sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

[#1035][Fev/97] THE CROW: City of Angels

Os anos 90, como é bem claro a essa altura das coisas nesse blog, foram a era de ouro do Sasukismo na cultura pop. Após uma década de 80 terrívelmente dumbificada graças as ações do governo americano e as Associações de Mães Desocupadas das América, os anos 90 foram marcados pelo efeito mola da cultura artificialmente infantilizada da decada passada. Em especial depois do sucesso brado retumbante de HQs mais adultas, como Watchmen e Cavaleiro das Trevas.

Isso abriu a caixa de pandora do Sasukismo e agora todo herói que se prezava era sombrio, amoral, angustiado, sofrendo dilemas existenciais que você não poderia compreender em um mundo sujo, corrupto onde a vida não vale nada. Você sabe, tipo o Brasil mas com gente mais musculosa.

Não existe simbolo maior dessa era do que TODD MCFARLANE'S SPAWN, que é literalmente uma alma atormentada do inferno que sofre pela sua existencia amaldiçoada enquanto mete pipoco nos calhordas fascínoras. Mas então, até mesmo o super de boas e colorido Homem Aranha teve sua fase Sasuke super séria e lamurienta com a saga do uniforme negro, o que resultou na outra coisa mais iconica dos anos 90 que é o Venom.


Embora não tão famoso quanto, o jogo de hoje é fruto de uma obra igualmente iconica dessa era das trevas aborrescentes dos quadrinhos: O CORVO! Quer dizer, não tem como ser mais darki, trevoso e DUMAU que um fucking CORVO, né?

Então, O CORVO tem uma história de publicação interessante: em 1978, a namorada de James O'Barr morreu atropelada por um motorista bebado e ele ficou tão perdido com essa tragédia que ele largou tudo e se alistou no exército só pra ir pra algum lugar bem longe dali. Como O'Barr já era desenhista (ele ilustrava manuais para o exército), nas horas vagas do quartel para lidar com o luto, ele decidiu fazer uma HQ sobre um cara que ele e a namorada são brutalmente assassinados por uma gangue (não antes dela ser estuprada) e então um ano depois um corvo trás ele de volta do além como um revenante para que ele possa exercer sua vingança ultraviolenta.

Como dá pra imaginar, James não estava em um lugar mental saudável quando ele escreveu isso e O CORVO não é uma HQ feliz. Porém ela só veio a ser publicada quase uma decada depois, no final dos anos 80 quando coisas pesadas e violentas eram a nova moda e todo mundo queria encontrar o próximo Cavaleiro das Trevas. Daí o Corvão da Massa virar filme em 1994 foi um pulo.


Então nós temos aqui um filme de baixo orçamento que vem e marca checklist em tudo que um adolescente de 14 anos de 1994 acharia muito maneiro e profundo. É adaptado de uma história em quadrinhos cult e não de uma grande corporação (check), tinha uma trilha sonora matadora com algumas das melhores bandas representativas da Geração X (check), teve o filho de Bruce Lee como estrela (check), E Brandon Lee morreu durante a produção, alimentando muitas teorias da conspiração e interesse comparativo no filme, já que o próprio personagem principal morre e volta por vingança (check).

Para a geração que se apaixonou pelo cinismo de Vampiro a Mascara e seu "o mundo é um lugar horrível e ninguém me entende", esse filme foi feito sob medida. A história em si é simples a beira do inexistente, mas a atmosfera distópica, a ideia de que o amor verdadeiro poderia voltar e corrigir todos os erros do mundo, o fato de o protagonista ser ele mesmo um estereótipo ambulante de todas as coisas que a Geração X achava maneira (nosso herói é um rockstar gótico, pelamor...), todas essas coisas combinadas fizeram esse filme ressoar em toda uma geração da época. 


E, nessa época, um filme como esse nunca havia sido feito, era completamente original e era um filme de baixo orçamento, não um blockbuster corporativo de Hollywood, o que significava que os adolescentes de 1994 tinham mais motivo ainda pra gostar pq fuck the system, man!

Eu mesmo achava a coisa mais irada e foderosa do mundo quando assisti com 13 anos. 

MAS TÁ, TIRANDO O CONTEXTO HISTÓRICO DA ÉPOCA, O FILME EM SI, COMO ELE É?

Hã... então... o filme é exatamente o que te vem a mente quando vc imagina um filme que um adolescente de 14 anos de 1994 acharia totalmente irado. Ou seja, é divertido de um jeito meio vergonha alheia. O nosso protagonista, em especial, é uma mistura de Joker com Beatnik, soltando frases de efeito que parecem ultra profundas e subversivas quando vc tem 14 anos, mas quando você assiste depois de adulto é apenas engraçado de um jeito tipo "uau, não acredito que eles achavam que isso era realmente maneiro!".

