A lenda do rei Arthur, o mago Merlin, a espada Excalibur, a rainha Guinevere e os cavaleiros da Tavola Redonda não é apenas uma das mais tradicionais do mundo, é uma das mais adaptadas de todos os tempos em todas as mídias. E por isso eu estou falando de adaptações sérias super produzidas...
... a adaptações sérias não tão bem produzidas assim ...
Não apenas isso, mas essa história foi adaptada inumeras vezes as mais diversas culturas ao redor do mundo. Por exemplo, na adaptação anime o rei Arthur é uma waifu sem motivo nenhum que senão anime, because anime:
E se alguém me disser que existe uma novela da Globo onde Artur é um carioca da zona sul do RJ que vive um triangulo amoroso com sua amada Gabriela Vera e seu melhor amigo Lucas Lotte, eu vou achar totalmente plausível. Alias a última novela que eu assisti foi Avenida Brasil, o que tá fazendo dez anos esse ano que não apenas eu não assisto novela como não ligo uma TV exceto para ver eventos esportivos (eu tenho uma antena interna no monitor só pra isso), mas divago.
Seja como for, dada essa introdução você pode imaginar que é inevitavel que exista uma adaptação dessa história para cartoons americanos dos anos 90 e é disso que vamos falar hoje: Rei Arthur e os Cavaleiros da Justiça!
Nesse cartoon que tentava apelar ao gosto dos americanos, nossa história aqui é a seguinte: em uma batalha random a bruxa Morgana capturou o rei Arthur e todos os seus cavaleiros - deixando Merlin sozinho para proteger o reino. Como Merlin já tá na fase "eu to velho demais pra essa merda", ele decide sabonetar o trabalho e encontrar um novo Arthur e novos cavaleiros para defender o reino de algum outro momento da história porque abdução temporal é totalmente okay.
Eu ia escrever alguma coisa zoando os personagens, mas o manual do jogo já fez isso por mim levando ultra a sério o material na descrição dos cavaleiros |
Seja como for, tendo toda história da humanidade para escolher, de todos os guerreiros e combatentes capazes que jamais houveram - incluindo do futuro distante com armas que vaporizariam Morgana em meio segundo - Merlin trás para a Inglaterra medieval... o time de futebol americano dos New York Knights, liderados pelo quarterback Arthur King.
Ao chegarem no passado, Merlin explica pro Tom Brady genérico e sua galerinha muito louca que eles sentaram na graxa e que pra voltar pra casa agora só recuperando as doze chaves mágicas e macetando a Morgana, because timey wimey stuff é assim que magia do tempo funciona. Então nossos jogadores de futebol americano dos anos 90 assumem a função, recebem armaduras mágicas cada um para vender brinquedos e temos nosso cartoon!
Uau, mesmo para os padrões de cartoon dos anos 90, isso é realmente estúpido...
Bem, a música tema de abertura é nervosa então eu posso viver com isso. Embora esse desenho nunca tenha passado no Brasil, como eu sou um reviewer dedicado eu fui atrás e assisti alguns episódios - até porque por algum motivo ele foi bastante popular em Portugal e não é dificil encontrar episódios dublados... embora dublagem em português de Portugal seja a nemesis de qualquer brasileiro, é muito dificil levar a sério isso:
Hehehe, esses portugueses... mas tá, falando sério, enquanto os avisos de direitos autorais durante os créditos finais informam que a produção desse cartoon é de 1992, King Arthur and the Knights of Justice é essencialmente com um desenho animado dos anos 80 - bem aos moldes de G.I. Joe, Transformers e afins. De fato, algumas das aventuras até terminam com breves mensagens de lição de moral de 30 segundos co sobre reciclagem, compartilhamento e afins como G.I. Joe fazia. Infelizmente, não tão divertido quanto Sonic fazia:
Mas voltando ao tema, então nesse cartoon temos "ação" envolvendo esgrima, armaduras, animais espirituais e até dragões, mas é "ação" naquela violência anos 80 onde ninguém realmente acerta ninguém e no máximo alguém é arremessado inofensivamente ao estilo He-Man.
