é muito tempo para manter seu público sem noção nenhuma do que tá acontecendo.
Ok, esse monstro em stop motion ficou bem maneira
Isso não seria tão ruim se os personagens fossem suficientes para manter as coisas interessantes, mas infelizmente também tem muito sobre isso também. Masaru é um Kamen Rider passavel, mas como um personagem real não tem nada além de uma história de origem e uma missão para proteger uma criança que ele nem conhece. Ser um herói honrado é uma coisa, mas quando um cientista louco transforma você em um homem-gafanhoto, o que te leva a um coma de dois anos, deve-se esperar um pouco mais de conflito interno. Enquanto isso, Hiroshi é uma típica vítima infantil de tokusatsu, não tendo nenhum traço definidor particular para ele a não ser ficar em perigo. A maior parte do filme também carece de um vilão interessante, com Doras sendo do tipo "monstro que rosna rosnando", em vez dos que falam. O Neo Organism, por sua vez, é bem interessante como personagem e tem um visual perturbador, mas ele só aparece nos ultimos minutos.
Enfim, esse filme não é ruim, mas não é dificil ver porque ele não despertou muito interesse também. Seus personagens e narrativa são bem escassos e essa é a parte mais importante de uma série - tanto que hoje Kamen Rider se esforça para estabelecer a personalidade do protagonista como primeira coisa.
A Toei disponibilizou todos seus filmes antigos no Youtube
Como aspectos positivos, Kamen Rider ZO pega os temas centrais da história original de Kamen Rider e os compacta em um formato facilmente digerível. O filme também nunca deixa de agradar no departamento visual - tendo um orçamento bem alto para um tokusatsu até.
E no fim, tudo deu certo. Kamen Rider acabou voltando, hoje tá mais firme e forte do que nunca. Verdade que a sérioe não tem mais aquele tom de horror frankensteineano e meio solitário da origem, mas achoq ue só existe um limitado numero de vezes que você pode contar a mesma história.
Por exemplo, agora eu estou assistindo Kamen Rider Den-O que ele combate djinns weeping angels reversos (?!?) que se alimentam do passado das pessoas em troca de atender desejos, e enquanto o protagonista é meio engraçado pq ele é a pessoa mais doce e gentil ever, as coisas que os djinns se alimentam no passado das pessoas são histórias sensíveis e tocantes.
Então Kamen Rider taí hoje em dia, de boas contando histórias criativas com personagens divertidos e lutas mirabolantes, sendo um pouco mais ousado que seu primo super sentai. A unica coisa triste mesmo é que Ishinomori não viveu para ver o seu projeto ser a coisa grande que é hoje.