O Corvo é divertido de assistir da mesma forma que é engraçado assisti um adolescente recitar poesia ruim e ter certeza absoluta que entende tudo sobre como o mundo e os relacionamentos funcionam. Kinda cringe, but cringe fun.

Tipo frases como essa, você totalmente consegue ouvir um adolescente de 14 anos dizendo "cara, isso é tão profundo!"

É um filme que definitivamente não pode ser chamado de bom (no máximo "bom por ser ruim o suficiente"), mas também não tem como não reconhecer que foi um filme feito para uma época e idade específicas. E ao que se propõe a fazer, melhor ainda, PARA QUEM esse filme se propõe a fazer, é um filme que funciona. 

E de fato funcionou tanto, arrecadando quase 100 milhões de bilheteria, que uma continuação era inevitável... e é aqui que as coisas dão errado. O quão errado? Bem, me permitam citar as palavras do próprio roteirista do filme, David S. Goyer:

"The Crow: City of Angels was a master class in how not to adapt a comic book. What not to do. When they approached me to do the sequel, it felt wrong to do it." 

Quando o cara que escreveu Batman V. Superman acha que uma adaptação de quadrinhos tá ruim demais, é um sinal de alerta.

Mas o estúdio estava no modo FODA-SE, eles apenas queriam um cashgrab fácil enquanto podiam, com uma recauchutagem direta sendo o que eles tinham em mente. Goyer então propos que se eles iam fazer o filme de qualquer jeito, pelo menos o protagonista pudesse ser uma mulher agora, isso manteria as coisas interessantes. Mais especificamente ainda, ele não queria apenas tascar um sósia do Brandon Lee e foda-se.




Mas o estúdio queria apenas tascar um sósia do Brandon Lee e foda-se. Mas se você ver, é por isso que todo arco inicial do filme é sobre a Sarah... para então ela ser deixada de lado e o filme passar a ser sobre o novo caboclo que morreu e o Corvo trouxe de volta para uma sessão de ultravingança. Vai vendo o tamanho do estrago.

Para ilustrar o quanto o estúdio realmente só queria meter uma graninha e correr pro abraço, eles queriam até mesmo trazer os vilões do primeiro filme dos mortos... o que pelo menos teria sido mais interessante que o bando de novos vilões genéricos. O resultado é que Cidade dos Anjos é uma continuação extremamente chata. Enquanto o primeiro pelo menos divertia pelo ar de "estou fazendo uma peça de teatro conceitual que vai mudar a sociedade e acho que estou abafando", esse tem um feeling muito mais corporativo, quase dá pra ouvir os executivos dizendo "tanto faz, faz qualquer merda aí que dá dinheiro".

E tenho que dizer que assistir o filme dublado não ajudou... "DISPARA FOGO! DISPARA FOGO" ficou realmente idiota

E se hoje isso não funciona, menos ainda com o publico da época. A percepção agora era que "O Corvo" não era mais uma obra independente de contracultura gótica para adolescentes de 14 anos, agora era uma sequencia feita por engravatados because money. E o fato do seu protagonista não ter morrido durante as filmagens (que já era filho de um ator que morreu misteriosamente durante as filmagens também) tirou muito do fator Rede TV de explorar a tragédia, que é algo que ajudou a popularizar o filme entre a garotada.

Mas honestamente, eu acho que os filmes se equivalem. O segundo filme pode ser só um CTRL+C do primeiro, mas também é verdade que os atores estão mais full investidos na coisa de pseudo-espiritualidade-iam14andthisisdeep, o que é constrangedoramente divertido de assistir, então tem isso.


Então, sim, eu classificaria os dois filmes são ruins, mas o tipo bom de ruim. Agora sabe o que é o tipo ruim de ruim? Oh, deus, o jogo licenciado do segundo filme, que é o motivo de estarmos aqui afinal. Taqueopareo, como essa desgraça não se aproveita NADA!

Vcs acham que eu estou brincando, mas eu já abro na lata dizendo que esse é um jogo da Grey Matter!

HÃ, OKAY, CYBERIA NÃO É UMA OBRA PRIMA, MAS TAMBÉM NÃO É ESSA DESGRAÇA TODA...

Não, essa é a Gray Matter! Eu estou falando da Grey Matter! ... geesh caras, quanta originalidade para nomear os seus estúdios, heim? A mesma Grey Matter imortalizada pelo clássico dos jogos tenebríveis, WAYNE'S WORLD


Mas vamos lá... quer dizer... eu nem sei bem por onde começar, na real. Suponho que falar dos gráficos seja um ponto de partida tão bom quanto qualquer outro. Então, apenas pra começar os trabalhos, olha só isso:



Jesus no Pogobol, você pode escolher se quer o visual The Warriors de baixo orçamento do PS1 ou o pior cospobre de KISS ever do Saturn. Mas tá, eu suponho que dá pra pegar leve com os gráficos de um jogo de 1997... ESPECIALMENTE PQ NÓS MAL VEMOS ELES!