A animação não é boa e visivelmente barata para os anos 90, mas está de acordo com a qualidade que se esperaria de uma série semanal de televisão nessa época (ou seja, é feiozinho mas não muito mais feio do que um CAPTAIN PLANET AND THE PLANETEERS ou um EXO SQUAD da vida). Mas pior do que ser feio e a "ação" você saber que não vai dar nada pq não pode ter violencia, fica repetitivo muito rapidamente quando você assiste um episódio após o outro. Como Voltron e sua formação, por exemplo, a mesma sequência animada é repetida toda vez que Arthur e seus Cavaleiros vestem suas armaduras.
Pelos poderes do peitoral malhado! |
Enfim, é um cartoon genérico dos anos 80 que por acaso foi produzido em 1992 e eu posso dizer que não perdemos nada realmente por nunca ter assistido esse desenho na TV Colosso ou no Disney CRUJ. Um fato curioso sobre ele, entretanto, é que foi o primeiro cartoon produzido por Avi Arad.
Arad é conhecido por ter sido uma das figuras mais influentes na Marvel Studios até a compra pela Disney, sendo o produtor por trás de todos aqueles inúmeros filmes de super-herói sem alma que ninguém liga a minima e que eram feitos apenas para vender brinquedos. Estou falando de coisas como Motoqueiro Fantasma, Quarteto Fantástico, Demolidor, Spiderman 3 e o Espetacular Homem-Aranha. Alias, sabe o rumor de que Sam Raimi meteu o foda-se no Homem-Aranha 3 porque a produção estava enchendo o saco dele para colocar mais vilões para vender mais brinquedos?
Então, esse alguém é Avi Arad - que não por coincidencia, também era presidente da companhia de brinquedos Toy Bizz. Ou então porque Espetacular Homem-Aranha tem três plot empilhados um cima do outro ao mesmo tempo, para vender mais brinquedos. Quem fez campanha para Venom ser PG13 e não rated R? O mesmo vil vilão... e sua carreira de horror começou com esse cartoon.
Parabéns a todos os envolvidos.
Você achou que esse desenho ia terminar sem uma sessão de lição de moral do dia? Achou errado, amiguinho que hoje aprendeu algo! |
Mas okay, chega disso e vamos então falar do joguinho baseado nessa série - um que, curiosamente, conclui a série já que o cartoon foi cancelado antes dos jogadores de futebol recolherem as 12 chaves e voltarem para uma época que tinha saneamento básico e depilação intima. Mas será que a jornada de Arthur King e seus colegas futeboleiros de volta para uma época que eles não precisam cagar no canto da sala e as mulheres não cheira a ovo em conserva uma experiencia agradavel no Super Nintendo?
Bem, para começar esse jogo não foi feito pela Ocean, o que por si só já um bom sinal. Outra coisa boa é que o jogo levou dois anos depois do cartoon para ser terminado, então pelo menos a coisa não foi rushada, outro ótimo sinal. Até aqui só boas expectativas, certo?
É, ou seja, todo mundo sabe como isso vai terminar...
Tá, pelo menos esse dragão tem um visual maneiro |
Então vamos lá: esse jogo é um action RPG que usa o mesmo sistema de combate de SECRET OF MANA... só que piorado. Yay, vamos pegar um dos jogos mais irritantes do Super Nintendo e piorar ele, o que possivelmente poderia dar errado?
Isso significa que depois de cada ataque você tem que esperar sua barra encher de novo e... bem, vamos dizer que ela não tem exatamente pressa em fazer isso...
