domingo, 8 de janeiro de 2023

[#1029][Dez/96] ENEMY ZERO


Para quem acompanha a história dos VIDJIAGAIMES através desse blog, sabe que a vida do Saturn nunca foi fácil ou, sinceramente, boa. O console praticamente improgramavel que matou a Sega (graças aos esforços da própria nesse sentido) tem algumas histórias interessantes, entretanto e essa é uma delas - temo, contudo, que a história a respeito da criação do jogo é mais interessante do que o jogo em si. 

Mas vamos começar do começo...

Kenji Eno era uma figura... hã, exótica, vamos dizer assim... na industria de games japonesa. Quer dizer, saca só o visual do figura:


Após um modesto sucesso comercial com um jogo indie do qual ninguém esperava nada, D, Eno se tornou a próxima grande promessa do Japão e todo mundo estava esperando ver o que ele faria com um orçamento de uma grande publisher por trás. Com efeito, a Sony decidiu fazer a aposta e se dedicaria a publicar o próximo jogo dele no Playstation.

Entretanto Eno era tão ambicioso quanto dificil de trabalhar, e ficou pessoalmente ofendido com a tiragem baixa que a Sony pretendia lançar. Ele queria pelo menos um milhão de discos prensados, a Sony queria trata-lo como ... se ele fosse uma aposta, talvez promissor, mas não menos uma aposta por conta disso então muita hora nessa calma. O que pessoalmente eu acho que foi a abordagem que fazia sentido, mas Eno não levou na boa não ser tratado como uma grande celebridade dos videogames e teria sua vingança.


Na Sony Expo 96, obviamente uma feira dedicada aos produtos da Sony - incluindo jogos para o Playstation - Eno mostrou uma demo do jogo que ele estava trabalhando, que viria a ser esse Enemy Zero. Mas então na final da demo, quando aparece o logo do Playstation e diz que é um jogo exclusivo... o logo se metamorfoseia no logo do Sega Saturn! AHA! In your face, Sony! Agora o seu jogo seria exclusivo da Sega!

... o que foi meio que um dick move, sinceramente.

Mecanicamente, dentro das salas esse jogo funciona como MYST em que cada lado que você vira ou avança roda uma cutscene pré-gravada


Eno achou que estava abafando e "ensinou uma lição pra esses caras que não souberam dar valor ao seu genio", mas na real ele apenas conseguiu queimar pontes ali. Não apenas com a Sony, no Japão esse tipo de coisa é MUITO mal vista e ele nunca mais conseguiu publicar nenhum jogo além do contrato que ele já tinha firmado com a Sega.

E não ajuda muito que toda essa pataquada foi por causa de um jogo, bem não tem como colocar isso de outra forma, ruim que beira o injogável. Se Enemy Zero ainda fosse uma puta obra prima, mas Eno estava se achando o rei da cocada preta por causa de um jogo bastante merda e é o que veremos aqui.

Fora das salas, nos corredores o jogo roda como um FPS normal, e com uma velocidade até boa para o Saturn (especialmente pq não tem muita coisa do lado de fora)

Enemy Zero foi meio que uma resposta de Eno a um dos maiores sucessos de 1996: RESIDENT EVIL. Se survival horror era a grande moda entre os jovens descolados ultradinamicos, então ele mostraria como se faz um survival horror de verdade. Ou pelo menos a ideia era essa.

Pra começar, Enemy Zero é inspirado... não, usar a palavra "inspirado" não é o correto aqui, o mais certo seria dizer que ele copia na cara dura mesmo a mãe de todos os horrores de sobrevivencia: Alien de 1979. O jogo começa com nossa heroína Laura acordando do criossono pq a nave entrou em modo de emergencia já que em organismos alieniginas a bordo matando geral. É claro que o plot aqui é que secretamente a companhia usou a tripulação da nave como isca para atrair os organismos alieniginas para que depois eles os usassem como arma biologica e o jogo termina, saiba você, com Laura fazendo um registro em audio da lista da tripulação morta. Não tem como ser mais Alien que isso nem ressucitando o Ridley Scott.

MAS O RIDLEY SCOTT NÃO MOR- ... DEIXA PRA LÁ.

Alias eu falo Laura, pq essa é outra das ideias do Eno que calhou de ser melhor no papel do que na prática: a ideia é que Laura fosse uma "atriz digital" e seu avatar usado em vários jogos diferentes - não a personagem, mas a atriz por trás dele mesmo. Logo, ela é a mesma "atriz" que interpretou em D mas não a mesma personagem. Ele não foi o primeiro a ter essa ideia de "atriz digital" (Mickey Mouse interpreta vários personagens diferentes desde 1920) e não foi o último, mas eu ainda estou para ver algo assim funcionar nos videogames.



