sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

[#837][SNES] SECRET OF EVERMORE [Outubro de 1995]

Um RPG da Square que nunca foi lançado no Japão? Eu tenho um mau pressentimento sobre isso...

Nossa história começa em uma terça-feira modorrenta em Hikarigaoka, Japão, mais precisamente no escritório da Squaresoft quando Yamamoto QuadradoMacio, então presidente da Squaresoft, disse as seguintes palavras: "precisamos ganhar mais dinheiro". Bem, não essas palavras exatamente porque ele as disse em japonês, mas você pegou a ideia.

Uma forma de uma empresa japonesa ganhar muito dinheiro muito rápido seria, obviamente, seus jogos se tornarem populares nos Estados Unidos. Agora, problema: o que é que a Square sabia realmente fazer? RPGs japoneses, esse era o metier deles. Isso por si só não era o problema, o problema era que RPGs envolviam coisas como "ler" e combate por turnos que você escolhia opções, não sair esmagando os botões alucinadamente enquanto coisas aconteciam na tela - ou seja, definitivamente não era algo que você conseguiria vender facilmente para crianças americanas medias.


A Square já havia tentado, alguns anos antes em 1993, tentar adaptar o RPG japonês para o gosto americano, criando especificamente para o mercado ocidental Final Fantasy Mystic Quest - que era a engine do Final Fantasy 2 mas com o minimo de dialogo possível e o combate tão simplista quanto era capaz de ser. Obviamente não certo.

Eles decidiram então que para agradar americanos, era necessário ter jogos pensados por americanos e por isso eles fundaram a Squaresoft USA com a missão de criar jogos que agradassem os fratboys e vender jogos para crianças que tinham brotoeja só de pensar em ter que ler alguma coisa.

Aluga esses quartos baratos no airbnb, depois acorda com um creepão te vendo dormir

Agora, que tipo de jogo a Square America Fuck Yeah poderia fazer? Embora sua matriz japonesa tivesse excelentes jogos como CHRONO TRIGGERFINAL FANTASY 6 e FRONT MISSION... não era o tipo de coisa que arrebentaria a boca do balão nos US and A. Não. Embora esses jogos tenham vendido decentemente, RPGs sempre foram (e sempre serão), um genero de nicho para nerdolas aloucados e eles queriam muito mais infinitamente grana que isso.

O que sobrava então seria tentar adaptar um Action RPG, afinal matar coisas em tempo real com o minimo de falas na tela é algo que poderia funcionar com o mercado americano.

MAS ESPERA, A SQUARE TINHA UM ACTION RPG NESSA ÉPOCA? A MENOS QUE VOCÊ ESTEJA FALANDO... OH NÃO... NÃO PODE SER, NÃO ELE...

Temo que sim, Jorge. Exatamente ele. SECRET OF MANA era o mais perto que a Square tinha um Action RPG e foi esse jogo que serviu de base para sua criação estadunidense. E por "de base" eu quero dizer pegar a mesma programação, esse jogo é quase um DLC usando os mesmos menus, engines, sistemas de comba. E caso você não lembre, isso é um problema porque SECRET OF MANA não é um jogo divertido de se jogar, mas nem perto disso. Aqui, eis o que eu disse na época:

A ideia original da Square era fazer um jogo mais focado em ação com elementos de RPG, só que acertar o meio termo entre os dois é uma tarefa que exige uma sintonia delicada e delicadeza leva tempo - algo do que Secret of Mana não dispunha. Isso resulta em um sistema de combate bizarro onde visualmente você controla o seu personagem na tela e ataca como em um jogo de ação, porém a chance desse ataque acertar é calculado em atributos e aleatoriedade como em um RPG.


 Considerando que depois da metade do jogo você precisa concentrar o seu ataque para ele ter eficiencia e isso leva tempo, não é nada, mas nada divertido ver o seu ataque errando mesmo quando no jogo ele deveria ter acertado. A sensação que você fica é que apenas a detecção de hit desse jogo é hedionda, e essa é uma sensação muito frustrante para se ter em um jogo tão bonito (bem, em qualquer jogo, mas esse em particular incmoda mais pelo que ele poderia ter sido).

