sábado, 17 de setembro de 2022

[#976][Jul/96] TIME COMMANDO


Abrirei este texto com uma revelação bombástica e chocolática, uma que não acontece todo dia: eu admito que errei. Sim, é inacreditavelmente raro, mas eu erro também.

NÃO É TÃO RARO ASS...

Este evento único em uma geração se deu quando eu falei ontem ainda de ADVANCED DUNGEONS & DRAGONS: Iron & Blood: Warriors of Ravenloft que era uma boa ideia fazer um survival horror de Ravenloft, só mais focado no melee. Então, sobre isso...


Eu digo isso pq Time Commando é EXATAMENTE isso: alguém teve a ideia de pegar RESIDENT EVIL e pegar a engine para transforma-lo em um beat'm up. Imagine tirar a coisa da mansão, do survival horror, e pinçar só a parte da jogabilidade na forma de um beat'm up. O que, se você lembrar que a sua tank engine não é a coisa que fez esse jogo ser o que ele é, não é exatamente uma receita de felicidade...

Com efeito, Time Commando na época foi acachapado pelas revistas gringas e mesmo quem críticos. Mesmo sem esse preconceito, assim que você liga o jogo e percebe que está essencialmente jogando um beat'm up de RESIDENT EVIL vc fica com suas reservas.


Porém quando você entende que está jogando um beat'm up de RESIDENT EVIL com viagem no tempo e que isso é uma ideia tão ruim, tão ruim que não tem como ser boa. E eu quero dizer literalmente: o ponto de partida de Time Commando é que um maníaco sabotou o supercomputador do History Tactical Center com um vírus que acabou criando uma espécie de buraco de minhoca no espaço-tempo. 

Claro, você poderia se perguntar que o problema de colocar um vírus que vai destruir todo o espaço-tempo... é que você está DENTRO do espaço-tempo. Não parece um plano muito seguro a sua própria existencia por qualquer angulo que você olhe.


Seja como for é aí que você entra, um agente da S.A.V.E. (Special Action to Virus Elimination) chamado Stanley que tem que desfazer essa bagunça usando um uniforme pavorosamente sem graça. Com efeito, esse jogo lembra terrivelmente com o tenebroso TIME SLIP e isso acende todo tipo de bandeira vermelha na minha cabeça.

Péssimas escolhas de visual a parte, o que importa é que a premissa acaba realmente sendo utilizada no jogo, o que nem sempre pode ser dado como garantido em jogos, porque aqui isso se traduz em uma viagem por nove épocas da história da humanidade, da pré-história à guerra moderna, passando por Roma, o Japão feudal, o período medieval europeu, a era dos conquistadores espanhois e, é claro, o Velho Oeste.


Isso é importante porque muda não apenas o cenário mas o próprio jogo: cada época mudava completamente as armas que Stanley poderia usar e, claro, os perigos que tínhamos que enfrentar. Isso quer dizer que na pré-história você enfrenta tigres dente-de-sabre e homens das cavernas usando tacapes enquanto no futuro enfrenta robos pistolas laser, ao passo que na primeira guerra mundial enfrenta soldados usando aqueles rifles que precisava recarregar.

O maior mérito do jogo é, sem dúvida, que cada arma sente diferente na sua mão e isso faz o jogo parecer diferente - lutar com um porrete da idade das cavernas não é mecanicamente a mesma coisa que lutar com uma lança romana e você não pode deixar de considerar o quanto a guerra e as formas de matar são intrinsecamente ligados a história da própria humanidade. A tecnologia humana - o que é o reflexo da sua propria existencia - pode ser medida pelas formas de infligir violencia, e não acho que isso vá mudar algum dia.

Uau, isso é... bem mais reflexivo do que eu esperava ter jogando um jogo que é um beat'm up da engine de RESIDENT EVIL. Quem diria, hã?


Só que, infelizmente, ser o beat'm up de de RESIDENT EVIL não é apenas diversão e jogos, vem com um preço. Enquanto os personagens atuando contra uma CG pre-renderizada de cenário dá um feeling de filme gravado em tela verde dão um charme brega ao jogo, os controles definitivamente não dão charme nenhum.

A movimentação é pavorosa, a hit detection é deficiente, e qualquer um que jogou de RESIDENT EVIL por 15 segundos na vida sabe que aquela engine não é boa pra um beat'm up onde vc precisa responder rápido as ameaças. Verdade seja dita, sequer é boa pras cenas de ação do próprio de RESIDENT EVIL mas lá a gente deixa passar pelo conjunto da obra, aqui não tem muito mais conjunto da obra e estamos presos com controles tipo tanque e tempo de reação doentiamente lenta.


Com efeito, imagine jogar o tal beat'm up com engine de de RESIDENT EVIL que eu mencionei... agora imagine que o jogo não foi feito pela Capcom e sim pela Adeline Software - uma desenvolvedora de fundo de quintal que conta com apenas um único jogo produzido antes desse e apenas outros três depois. Alias que toda coisa parece ter sido feita nos fundos da garagem de alguém em um fim de semana é uma sensação bastante recorrente.

Então, uma vez estabelecida que a jogabilidade desse jogo é um doloroso e sofrido cagado nadando no esgoto, é claro que eles tem que ir e piorar a porra toda com uma decisão desgraçada. É claro que tinham, como não? 


Isso pq eles decidiram adicionar um limite de tempo extremamente apertado para esse jogo sendo esse uma barra que vai enchendo. Vc precisa coletar os microchips e deposita-los em equipamentos especificos para esvaziar a barra, se ela encher vc (e toda humanidade) são destruídos pelo vírus do espaço-tempo.

Suponho que eu não precise dizer que entre navegar nos combates desajeitados e movimentar seu boneco residentevilianamente dá uma janela de erro muito, muito apertada. Em algumas fases vc precisa coletar todos os chips, não desperdiçar um único passo sequer e ainda sim vai ser muito, muito apertado fechar o tempo nesse jogo. 


Ah, mas não se preocupe, pq se isso não fosse angustiante o suficiente um alarme de carro começa a tocar depois da metade da barra, então prepare-se para passar o jogo todo ouvindo um tom crescente de BEEP BEEP BEEP BEEP BEEP BEEP BEEP BEEP. Eu poderia continuar por mais alguma dezenas de linhas, mas suponho que você já entendeu como esse jogo é desagradavel.

Time Commando é um jogo sofrível, não tem outra forma de descreve-lo. Ele é hoje, ele já era em em 1996 quando foi relegado ao esquecimento. Eu realmente gosto da ideia de um beat'm up que usa a viagem no tempo para variar o gameplay, e eu gosto de como nosso herói não tem vergonha de meter a bocha em qualquer civil que cruzar o seu caminho (na verdade vc precisa matar todo mundo para a tela andar, incluindo mulheres e civis do passado). O que me faz imaginar se sair matando tanta gente no passado não teria efeitos borboleta no futuro... mas o que eu sei realmente das coisas?



O que eu sei, no entanto, é que esse jogo tem controles pavorosos e um sistema de tempo que tira a alegria da experiencia até a última gora. Sempre que te disserem que "tudo era melhor antigamente", lembre a pessoa que ela convenientemente está esquecendo todos os Time Commando da vida. 

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 110 (Dezembro de 1996)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 033 (Dezembro de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 013 (Dezembro de 1996)