Espero que você não tenha marcado nenhum compromisso pra essa tarde... |
Oh Lord... oh Lord there ain't no heaven on the county road... e para adicionar sofrimento e dor a uma experiencia sofrivel e dolorosa, a hit detection nesse jogo consegue ser ainda pior que SECRET OF MANA. Eu não achei que isso não era fisicamente possível, mas ao menos no jogo da Square os inimigos tem a decencia de ter um knockback para indicar que tomaram dano E tem um atributo de hit para você culpar porque não acertou. Aqui apenas... sei lá? Sério, o jogo não dá nenhum feedback se os seus ataques (aqueles que levam 8 eras glaciais pra carregar) estão fazendo alguma coisa... embora contando o numero de hits que você dá meio que eu posso calcular que metade deles não faz nada. Sim, esse é um jogo que tem que fazer trigonometria pra saber se você acertou um ataque comum... pq? Apenas... pq me odeias, Enix?
Ah, mas não se preocupe tanto com o combate no fim das contas: o jogo te obriga a escolher dois outros cavaleiros como NPCs... e eles são controlados pelo jogo, derrotando tudo sem muita dificuldade. Então pelo menos você não precisa participar desse combate pavoroso (exceto nos chefes que você luta sozinho... por alguma razão) e pode focar o jogo apenas em andar pelo mapa.
A diversão nunca para, heim rapazes?
Mas okay, a parte do "Action" desse action RPG é uterly crap radioativo... mas ao menos o RPG se salva, né? Quer dizer, é um jogo da fucking Enix, eles fazem a maior série de jRPGs do Japão (Dragon Quest), é óbvio que eles vão saber montar um jogo sobre coletar itens, ir na cidade falar com as pessoas pegar quests e...
... espera, onde diabos eu tenho que ir nesse jogo?
Sim, esse é um DAQUELES jogos em que você tem um mapa do tamanho da CARALHOVILA DO NORTE, todas as telas parecem a mesma porra de sempre e o jogo não te dá a mais remota dica de para onde ir! Então é, é um DAQUELES jogos feitos para te obrigar a comprar uma revista com o detonado mas eu vou te dizer que mesmo usando um walkthrough ainda sim é muito ruim porque todos os lugares parecem absolutamente iguais!
Tipo depois de andar em 52 telas de floresta que parecem exatamente iguais (que talvez nem sejam 52, as telas são tão parecidas que é dificil manter a conta) você acha essa caverna que tem um cara que exige um livro para deixar você passar. Dude, eu acabei de andar por 52 telas diferentes (eu acho) e não vi porra de livro nenhum, alivia essa pra mim...
Mas quer saber onde se acham as porras das coisas? Super simples:
Sim, não basta o jogo ter 52 telas que parecem todas iguais, você tem que andar abraçando cada pixel de tela para ver se acha uma passagem secreta. Sendo que, obviamente, você não sabe que precisa andar se esfregando nos limites de tela. É claro que não.
Eles querem me enlouquecer, não tem outra explicação...
Vai tu ué, a distancia é a mesma! |
E o pior é que o jogo é basicamente isso, uma sucessão infinita de coletar itens que estão enfiados na bunda da senhora mãe de quem programou isso. A pessoa A dirá que te fará uma poção se trouxer os ingredientes, mas você não sabe quais são. Então você precisa andar aleatoriamente pelo mapa e conseguir um Eye of Newt, Monkey's Nose e descobre que existe Giant Turtle Stuff com a pessoa B, mas a pessoa B não lhe dará o Stuff a menos que você lhe traga o Noose of Forgiveness, as Muddy Boots e assim por diante.
Agora se apenas ler isso já dá uma caimbra no cerebro, imagine então a sensação de ter que fazer isso SEM SABER QUE VOCÊ TEM QUE FAZER ISSO. Eu já nem mais to tendo uma síncope, eu to tendo uma sextupe ou uma heptupe!
Não parece, mas essas duas telas são de mapas diferentes |
... enfim, o objetivo do jogo é conseguir as 12 chaves - uma para cada um dos cavaleiros - que são obtidas derrotando 12 bosses. Problema: se você não trouxer o cavaleiro certo na party, Arthur tem que lutar ele mesmo com o boss. O que isso muda? Bem, se você tiver o cavaleiro certo você pode usar um ataque de projetil especial que torna o boss derrotavel, se você lutar com o Arthur você tem que contar com a hit detection programada numa prisão na Somália que eu citei antes - ou seja, não rola.
