quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

[#787][PS1/SAT/3DO] D [ou "D's DINNER" no Japão][Abril de 1995]


Okay, antes de começar eu quero dizer uma coisa, não, eu PRECISO dizer uma: meu mais sincero, honesto e verdadeiro VAI TOMAR NO CU SEU FILHO DA PUTA que decidiu chamar esse jogo de "D". Sério, vocês fazem idéia do quão dificil é pesquisar sobre um jogo chamado "D"? Vocês fazem ideia do quanto de outras coisas aparecem porque você digitou "D"? Não, é claro que não sabem.

Sabem quem eu gosto, de quem eu realmente gosto? Do cara que decidiu que o videogame que tinha o nome de projeto de "Revolution" se chamaria Wii. Sério, olha a diferença de pesquisar uma coisa pra outra... mas divago, de volta a 1995.


Agora antes de começar, eu preciso falar um pouco sobre seu idealizador Kenji Eno que nos deixou em 2007. Eno, que formou o estúdio WARP, foi um dos desenvolvedores de jogos mais prolíficos dos anos 90. Ele foi um diretor ambicioso nas mesmas linhas do Hideo Kojima ou do Suda51. A WARP fez apenas oito títulos - e apenas quatro deles chegaram aos Estados Unidos - mas a "Trilogia D" se destaca como a maior conquista de Eno. O mandato do WARP nos videogames pode ter sido breve, mas eles ultrapassariam os limites da violência e sexualidade em videogames. Além disso, Eno era conhecido por pensar extremamente fora da caixa, e por isso eu quero dizer literalmente, como um de seus jogos que vinha com caixa de camisinhas e outro com um pacote de sementes de flores. Eno e a WARP não estavam preocupados em ser convencionais.

A outra coisa pela qual era conhecido era por ser um artista... dificil. Originalmente, D teve 100 mil cópias encomendadas na pré-venda para o PS1 e isso pegou a Sony (que era a distribuidora do jogo para o console) totalmente de surpresa, fazendo com que eles conseguissem entregar apenas 40 mil cópias. Isso levou Eno a queimar pontes permanentemente com a empresa e lançar o resto dos seus jogos apenas para a Sega (obviamente que seu conteúdo jamais sairia em um videogame da Nintendo). Esse é o mesmo cara que entregaria em mãos uma versão censurada de D para a Panasonic para o lançamento no 3DO, sabendo que quando o título ganhasse a aprovação, ele seria capaz de trocar o disco pela versão não censurada, que incluía canibalismo e outros temas... menos família, vamos dizer assim. Esse é exatamente o tipo de renegado que você quer ao fazer um jogo de terror, mas como todo artista diva genial, a inovação de Eno às vezes perdia um pouco do foco.


No caso de D, por exemplo, foi originalmente concebido sem nenhuma história até que depois que o jogo estava pronto Eno inseriu os flashbacks da personagem para dar corpo aos elementos narrativos - assim como violência excessiva das cutscenes, incluindo a famosa cena de canibalismo do jogo. Tudo isso porque Eno decidiu apimentar o título para fazê-lo se destacar mais do que o seu adventure típico.

Apesar de ser socada no jogo depois que o jogo estava pronto, a história de D é interessante: do nada, sem motivo, causa razão ou circunstancia, um dos mais brilhantes e renomados médicos dos US and A surta e começa um mass shooting no hospital que ele trabalhava, fazendo diversas pessoas como refens. A policia não sabe muito bem o que fazer já que ele sequer quer alguma coisa, mas sua filha Laura se desabala até lá para tentar dissuadir o seu pai. Ao entrar no hospital, entretanto, ela é teletransportada para um... castelo medieval super creepy? 


Okay, isso é interessante. Não acho a atmosfera TÃO creepy e incomoda como MANSION OF HIDDEN SOULS, mas definitivamente tá no caminho certo. Claro, só depois de jogar o jogo eu descobri que a história foi um afterthought então não espere que ela vá ser desenvolvida ou vá para algum lugar realmente, mas o fato é que a premissa cria um clima interessante.

A comparação com MANSION OF HIDDEN SOULS não é aleatória, já que o jogo vem da linhagem de puzzles FMV que nasceu com THE 7TH GUEST nessa vibe meio de terror, meio de "que diabos aconteceu aqui", meio puzzle - genero esse que posteriormente engrossaria as raízes do survival horror assim como daria nascimento ao walking simulator como o conhecemos hoje.


Tal qual em MoHS, você anda em uma mansão creepy (ou um castelo, é dificil dizer por dentro) resolvendo puzzles e com cutscenes em FMV dando a ilusão de que você está em um ambiente 3D. Só que diferente do jogo da Sega/Vic Tokay do ano anterior, D tem menos atmosfera e charme, já que a casa em que Laura é menos um ambiente psicológico e mais um enorme jogo de escape room.

Tem literalmente quartos com spikes no teto que vão desabar sobre você ou ... pedras rolantes gigantes no estilo Indiana Jones? Boy, ver a Laura correr como o vento de uma bolotona descendo a escada não faz sentido nenhum, mas pelo menos é engraçado de se assistir. 


Mas bem, pelo menos os puzzles são majoritariamente interessantes e resolviveis em especial porque cada uma das fases do jogo são relativamente pequenas e se tudo mais falhar tentativa e erro não é o fim do mundo. Se alguma coisa, na verdade o jogo pode parecer é até curto demais especialmente no Playstation que vinha em 3 CDs para um jogo que pode ser terminado em uma hora. 

Alias ele PODE ser terminado em uma hora, mas vc precisa terminar o jogo em até duas horas ou é Game Over. Como não tem pause ou save, D obriga você a resolver esse quebra-cabeça em uma sentada só - porque Eno queria que o jogo fosse "cinematográfico", e em filmes você senta duas horas e assiste certo? Ter um relógio em tempo real pode ajudar a atmosfera de tensão até certo ponto, mas na maior parte do tempo só irrita os jogadores que toma um game over por conta disso. 


No final das contas, D funciona mais como um experimento bizarro e relíquia de um período de nicho nos jogos do que algo que é objetivamente bom. Mas serve como um showcase das as sensibilidades estranhas de Eno que seriam carregadas em em seus dois próximos jogos de survival horror - e os dois que são realmente elogiados como bons jogos.

Os flashbacks que você vai coletando pela mansão e contam como Laura ainda criança esfaqueou e comeu a sua mão é uma coisa consideravelmente pesada enquanto você junta tudo - mas ainda sim, tem uma certa classe do terror japonês que é quase mais depressivo do que assustador realmente. D é um jogo limitado, mas foi um dos primeiros jogos que realmente tentou criar horror psicológico de verdade, horror verdadeiramente maduro mesmo que não tenha sido um sucesso total. Alguns anos depois, a Konami executaria com perfeição essa empreitada iniciada aqui, ao colocar terror e desconforto genuíno no coração dos jogadores com seu Silent Hill. 

No good ending, rolam créditos com fotos da equipe trampando ao som de rock'n roll. No Bad Ending, são apenas nomes com dez minutos do som do seu sangue sendo sugado por um vampiro. Because Kenji Eno

As ideias de Eno aqui estão presas ainda em um jogo clunky, muito curto, a atmosfera não é tão boa quanto outros jogos da época já faziam e é desesperadoramente lento... mas são as sementes do que viria a ser uma das maiores revoluções da história dos videogames.


Nessa jornada nós ainda vamos chegar lá, mas D foi o primeiro vislumbre breve do que os videogames viriam a ser um dia.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 091


Edição 103 (Maio de 1996)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 022 (Janeiro de 1996)