Quando a mecanica que você queria implementar apenas faz o jogador achar que o jogo não está funcionando direito, bem, alguma coisa não deu certo aí, né champs? Adicione a isso o modo multiplayer e temos um festival de ataques não pegando, outros pegando sem lógica nenhuma, os inimigos tem um tempo de invencibilidade pós hit que não é explicado (eles poderiam ao menos piscar enquanto estão invulneraveis) você apenas ataca e espera pelo melhor. Aí você não sabe se errou porque o inimigo está na invencibilidade pós hit, porque o atributo fez você errar ou porque você erro gameplay-wise mesmo.

Sim, essa foi a brilhante ideia da Square na época: pegue um jogo de ação como Zelda e faça os seus ataques serem decididos por atributos. Então não basta mirar e acertar o ataque, o que já seria desafio o suficiente, você tem que acertar o ataque e torcer para a rolagem de dados dizer que o seu ataque valeu. Isso em um sistema onde você precisa segurar o botão de ataque até a barra encher beeeem lentamente... bem, imagine passar segundos esperando pra dar um hit e o seu ataque errou porque a rolagem invisivel do jogo decidiu isso. Pure bliss.

E isso é o quanto demora apenas um nível de carregamento do ataque, mais pra frente do jogo vc precisa de ataques nível 3 ou 4 pra ter efeito nos inimigos.

Tá, é verdade que Secret of Evermore tem hitboxes melhores do que SoM. Os ataques que você executa só falham em 'acertar' quando o rng do seu hit% stat rolou mal. Em outras palavras, se você errar um ataque apesar de mirar no inimigo corretamente, geralmente é devido a uma rolagem de dados e não a caixas de acerto mal programadas - o que era um problema muito grande no jogo que o inspirou, vc nunca sabia se errou pq foi a rng aleatória ou pq as hitboxes daquele jogo foram programadas com a bunda.

ENTÃO SE O SISTEMA DE COMBATE DESSE JOGO FOI MELHORADO, ENTÃO ELE É MELHOR, CERTO?

Deveria ser, mas o passo que eles deram pra frente melhorando o combate recuaram dois pra trás substituindo o sistema de mana por crafting de itens. Porque como algo como "magia" é abstrato e complexo demais para os jovens americanos, a Square USA decidiu mudar o casting para que as magias fossem lançadas com itens.

Então pra lançar uma magia de de fogo (Flash, aqui) você precisa de uma vela e dois oleos. Tá, e qual o problema disso? O problema é que os inimigos não dropam materiais, existem apenas duas formas de conseguir material: seu cachorro farejar ou comprando de vendedores.

A primeira é problemática porque enquanto você pode apertar R ou L para fazer o cachorro parar o que está fazendo e começar a farejar por componentes enterrados isso não apenas torna o avanço do jogo lento como frequentemente não funciona. Tipo o cachorro fica aqui farejando, você fica spameando B esperando que algo aconteça e nada acontece, essa parte do jogo foi frouxamente mal programada. 


Mas tá, com um pouco de prática você entende como o cachorro funciona. Não é divertido, mas com um pouco de prática dá pra fazer funcionar. Não é esse o problema exatamente, e sim que o jogo mantém o sistema do SoM de que você tem que usar as magias (assim como os ataques) para subir elas de nível.

Em SECRET OF MANA é chatinho, mas não é o fim do mundo: você usa magias, descansa no Inn, recupera sua  mana e continua usando as magias até elas subirem de nível. Aqui, com esse sistema de craft, isso não é tão simples. Vamos fazer umas continhas, sim?



Pra upar a magia Flash do nível 1 pro nível 2 você precisa usar ela 30 vezes. Isso são 30 velas e 60 oleos. Porém isso aumenta o dano de 7-15 pts para 13-26 pts, o que é bem pouco. para derrotar um inimigo no meio do jogo vc precisa de aproximadamente 150 pontos de dano, o que exige magia por volta do nível 7 a 8, dependendo da rolagem. 