Mas como você sabe qual cavaleiro levar para lutar com cada chefe?
Você ainda não entendeu como as coisas funcionam aqui, né? O jogo não te diz, simples assim. Mas tá, digamos que você vá e lute com o Arthur bobalhão mesmo e que de alguma forma vença o boss apesar do sistema de combate horrível desse jogo. É só pegar a chave e vida que segue, certo?
Você... tem que voltar até o começo do jogo... pra buscar o cavaleiro certo... que só agora vocês estão dizendo qual é...
Além de tudo isso, temos o vários momentos "que caralhas eles estavam pensando?":
1) Você não pode passar por uma determinada tela do jogo até que todos os inimigos tenham sido mortos. Você simplesmente continuará dando de cara naquela porta aberta e não vai mais longe até que aquele cavaleiro que você esqueceu na outra ponta do mapa seja morto. Porque tudo que você que é ser obrigado a lutar com tudo nesse jogo, claro....
2) Você pode andar atrás do cenário (pedaços de parede, torres, árvores, etc) e você sai de vista quando fizer isso. O problema aqui é que muitas vezes os inimigos se metem fora do seu campo de visão, então é relativamente comum você ficar preso em uma tela sem conseguir avançar porque não matou todos os inimigos... mas você não consegue ver onde estão os inimigos faltando. AI. QUE. DELICIA. CARA.
3) Os Cavaleiros da Justiça tem um pathfinding terrível. Embora eles lutem melhor que você, para chegar nos inimigos eles são lentos e frequentemente ficam confusos com obstáculos que exigem qualquer caminho complexos do que andar em linha reta. Contornar rochas, árvores e arbustos... yish... vai ser complicado. E mesmo quando eles estão com o caminho livre, eles só acham adequado atacar os inimigos uma vez a cada dez segundos ou mais, e tendem a se afastar cinco segundos depois de entrar em uma nova tela. Ainda mais útil, eles quase nunca ajudarão durante as batalhas contra chefes, optando por apenas sentar na parte inferior da tela e assistir enquanto você é espancado como uma maria-mole cozida.
Se me dissessem que esses gráficos são de um jogo de Nintendinho de 1995, eu não acharia tão descabido assim |
E para adicionar a tudo isso, os gráficos são indesculpavelmente medíocres para um jogo de 1995, a música é sem graça, os efeitos sonoros são péssimos, este é um jogo incrivelmente mal concebido a partir do próprio conceito para baixo. Os designs dos personagens são terríveis. Os controles são lentos. O enredo é o mais genérico possível. Não há quebra-cabeças ou desafios intelectuais a serem superados e o que jogo quer que você faça ele não te diz, você tem que tatear no escuro com tentativa e erro mais vezes do que qualquer um é capaz de fazer e ainda permanecer são.
Caso não tenha ficado claro ainda, este é um jogo muito, muito ruim. Não há razão para jogá-lo, exceto curiosidade mórbida. Não tem charme, profundidade, estilo ou inteligência. Mas o mais irritante disso tudo é o quão bem tecnicamente ele é feito. A embalagem é boa, o manual é legível e não tem grandes falhas ou bugs. Esse jogo claramente executado por seres humanos pensantes, e é isso que torna a existência do jogo tão desconcertante. Por que diabos alguém concordaria em fazer um jogo tão sem ambição e sem graça?
Como alguém poderia entrar no escritório todas as manhãs, ansioso para desenvolver um videogame co-estrelado por um personagem chamado Sir Lug? Eu mal consigo jogar isso por três horas, imagina passar meses trabalhando nele? Eu só posso imaginar que tipo de preço isso teve na sanidade das pessoas que o desenvolveram desde o berço até a imolação.
Ah, e eu disse que esse jogo que é bastante longo não tem save ou passwords? Você tem que jogar essa desgraça numa sentada só. É claro que tem. Porque esse jogo prova Deus não apenas existe, como ele nos odeia ativamente.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
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