segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

[#835][PC] X-COM: Terror from the Deep [Fevereiro de 1995]


Julian Gollop é uma figura intrigante, para dizer o mínimo. Após ter atingido fama, fortuna, iates, mulheres e cem mil dolares com um dos jogos mais bem sucedidos dos anos 90, X-COM: UFO Defense era natural que a Microprose estivesse interessada em uma continuação.

O que, saiba você, não é uma ideia ruim. XCOM é um jogo bastante bom que mistura gerenciamento de recursos com RPG tático de turnos. Então é como se alguém fizesse um filho bastardo de SIM TOWER: The Vertical Empire e SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention e isso é algo deveras interessante.

A capa europeia do jogo é... né?

Ou ao menos para a época foi, hoje é um jogo quase impenetrável com suas interfaces ultrapassadas e suas mecanicas que você precisa estudar um manual como quem tenta aprender um board game com partidas de 12 horas (que são mais comuns do que você pode imaginar, alias). Apesar de todos os seus defeitos, eu ainda recomendo o remake de 2012 a tentar o original. Mas tá, eu já falei daquele jogo no seu texto apropriado, e o ponto aqui era só lembrar que Xiscão era um bom jogo na sua época e portanto uma continuação era inevitável.

O problema é que o criador de XCOM estava satisfeito com o jogo que ele tinha feito, ao menos por enquanto, e enquanto ele gostava de lutar contra uma invasão alienígina de homenzinhos cinzas tanto quanto qualquer um de nós, ele já tinha feito aquilo. Suponho que ele poderia jogar uma agua no rosto e desenhar novos mapas de batalha sobre o mesmo jogo, talvez inventar uma nova mecanica ou esse tipo de coisa que as continuações usualmente fazem (bem, não as da Nintendo, vide SUPER MARIO WORLD 2: YOSHI'S ISLAND).

É, sim, ele poderia fazer isso e certamente ganharia teletubos de dinheiro. Com efeito, isso podia ser feito...

Heavy Shark tudududu

OOOOOOUUUUUUUU... ele podia tentar algo totalmente novo, tipo usar a estrutura de XCOM só que em um jogo de terror. Isso seria algo que nosso Gollop boy teria interesse em fazer, seria algo novo, seria algo desafiante, seria uma continuação que vale a pena ser feita.

MAS ESPERA... XCOM É UM JOGO DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS E BATALHAS DE RPG TÁTICO. COMO VOCÊ FAZ UM JOGO DE TERROR DISSO?

Você vai entender como isso é possível ao encontrar seu primeiro Tentaculat.

Tentaculats são massas gigantescas de tentáculos que enxameiam sob um córtex central inchado e exposto, parecendo perturbadoramente semelhante a um cérebro humano que constitui a maior parte desse pesadelo Lovecraftiano de mais de três metros de altura.

Essa monstruosidade desliza misteriosamente sobre os corpos quebrados e ensanguentados nos campos de batalha em busca de uma vítima viva para aterrorizar. É mortal, silencioso e rápido, capaz de contornar qualquer obstáculo e não tem problema em ignorar quase qualquer ataque que você atirar nele. E eles são tão inteligentes quanto crueis.

Eu não gosto tanto do Brasil assim também...

A visão final de muitos soldados infelizes foi uma dessas bestas surgindo da escuridão em direção a eles, desviando agilmente dos tiros e voando para eles com uma velocidade aterrorizante. Ele então envolve seus elegantes tentáculos em torno de sua vítima, inserindo um parasita diretamente em sua mente, matando-a efetivamente com o mínimo de esforço. Mas agora, isso em si dificilmente seria a própria definição de terror, não é?

Embora talvez a coisa mais aterrorizante desse jogo seja essa interface totalmente jogo de computador dos anos 90

Seu ex-aliado é então ressuscitado como um zumbi inchado, querendo nada mais do que espalhar a infecção parasitária por todas as suas fileiras. Atire neste traidor devorador de cérebros e um Tentaculat novo nascerá de seu peito para continuar o ataque frenético. Eles são a ameaça final: são difíceis de acertar, mais difíceis de matar e podem aumentar suas fileiras sem esforço, virando suas próprias tropas contra você.

O primeiro jogo de X-Com, Enemy Unknown, tinha uma monstruosidade semelhante que vomitava vírus. As crissálidas eram crustáceos bipedulares amarelos que se arrastavam com a velocidade de uma vovó artrítica de 80 anos ostentando um quadril artificial. Eles eram fáceis de derrubar e poderiam ser evitados sem esforço por um jogador que soubesse o que estava fazendo. Comparados com seus novos irmãos, os hediondos Tentaculat, eles representam tanto perigo quanto um hamster com um penteado particularmente ruim.

