É um fato notório e sabido que eu não sou exatamente um grande expert em quadrinhos, e sequer um médio expert na verdade. Das poucas coisas que eu sei sobre quadrinhos, entretanto, é que é realmente impressionante como o Quarteto Fantástico inspira um instinto de resistencia nos fãs tão grande que eles entram em modo de batalha toda vez que uma adaptação é anunciada.
Verdade que não ajuda que essas adaptações nunca são realmente boas, mas o meu ponto é que os fãs reclamam que o material não é fiel o suficiente antes de ver sequer uma única foto da produção. Você sabe, fiel ao mesmo material de origem que tem vendido perto de números de cancelamento por uma década ou mais.
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Completamente a paizana, praticamente um ninja |
Seja como for, apesar da sua relevancia histórica inegável aos quadrinhos, o fato é que o Quarteto Fantástico não é exatamente a IP mais quente do momento, e eu nunca ouvi falar de ninguém que morra de amores pelos dois filmes feitos pela super família. O Quarteto Fantástico de 2005 e Quarteto Fantástico de 2007: Rise of the Silver Surfer foram dois filmes razoavelmente fiéis aos quadrinhos, mas tiveram um sucesso comercial e crítico bem meh e por conta disso foram pro fundo da gaveta da Fox por quase uma década.
Hmm, quem sabe talvez os fãs estejam a razão e o problema é que as adaptações do FF para os filmes não estão sendo fieis aos quadrinhos o suficiente! Você sabe, quem sabe o que precisa para fazer essa marca decolar é um filme que queira respeitar absolutamente tudo do brilhante trabalho de Stan Lee e Jack Kirby (e não se engane, essa parceria nunca foi melhor do que em FF), um que garanta que até o corte de cabelo da Sue Storm está de acordo com os quadrinhos, um que é repleto de "Flame On" do Tocha Humana e que tenha pelo menos e não menos que três "Tá na hora do pau!" do Coisa.
Se ser fiel aos quadrinhos é o segredo do sucesso, então definitivamente você não vai encontrar sucesso maior do que o Quarteto Fantástico de 1994.
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Oh boy... |
Era uma vez, os direitos cinematográficos dos personagens da Marvel Comics estavam em um estado ainda mais caótico do que estão hoje. Se você acha que a Disney tem dificuldades hoje de catar os seus personagens de volta da Sony, Paramount e alguns da Universal, então você não imagina como era antes.
As coisas eram tão loucas que antes de nossa atual era de ouro dos filmes de super-heróis, um estúdio relativamente pequeno como o alemão Neue Constantin (mais conhecido na época por História Sem Fim e que mais tarde produziu Downfall, aquele filme que gerou os memes do Hitler) foi capaz de garantir os direitos do FF por aproximadamente 250 mil dolares em 1986.
E após o sucesso do Batman de 1989, os filmes de super-heróis pareciam que seriam a grande coisa da próxima decada. A Marvel, em particular, estava salivando esperando conseguir um dinheiro gordo e quicante quando um estudio grande fizesse milhões com os direitos do Quarteto Fantastico.
O problema é que os direitos estavam com a Constantin, porém esse não era um problema realmente grande: os direitos expiravam em 31 de dezembro de 1992 e só seriam prorrogados caso a Constantin lançasse algo com essa IP. E como no começo de dezembro de 92 eles sequer tinham se coçado pra começar a fazer um filme, a Marvel estava bem de boas na lagoas de que a partir de 1o de janeiro os direitos seriam dela de novo para vender por alguns miliones.
Tudo muito bom para a Marvel, tudo muito bem... exceto que faltou combinar isso com a Constantin: dia 28 de dezembro de 1992, faltando apenas três dias para a Marvel recuperar os direitos, a Constantin começou a produção do filme do Quarteto Fantastico.
Agora, você pode imaginar que um filme feito as pressas apenas para garantir a prorrogação dos direitos não é algo que tem como dar muito certo... né, Sony?
... então, só que é pior que isso. Isso pq enquanto fazer um filme é caro, tão caro quanto é realmente lançar ele: quase metade do custo de um filme - quando não mais - vai em marketing e distribuição. Então, sabendo disso, qual é a forma mais barata de economizar ao fazer um filme?
Super simples: não lançar ele. Eu to falando bastante sério aqui, o orçamento desse filme é estimado entre 1 e 2 milhões de dolares (apenas a titulo de comparação, o filme do Justiceiro do Dolph Lundgreen teve um orçamento de 11 e não envolvia um homem de pedra laranja ou um cara que se estica como borracha) e se fosse realmente lançar ele custaria pelo menos o dobro.
Então para economizar essa grana, a Constantin nunca realmente pretendeu lançar o filme.