Seja como for, o jogo é um survival horror de Alien em que vc anda por corredores claustrofobicos com munição escarça e resolve puzzles, o que possivelmente poderia dar errado? Bem... muita coisa.

Pra começar, os inimigos são invisiveis. Você tem o bipe do sensor de movimento que vai aumentando ou diminuindo conforme eles se aproximam/afastam (vocês acharam que eu tava brincando quando disse que esse jogo é mais Alien do que qualquer jogo de Alien até então), e ter um survival horror com inimigos invisiveis já é uma ideia que te deixa meio que ... eh... né... mas a forma como isso é executado na prática não é nada senão sofrimento e dor.



Sua arma não dispara imediatamente, o tiro tem que ser carregado (o que leva uns 4-5 segundos). Porém não é apenas carregar o tiro e andar com a arma carregada, não, é claro que não. Sua arma mantem o tiro carregado por apenas 3-4 segundos antes de descarregar e vc ter que recomeçar o processo de carregar novamente. Isso ainda seria gerenciavel (não bom, mas gerenciavel) para lutar contra aliens invisiveis... não fosse o fato que o alcance da sua arma é praticamente zero. O tiro só funciona se vc disparar quando estiver encostando no alien invisivel, e o jogo cobra uma perfeição pixelar nisso, porém se você encostar no alien tem apenas algumas frações de segundo antes DELE te matar.

Apenas te dar uma arma para atirar em aliens invisiveis já seria desafio suficiente, mas o jogo te dar apenas uma fração de segundos para você estar no pixel exato de algo que você não pode ver... sério, eles ao menos falaram essa ideia em voz alta para ver o quão idiota isso soa? E não fosse suficiente... calma que piora.

Infelizmente, a arma tem uma munição absurdamente baixa e tem que ser recarregada frequentemente em postos de energia. Prever a distância dos inimigos e cronometrar os tiros apropriadamente não é apenas difícil - é irritante, mas tão irritante quanto é quando você atira cedo demais, sua arma fica sem munição e Laura tem que rastejar por um duto de ar, recarregar e rastejar de volta. . . só para errar de novo. Eu preciso realmente lembrar que é fácil errar quando o alvo está invisível.



Recarregarr a arma não seria TÃO doloroso assim se não fosse o fato que cada vez que Laura entra ou sai de uma sala rola um FMV terrivelmente lento. Okay, eu entendo que o jogo precisa de uma tela de loading e RESIDENT EVIL tem as famosas telas das portas, mas aqui você entra e sai de salas muito mais frequentemente e o loading é MUITO maior. Depois de pouco tempo você já sente preguiça de ir a qualquer lugar pq sabe que o processo será mais lento e burocrático que o inferno. É como passar tres horas tentando caminhar atolado até a cintura dentro de um pantano, é essa exata sensação que esse jogo te passa.

Isso tudo supondo, é claro, que vc sobreviva a errar o tiro. Pq se o alien te matar, ficar pior ainda.

TÁ, VOCÊ PRECISA DAR LOAD NO JOGO, O QUE ISSO TEM DE MAIS?

Tem que seu dispositivo de save não apenas gasta as baterias quando você salva em certas salas seguras, mas também requer energia para dar load. Dependendo da dificuldade, você terá menos oportunidades de recarregar sua arma e seu gravador, o que significa que é altamente possível ter game over pq não tem mais energia para você dar load no jogo. Seria criativo em um jogo menos punitivo, mas aqui?


Além disso, a seqüência contínua de mortes não seria tão problemática se a reinicialização fosse rápida e indolor, mas obriga você a retornar à tela de título, passar pela árdua tarefa de assistir ao clipe LOAD FMV e então você é forçado a ouvir para uma faixa de áudio onde Laura explica a história, novamente. Sem poder pular nada, é claro.

Sofrimento e dor, eu te digo.


Os puzzles de Enemy Zero não são tão irritantes quanto o combate (não acho que qualquer coisa nessa vida possa ser), mas também não são divertidos. No início do jogo, Laura pega um dedo decepado e o usa para abrir uma trava de impressão digital. Por alguma razão, Laura então faz questão de manter o dedo em seu inventário para um uso futuro inexistente, em vez de jogá-lo fora. Tirando o fato que nossa heroína anda pra cima e pra baixo com um dedo decepado no bolso (o que me fez lembrar o maldito mapa de couro cabeludo de CUTTHROAT ISLAND que eles andam com aquele negócio nojento o tempo todo), os puzzles não vão muito além disso.