Embora possa ser argumentado que os menus da parte de gerenciamento sejam mais aterrorizantes ainda

Esta é a primeira diferença que o Terror from the Deep apresenta. Ele pega ameaças válidas do Enemy Unknown e as modifica com enormes injeções de IA, força e resistência. Ser implacavelmente dificil não é algo que eu particularmente aprecio em um jogo e usualmente a dificuldade é usada para ocultar vários problemas no jogo.

Porém aqui a dificuldade é uma escolha conceitual de design: XCOM 2 escolheu ser desesperador e opressor, e os inimigos será maquinas aterrorizantes de matar e infectar é uma das ferramentas que o jogo usa para atingir esse objetivo.

Acho que essa tela de "encontro aleatório" passa bem uma ideia

Uma das, mas não a única: isso porque XCOM 2 agora se passa no fundo do mar. Sim, antes de Bioshock, antes de Pacific Rim, agora o horror não vem do espaço e sim das profundezas do oceano. Isso quer dizer que XCOM 2 é um raro jogo que se preocupa em explicar porque os power ups do jogo anterior não funcionam e porque você tem que recomeçar do zero: suas armas para combater a invasão alienígina não funcionam com a pressão do fundo do mar e na água salgada, o que quer dizer que você começa apenas com escafandros e arpões a tecnologia tem que ser pesquisada.

Mas mais importante que isso, poucos cenários são mais assustadores do que o fundo do mar. Pense nisso: você está lutando em um ambiente completamente isolado, literalmente sob toneladas e toneladas de água que tornam impossível o contato com a superficie. Mesmo hoje nós sabemos mais sobre a superficie de Marte do que sobre o fundo do mar, porque a pressão da água torna qualquer camera inviável - nem mesmo a luz consegue chegar lá. O que nos leva a questão que ninguém sabe exatamente que tipo de abominação lovecraftiana existe no fundo do mar... e as que a gente sabe gostaria de não ter sabido.

Conheça o peixe-telescopio, uma criatura que nem vive tão fundo assim (aprox. 3k no máximo), imagina o que tem mais pra baixo...
 
Em termos práticos de gameplay, quer dizer que as equipes que você envia estão realmente sozinhas: leva horas, as vezes dias (e o jogo tem não apenas um relógio próprio, como um eventos triggerados pelo tempo), para um submarino chegar até aquele ponto. Isso se você tiver mais de um.

Então aí está você em um ambiente que combina claustrofobia com solidão, enfrentando todo tipo de horror submarino que você não pode conceber em um jogo opressivamente dificil. Para tornar a coisa mais opressora e dificil ainda, os alienas vão ficando mais fortes conforme o tempo passa e enquanto você tenta acompanhar pesquisando novas tecnologias (e fazendo missões para ganhar recursos para isso), você nunca realmente tem certeza se está acompanhando o suficiente ou se de repente o jogo vai estar inderrotável - então é uma sensação premente de desespero por não saber.

Então aí está, XCOM modificado para fazer um desesperador RPG Tático de horror abissal. Mas enquanto a proposta é essa... isso é bom enquanto jogo?

Quando você está em divida, você tem um mês para conseguir fundo senão o projeto XCOM é encerrado (ou seja, Game Over)

Hã... vamos dizer que a intenção é melhor do que a execução.

Essa sequencia é essencialmente um Enemy Unknown prolixo com jogabilidade muito mais lenta e inimigos mais frustrantes. Os jogos para Amiga e para PC dessa época eram repletos de microgerenciamento tedioso de se fazer que era mais trabalho que diversão e, nesse contexto, Terror From the Deep não era muito incomum. Com efeito, o game design da época era que mais complexo era "mais chique" e portanto melhor - só ver o quanto os sistema de RPG de mesa se orgulhavam de exigir que você tivesse um phd de matemática quantica (como AD&D e Shadowrun, por exemplo).

Fora desse contexto, que era uma coisa da época, Deep tem essencialmente três problemas terminais. Vou ignorar os gráficos, já que é um jogo de computador de 1995 então não vamos encrencar muito com isso embora o original de um ano antes pareça mais bonito. O primeiro problema são os mapas.

Eu odeio esses cards de mudança de fase de turno, não tinha um jeito mais rápido de fazer isso?

Os mapas do jogo são geralmente um terço maiores que os de seu antecessor, e as bases alienígenas têm o dobro de andares, e cada andar está cheio de salas. Limpar os mapas ao ar livre rapidamente se torna uma tarefa árdua, mas isso não é nada comparado às bases alienígenas e missões de terror. UE tinha um problema em que ocasionalmente o último inimigo no mapa travava no cenário (ao invés de vir pro combate) e você tinha que perder tempo caçando ele, mas os mapas eram muito menores e você podia simplesmente por tudo abaixo com explosivos. 