Pra tentar emular o clima dark do filme (e esconder seus pixels horriveis), a Gray Matter decidiu deixar o jogo mais escuro do que qualquer coisa que eu já vi até então. Sério, tem horas que parece que o personagem está andando no limbo com alguns chãos... chões... chãoses... pintados. 

O que é realmente o caso, e nada parece bonito nesse jogo. Vocês sabem, caras, quando vcs usam gráficos pré-renderizados vcs podem fazer cenários maneiros sem isso consumir memória extra do console, não precisam ser timidos a respeito disso... 


O som, de alguma forma, consegue ser pior ainda. Isso pq se a trilha sonora é uma das poucas coisas genuinamente boas do filme, aqui você tem apenas UMA "música" que na verdade é um sample de 3 segundos que toca o JOGO INTEIRO e parece que foi gravada por equipamentos largados na garagem de alguem desde os anos 60.

Quer dizer, colocar TRES SEGUNDOS DE LOOP DURANTE DUAS HORAS DE JOGO é a definição de insanidade, especialmente em um jogo baseado em um filme que tem músicas do White Zombie e Bush. Os efeitos sonoros são tão ruins quanto, pq "Hey Clown Face!" é a única frase gravada e todos os inimigos dirão ela com a mesma voz. Eu entendo colocarem o mesmo cara pra fazer os sons de "ugh" e coisas assim em um beat'm up, mas pra que darem uma fala pra todos os inimigos do jogo com a mesma voz?

Essas mudanças de camera, bro, é dificil sequer entender de que lado você está vindo e pra onde está indo

É zoeira isso, só pode.

Agora os controles... MEUA MIGO, os controles é onde esse jogo realmente brilha. Isso pq quando eu joguei RESIDENT EVIL, eu achei que os controles tipo tanque não envelheceram bem. Aí TIME COMMANDO me mostrou que pior ainda era usar isso em um beat'm up, e PERFECT WEAPON mostrou que nada é tão ruim que não possa piorar.


Pois bem, O CROVO conseguiu a façanha de PEORAR MIL MILHÕES DE VEZES a jogabilidade de um beat'm up 3D com controles baseados em tanque, e eu sequer achava que isso era possível. Isso pq aqui o seu personagem é tão lento pra virar quanto em PERFECT WEAPON, só que ele leva mil vezes mais tempo para preparar o golpe. Sério, parece o Brasil batendo penalti contra a Croacia de tão telegrafada que é essa porra.

Mas não é só isso. Não bastasse nosso herói com osteoporose levar dois anos pra dar um golpe, a detecção de hit nesse jogo é... inexistente. Eu não to dizendo que ela é ruim, eu to dizendo que não existe. Com efeito, mais de uma vez a mão do boneco passa por dentro de outro e o jogo não contabiliza o golpe, é esse nível de não-existente que eu estou falando!



Isso, é claro, se vc tiver alguma ideia de para onde bater. Pq eu não tenho. Essas cameras estilo RESIDENT EVIL não te dão noção de angulo nenhum, vc nunca sabe quando deveria estar acertando (não que vc vá acertar realmente com essa hit detection de schroendinger) e o jogo trocando de camera pra parecer "imersivo" só torna tudo mais horrível e doloroso.

Alias, por falar em dor, tem a questão da dificuldade do jogo. E a dificuldade do jogo é bem simples: a partir do momento que aparecem armas de fogo, o jogo termina. Isso pq quando vc consegue uma arma, vc tem três tiros que mal são suficientes pra matar UM inimigo. Isso SE você acertar, boa sorte com isso. Os inimigos com armas, por outro lado, tem munição infinita, nunca erram e vc não tem invencilidade pós-hit. Ou seja, um inimigo com uma metralhadora drena toda sua vida e acabou, simples assim.


O que acontece em um jogo cujo personagem no filme é imortal, a ironia. E alias, eu mencionei que esse jogo tem tempo? Sim, um beat'm up com tempo, algo que todos amamos... se vc demorar muito o marcador do corvo no meio da tela começa a diminuir e vc fica mais fraco e toma mais dano... como se precisasse...

Uau, apenas uau... é impressionante como nada nesse jogo funciona, mas nada mesmo. Gráficos, som, jogabilidade, dificuldade... é um tipo de fenomeno isso. Parabéns a Acclaim por ter desencavado a Grey Matter da sua tumba de irrelevancia, fazer um jogo PIOR que WAYNE'S WORLD é algum tipo de recorde. Como esperado da sucessora espiritual da LJN!

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 115 (Maio de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 036 (Março de 1997)


Edição 038 (Maio de 1997)