O jogo coloca um objeto em uma sala, o objeto é então usado para acessar uma  porta/armário/computador dentro da mesma sala. Essa tendência se repete com frequência, apenas com óculos de sol especiais ou um disco de computador em vez de um dedo decepado. Mais pro final do jogo existem vezes que você pega um objeto para usar em outra sala ali perto, ó a evolução, se bem que nada parece realmente perto dado o quanto os loadings desse jogo fazem tudo parecer lento. 


No lado positivo, as meninas ficarão satisfeitas em saber que Laura nunca parece inepta ou submissa. Não há nenhum homem corpulento para conduzi-la pelos corredores infestados de alienígenas, e quando Laura recebe orientação, é de outra mulher. Ela é uma protagonista empoderada, way to go girl. A Sega deve ter reconhecido isso como um potencial ponto de marketing, já que eles realmente contrataram a vocalista da banda Luscious Jackson, Jill Cunniff, para fazer a voz de Laura.

Cool, cool, só tem um pequeno-tiny-itsy-bitsy problema. Coisa boba, mas... bem, Laura não fala. Quando Laura encontra outros sobreviventes, eles falam com ela enquanto ela grunhe. Laura ocasionalmente solta um gasp ao entrar em salas manchadas de sangue. Tem uma cena que um personagem revela seus sentimentos mais profundos de maneira dramaticamente cafona, e Laura responde expressando seu amor por meio de grunhidos. É tão ruim que chega a ser engraçado, tenho que dar isso a eles. Mas então a Sega realmente pagou Jill Cunniff apenas para grunhir e ofegar, mais uma jogada de marketing deprimente típica da Sega da era Saturn.

Sério Sega, o que diabos vocês estão fazendo?

Agora que eu me dei conta que esse jogo tem várias cenas de perseguição com inimigos invisiveis, é praticamente o precessor de The Happening! ... o que não é uma coisa boa a dizer sobre o seu filme

Se bem que, verdade seja dita, dado o nível de atuação das outras dublagens do jogo eu não diria que perdemos grande coisa. Parece que pegaram o time de dublagem depois de um turno de 72 horas trabalhando em dormir, o tipo de emoção que você só encontra em experiencias fracassadas de necromancia.

E como cereja do bolo, se isso tudo ainda fosse uma experiencia barata e inconsequente... porém Enemy Zero vem em 4 cds - sendo que um deles era exclusivamente a cutscene de abertura. Não, sério, tem um CD inteiro só pra rodar a cutscene que te diz que eles estão plagiando Alien. O resultado disso é que esse jogo era mais caro que o normal (fazer jogos em mais de um CD não era caro como fazer em vários cartuchos, mas também não era de graça). Geez-louise, e depois Eno se sentiu injustiçado quando a Sony aceitou fazer esse jogo apenas como uma tiragem experimental...


Há uma razão pela qual RESIDENT EVIL e jogos desse tipo são considerados clássicos do gênero de terror, enquanto Enemy Zero permanece na obscuridade. O primeiro conseguiu combinar um cenário misterioso e elementos de terror com uma jogabilidade envolvente que, na época, ajudou a introduzir os videogames na nova terceira dimensão. Enemy Zero certamente cumpre os dois primeiros aspectos, mas falha totalmente no último. 

A atmosfera densa e melancólica e a paisagem sonora simplesmente incrível, mas a jogabilidade horrível acaba com o clima: longos e monótonos trechos de busca por chaves em salas pré-renderizadas, labirintos chatos de corredores idênticos e o mais o irritante mecanismo de save/load já criado pelo homem acaba com qualquer diversão. O combate baseado em áudio, embora certamente único, não é implementado remotamente bem e é uma experiencia terrível.

Enemy Zero tenta algumas ideias novas que nunca mais foram tentadas na história dos videogames depois disso (por bons motivos), mas no fim do dia simplesmente é um jogo que oscila entre o medíocre e o injogável. É o tipo de jogo ambicioso e ruim que mata carreiras, e com a carreira do estúdio WARP não durou muito mais do que isso, tal qual a carreira da Laura como atriz digital.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 114 (Abril de 1997)


Edição 118 (Agosto de 1997)


Edição 125 (Março de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 027 (Junho de 1996)


Edição 037 (Abril de 1997)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 011 (Setembro de 1996)

Edição 016 (Março de 1997)

Edição 018 (Maio de 1997)