Deep, por outro lado, tem labirintos enormes com paredes indestrutíveis, e há várias telas em cada andar - o que é um problema porque se você não matar todos os inimigos você não mantem o loot deles.

A batalha final é particularmente ruim; ocorre em uma série de labirintos quase vazios que se assemelham a um clone barato de DOOM feita na engine de WOLFENSTEIN 3-D. Seus soldados têm stamina limitada e os inimigos batem muito forte mesmo com você tendo todos ultimos upgrades, então o mapa final força você a avançar beeeeem lentamente. Levei mais de quarenta turnos e eu não estava enrolando, eu só queria terminar o jogo. 


O segundo problema são os números. Deep é o jogo anterior com novos gráficos e números diferentes. Suas armas são menos poderosas ou exigem mais unidades de tempo para atirar, mas o soldado inimigo padrão é uma lagosta gigante que leva pelo menos dois tiros para matar. 

Como tal, as estratégias padrão são (a) salva de tiros com um esquadrão inteiro contra um único alvo, o que é bem lento (b) combate corpo a corpo, o que é imprático nos grandes mapas abertos e suicida quando tem Tentaculats por aí (c) controle mental e bombas blaster, como no jogo original, o que é eficaz mas é bem cheap e parece que você está abusando do jogo. 

Nenhuma dessas opções é realmente satisfatória, e isso não é uma coisa boa.


O terceiro problema é a árvore de pesquisa. Você precisa pesquisar tecnologia alienígena para ganhar o jogo. Em 2022 é fácil descobrir como fazer isso na internet, mas em 1995 tem muita coisa que não tinha como saber. Você precisa de um Deep One ao vivo para pesquisar armaduras avançadas e construção de submarinos avançados, que é um dos pré-requisitos para terminar o jogo, mas os Deep Ones não são inimigos recorrentes no jogo, então a menos que você capture um nas primeiras missões, você se ferrou. Além disso, dos poucos Deep One que você encontra você precisa pesquisar primeiro um cadáver do Deep One, depois um exemplo vivo. Não o contrário. 

Como você fica sabendo disso tudo? Bastante simples: não sabe.

Esse é um DAQUELES jogos que exige que você tenha uma planilha para manter controle das coisas, que era algo visto como positivo no game design da época


Você também pode tornar o seu jogo num beco sem saída pesquisando certas tecnologias sem ter pesquisado antes uma terceira tecnologia certa - controle mental e armas brancas avançadas podem ser perdidas para sempre se você pesquisar elas sem a tecnologia adequada já aprendida, a arvore de pesquisa tranca se você fizer isso. Novamente, como você sabe disso? Novamente: não sabe. Te fode aí, nerdão.

Parece que os desenvolvedores trabalharam no jogo com uma checklist na frente deles apenas para ver se o jogo funciona, e se dão por satisfeitos quando é possível concluir o jogo. Não divertido, possível.

E a batalha final é contra o caixão onde Cthullu está selado, isso definitivamente é um ponto positivo também

O quarto problema bem grave é que a maior parte do jogo se passa no fundo do mar, mas batalhas em cidades litoraneas não são tão raras assim. E isso é problemático porque suas armas de oceano não funcionam na praia e vice-versa, então você tem que fazer um microgerenciamento de equipamento que é um saco, repreparando cada unidade para cada combate.

O que, em 1995, era visto como algo chique o jogo ser complexo assim, mas cara naquela época eu já achava isso um saco e hoje não há a menor possibilidade disso ser agradável.



No final, é um jogo bem cansativo de se jogar. O estranho é que, apesar de ser um reskin com números ajustados e algumas novas mecânicas simples, o desenvolvimento ainda levou mais tempo do que o esperado, e a equipe não teve tempo de testá-lo adequadamente. Ironicamente, a sequência propriamente dita, XCOM Apocalypse, também foi uma decepção, embora pelo motivo oposto; tinha muitas idéias novas em vez de nenhuma.

Deep tem alguma qualidade redentora? A música é boa e cria o clima perfeitamente de horror lovecraftiano. Alias a proposta do jogo funciona: a estrutura dele faz você ficar tenso e com uma sensação de opressão crescente - mais do que no primeiro jogo. E ainda é um RPG Tático sólido.

Apenas que os seus problemas de design no gerenciamento tornam a experiencia mais um trabalho que uma diversão, somado a mapas que você não pode mais destruir o cenário tornam a experiencia toda menor. Deep parece bastante uma continuação, e não no sentido bom da palavra.

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 005