Pois bem, para ter uma magia nível 7 vc precisa ter usado ela 389 vezes. O que, no caso do Flash, são 389 velas e 778 oleos. Para o que, vocês podem concordar comigo, o farejar do cachorro é completamente irrelevante, o que significa que você depende exclusivamente de vendedores. Suponho que não preciso dizer que o jogo nem de perto dá dinheiro suficiente para comprar tudo isso de item com facilidade, então a quantidade de tempo que você tem que ficar farmando nesse jogo é algo que eu não via desde os RPGs impossíveis do Nintendinho, como os Dragon Quest dos anos 80.

Então agora vamos juntar tudo isso numa grande fotografia: você tem um jogo que a progressão é lenta, o combate demora mais do que a sanidade recomenda pq vc tem que esperar a barra de ataque encher e então não errar o ataque e então torcer para a rolagem ser boa... e em cima desse sorvete de dor vem uma cobertura inimaginável de grinding. 


Se isso ainda fosse o preço a se pagar por um jogo supercalifragilistiexpiralidoce de tão bem desenhado... bem, vamos dizer que esse foi o primeiro (e último) jogo que a Square USA fez e claramente dá pra ver que eles não tinham muita experiencia no assunto.

Após o primeiro capítulo do jogo, eu estava pensando que os níveis eram bastante inteligentes e divertidos de se jogar, mas a quantidade de backtracking e o respawn irritante de inimigos foram minando essa primeira boa impressão. No geral, porém, o level design e o fluxo da jogabilidade são bons se você já estiver familiarizado com onde ir e o que fazer ou usar um guia. Isso me leva a um problema geral com Secret of Evermore, uma doença que eu gosto de chamar de "walkthrosite": o jogo depende demais que você tenha um detonado embaixo do braço, pq sem isso onde vc tem que ir a seguir e o que tem que fazer é bastante... vago.

Damn you, backtracking!

Tipo tem uma ponte quebrada que não tem como atravessar, não importa o que você faça. Depois de passar uns dez minutos batendo cabeça sem acontecer nada, você conclui que deve ser um outro lugar que tem pra ir e vai embora pra outro lugar que você possa ter deixado passar. O que você tem que fazer é trocar para o controle do cachorro e então pressionar a parte quebrada por uns 5 segundos porque nessa parte, e essa parte apenas do jogo, o cachorro pula o buraco. Como você vai adivinhar isso sozinho? Te fode aí nerdão, é assim que você vai.

E isso se aplica a todo o jogo: uma floresta que tem 20 telas que parecem iguais (me senti jogando KING ARTHUR AND THE KNIGHTS OF THE JUSTICE tudo de novo), ou então um deserto que você fica subindo uma tela por uns 10 minutos sem ideia se você está indo a algum lugar ou se está fazendo a coisa certa.



O jogo parece assumir que o jogador vai apenas 'descobrir' eventualmente através de tentativa e erro, o que alguns jogadores pacientes podem realmente gostar, mas não eu. Admito que eu teria mais paciencia se o respawn de inimigos não desencorajasse a exploração, mas como os inimigos reaparecem após cada duas telas, isso meio que torna o mapeamento da área mais aborrecido do que que vale a pena. 

Talvez tudo isso valesse a pena se o objetivo no final da fase fosse realmente divertido, certo? Bem, não. As lutas contra chefes têm movimentos bem sem graça, muitos deles geralmente usando o mesmo ataque mágico ou fisico 80-90% da luta. Para adicionar a essa repetição, os chefes têm HP que estenderá a duração da luta por mais de uma dúzia de minutos, geralmente mais. 

