sexta-feira, 13 de maio de 2022

[#882][MULTI] CYBERIA [Janeiro de 1994]


No final de 1993, MYST pegou todo mundo com as calças na mão ao mostrar um mundo "caminhavel" totalmente em imagens renderizadas em computador. Claro, para fazer isso MYST usou muitos truques para isso e, mais importante, é um jogo com muitos problemas com puzzles que hoje em dia seriam considerados teste de sanidade.

De qualquer forma, o que importa é que o impacto dos gráficos renderizados deu início a uma onda de profecias prevendo uma fusão de videogames e cinema. Nesse mesmo ano os jogos FMV era o assunto do momento com NIGHT TRAP, o que alimentava fantasias futuristas sobre filmes altamente interativos serem o futuro dos filmejogos. Infelizmente, a realidade é a mais feroz estraga-prazeres que existe: descobriu-se que é muito difícil equilibrar interatividade com cinematografia. É possível, mas  MUITO mais dificil do que fazer um filme e fazer um filme juntos. 


Como resultado, os jogos com alto foco em serem "filmes interativos" terminavam encalhado entre dois mundos, não era filmes bons como como filmes (por sua cinematografia amadora e orçamentos incomparáveis), e também não eram bons como jogos (devido a sua jogabilidade primitiva, quando não inexistente).

Cyberia foi um dos primeiros jogos que aprendeu essa verdade da maneira mais difícil.

Desenvolvido pela Xatrix Entertainment no final de 1993, ou seja um dos primeiros jogos a tentar surfar na "Mystmania", Cyberia de fato surpreendeu todo mundo com seus visuais impressionantes para a época. E com efeito, os cenários e objetos do jogo parecem decentes até hoje e, por mais raro que seja, até os humanos 3D são bem feitos - o que é bem raro para um jogo de 1993.

Só que para além de executar um papel de eye-candy, Cyberia não tem muito mais a oferecer. Sua história, embora tenha um conceito interessante, não evolui além da premissa básica. Um mundo pós-terceira guerra mundial serve de cenário para a história de Zak, um hacker/mercenário profissional endividado com os líderes de uma dessas facções e enviado para uma instalação científica secreta no meio da Sibéria para roubar uma arma biológica de destruição em massa desenvolvida lá sob o codinome do Projeto Cyberia.

Embora o enredo tenha algumas surpresas e até uma reviravolta interessante no final, como eu disse ele é relativamente básico - colocando de uma forma generosa. Os diálogos do jogo são mal escritos e tentam ser profundos ao mesmo tempo, a receita básica de cinematografia ruim, tipico de filme que quer discutir o papelo do ser humano na ordem natural das coisas mas nem se preocupa em transmitir as motivações dos personagens. 

Existem dezenas de cutscenes neste jogo, a maioria das quais não acrescenta nada realmente - explosões e uma grande variedade de mortes de personagens principais foram colocadas apenas como espetaculo e plot twist, mas não significam muita coisa. Personagens e construção de mundo beiram o inexistente, então de cinematográfico esse "futuro dos filmes interativos" não tem muito.


O que nos deixa apenas para analisar o jogo enquanto jogo e... bem, não tem muito disso também não.  A jogabilidade de Cyberia é dividida em duas partes distintas: walking simulator com eventual resolução de puzzles e algumas sessões de rail shootertiro em primeira pessoa. Nenhum dos dois é particularmente incrível, embora verdade que não sejam tenebrosos como outras coisas que eu já joguei nesse estilo (tipo MYST ou THE LAWNMOWER MAN).

O jogo começa no modo aventura com a câmera fixa como ALONE IN THE DARK. Só que o jogo não é um survival horror em 3D, todos de Zak são cutscenes pré-programadas para rodar quando você aperta o botão. Então você não "caminha" na direção da porta, você aperta na direção da porta e um video roda. 


Eventualmente o jogo até oferece algumas coisas diferentes para fazer, por exemplo, escolher beijar a garota no início fará com que a garota e seu chefe sejam mortos (bafão, heim amigo). Mas não acontece muito e não que isso importe: não altera o resto do jogo nem um pouco.

A parte dos puzzle é... bem, é aqueles que você vai mexendo até resolver. Deve ter uma lógica por trás, mas normalmente você acerta na tentativa e erro antes de realmente entender o reasoning. Esse jogo lembra muito THE DEADALUS ENCOUNTER não apenas por isso (é assim que os puzzles funcionam lá também), mas porque aqui também você tem tipos de sensores para usar nos puzzles: para a maioria dos quebra-cabeças do jogo você usa ressonância magnética (que é um raio-x), tem escaneamento infravermelho que é usado em apenas um puzzle e o bio-scan é… bem, nunca é usado realmente. 


Quando o enredo exige que Zak assuma o controle de algum dispositivo futurista de tiro, seja uma bateria anti-aerea ou um avião, o jogo muda para o modo de rail shooter. Quase todo miolo do jogo é assim ao ponto que você quase esquece que Cyberia é um walking simulator. Às vezes, atirar com armas esgota a energia, às vezes você não pode errar nem uma vez. Mas como o jogo tem autosaves não particularmente distantes (o que é bem raro pra essa época, kudos para eles), não é o fim do mundo.

O modo Rail-shooting é provavelmente o modo menos pior e mais funcional da jogabilidade de Cyberia. No entanto, como é um genero que eu acho muito chato (tanto que eu não escrevo sobre ele nesse blog), não adiantou muito pra mim. Pra quem goste pode dar uma visão diferente do jogo, embora eu ache quem vai jogar isso pelo rail-shooter estaria melhor servido jogando um jogo que é 100% assim, e não tipo uns 40% no meio do jogo. Ou como disse a Sega Saturn Magazine:

"RPG purists will find this too shallow and action fans will find it too dull.

Bem, pelo menos Cyberia não é um jogo arrastado. Este jogo é curto. Tipo, bem curto: eu venci em menos de três horas sem saber para onde ir, sabendo dá pra terminar em quase uma. Isso não é um deboche, tipo "ah o bom é que acaba rápido", e sim que eu realmente acho que um formato curto é o certo para Cyberia. Como o jogo nunca é incrível em nada, o jogo ser curto não dá tempo para que suas falhas realmente importem e te façam odiar ele.


No fim das contas, Cyberia nunca foi o prenúncio da sinergia entre cinema e videogame... nem sequer é um título significativo enquanto jogo. É apenas um jogo curto, falho, mas jogavel. E um bem único, embora não necessariamente pelas razões certas.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 022 (Janeiro de 1996)


Edição 025 (Abril de 1996)

Edição 026 (Maio de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 008 (Abril de 1996)