Hard Ball lv 1, that's what she said

Eu lutei com praticamente todos os inimigos no meu caminho neste jogo, sem contar todos os inimigos que ressurgiram, e eu ainda estava levando de 15 a 20 minutos em média por luta de chefe (certamente parecia mais do que isso). Tenho certeza de que se você grindar níveis e farmar materiais para feitiços nível 9 você pode passar a patrola nos chefes, mas eu não creio que alguém consiga fazer isso tudo de grinding e manter sua sanidade no processo.

MAS ENTÃO ESSE JOGO NÃO TEM ABSOLUTAMENTE NENHUMA QUALIDADE POSITIVA?

Olha, ter até tem. Eu mencionei no começo que esse jogo foi desenvolvido nos Estados Unidos e tem algumas vantagens sim. Uma das grandes coisas a sair disso é que a música é composta compositor Jeremy Soule, mais conhecido por ser o responsável pela trilha ambiental de Skyrim


A música é realmente boa nesse jogo, é meio creep e melancólica, criando uma atmosfera de mistério muito adequada para quem está se aventurando em um mundo paralelo do qual não se sabe nada - se alguma coisa, lembra a atmosfera de OUT OF THIS WORLD, o que é muito positivo.

Para adicionar à grande atmosfera musical, os gráficos são... aceitáveis. Nessa época o Super Nintendo já era capaz de coisa melhor que isso dentro dos próprios jogos da Square, como CHRONO TRIGGER ou o próprio Secret of Mana 2 (que já tinha saído no Japão a esse ponto), mas são passaveis. Eu suponho que a escolha da paleta de cores lavada e escura foi intencional para dar um ar de "seriedade" junto aos americanos, mas eu não curto muito isso. Não é ruim, contudo.

Eu posso respeitar que na parte do coliseum eles se deram ao trabalho de programar ofensas diferentes dependendo do tipo de arma que que você está carregando

Mas talvez a maior e mais inegável vantagem desse jogo ser produzido nos Estados Unidos é que não tem as temíveis traduções nas coxas, o que resulta que não apenas o jogo é bem escrito como o tom geral do jogo é divertido, mas misterioso. Esse tom divertido, muitas vezes bobo, é expresso através do humor referencial que o personagem principal gosta de vomitar após qualquer grande evento. Tudo, desde filmes populares a videogames como FF VI, é referenciado neste jogo lindamente. 

Locke, Kupo, Relm, Strago, Terra e Umaro de FINAL FANTASY 6 assistindo no coliseu, bem direto no kokoro

Você começa em uma cidade inspirada nos anos 60 chamada Podunk e é transportado para o mundo estranho de Evermore. Cada capítulo principal do jogo inclui uma nova era, como a pré-histórica e a idade média, e o objetivo é descobrir o que criou esse reino e como sair dele de volta para casa. Porém o que chama atenção na história nesse jogo é que ao invés do grupo de três personagens de Secret of Mana, aqui é só você e seu doguinho e isso foi o que mais me saltou aos olhos na época e me fez alugar esse jogo quando era criança - claro que não fui muito longe, mas enfim.

Eu sou totalmente a dog person, com efeito nesse momento eu estou escrevendo abraçado com meus dois doguinhos, então a ideia de sair numa aventura por um mundo estranho com seu cachorro é altamente atraente. Especialmente que aqui seu cachorro se transforma a cada era - desde um cão selvagem na pré-história a um poodle na era vitoriana.

Essa é minha saudação quando eu dou carona

Então enquanto eu gosto da ideia geral do jogo, manter todos os defeitos de Secret of Mana (suponho que vai cair o braço de alguém colocar uma descrição dos itens ANTES de você comprar eles, especialmente para equipamentos para saber se é melhor que o seu) e adicionar uma nova mecanica de alquimia que só adiciona grinding ao jogo... é complicado. Pegam um jogo que já era duro de engolir e estruturalmente pioraram ele, aí fica dificil te defender amigo.

Pouco surpreendentemente, esse foi o primeiro e último jogo da Square USA, e provavelmente foi melhor desse jeito.
Caso não tenha ficado claro que esse jogo é a coisa mais americana ever


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