MAS SE ELES LANÇASSEM O FILME AO MENOS ALGUM DINHEIRO NÃO SERIA RECUPERADO, FAZENDO ESSA OPÇÃO ECONOMICAMENTE MAIS RAZOAVEL?
Normalmente, sim, é por isso que os estúdios fazem filmes em primeiro lugar, pq DÁ dinheiro. Mas não nesse caso. Isso pq a Constantin podia ter todos os defeitos do mundo, mas ele não eram estúpidos. Eles sabiam que o filme que eles fizeram no time attack em 21 dias sobre superherois com superpoderes e o orçamento de dois toblerones e duas balas Xaxá NUNCA ia recuperar esse dinheiro.
E quer saber? Eles tavam certos.
Mesmo que o orçamento e o cronograma fossem mais generosos... e mesmo que o roteiro tivesse passado por mais uma revisão do draft... o Quarteto Fantástico ainda seria um filme completamente deslocado em 1994.
O filme apresenta uma história de origem bastante fiel tanto para a equipe quanto para o Doutor Destino, atualizada apenas ligeiramente para remover a corrida espacial do início dos anos 60 e as preocupações da Guerra Fria. A única grande liberdade criativa que o filme realmente toma em relação ao Quarteto Fantástico # 1, o vilão Toupeira é substituído por “o Joalheiro”, um ladrão subterrâneo com um exército de desajustados (em vez de monstros gigantes) sob seu comando e um assustador obsessão pelo interesse amoroso de Ben Grimm, Alicia Masters.
A origem do Doctor Doom está intacta, desde sua amizade/rivalidade inicial com Reed Richards na faculdade, até sua desfiguração em um acidente científico pelo qual ele culpa Reed, até seus repetidos momentos de vilanice vilanesca no trono da Latvéria com um exército (bem, mais uma gangue nesse filme devido as sérias restrições orçamentárias) de Doombots para fazer suas paradas.
Verdade seja dita, esta é a versão mais fiel do Doutor Destino já colocada em live action... e considerando o quanto o visual dos quadrinhos não fica bem em uma adaptação 100% fiel, é provável que permaneça assim por algum tempo.
Agora, sabe qual é o principal problema de fazer o Dr. Doom 100% fiel aos quadrinhos? A mascara. Não o visual dela, e sim o fato que... bem, você já tentou falar por trás de uma máscara de metal na cara? Esse filme sim. O resultado é que o som sai terrível, abafado e inaudível.
Claro que uma produção atenciosa apenas dublaria as falas do personagem, mas... vc viu a situação que estamos aqui? Um milhão de dolares em tres semanas? Não tem dublagem, o Dr. Doom fala como se estivesse com uma panela na cabeça mesmo e foda-se.
Só que fica pior. Para compensar o fato de que você não pode ver seu rosto, ou mesmo dar entonação a sua voz, o Dr. Doom desse filme gesticula dramaticamente, enfatizando cada ponto com um aceno de mão ou apontando os dedos, como um Darth Vader italiano depois algumas biritas.
Para manter o orçamento sob controle, Johnny Storm não vira inteiramente o Tocha Humana até os momentos finais do filme, quando uma animação tosca é usada para mostrá-lo correndo contra um raio laser no espaço (não pergunte). Os poderes da Mulher Invisível foram certamente os mais fáceis de fazer, apenas um bom e velho chroma key de Chaves, porém tem que ser dito que ela tem tanto o que fazer nesse filme quanto uma personagem feminina em um manga shonen dos anos 80. Sim, Sue Storm aqui é só o interesse romantico do herói e deu pros coco, magrão.
Falando no herói, nosso Senhor Fantástico aqui se estica realmente só em três cenas e todas elas são feitas com cortes de camera bem primários, com certeza a série da Familia Addams dos anos 60 colocava efeitos melhores para fazer a Mãozinha do que o Senhor Fantástico aqui.
E se tudo é tão terrível nesse filme, dá pra imaginar como vai ficar o Coisa, né? Então... surpreendentemente, não é tão ruim quanto eu estava esperando. A maquiagem/roupa de borracha desse filme foi projetada por John Vulich e Everett Burrell, que criaram os zumbis para o remake de Night of the Living Dead de 1990. O resultado lembra bastante as tartarugas ninja do filme de 92.
É algo que dá pra chamar de bom? Assim, bom boooooom, não. Mas eu definitivamente esperava muito pior. Vulich e Burrell tambem fizeram a armadura do Dr. Doom, que ficou bastante bem fiel aos quadrinhos.
Não parece muito funcional em um ser humano de carne e osso, não, mas isso não é culpa deles realmente quando você veste alguém como um personagem de quadrinhos dos anos 60. Não deixa de ser um pouco triste, entretanto, que eles colocaram tanto esforço em tão pouco tempo em uma coisa que o estúdio jamais pretendia lançar.
Mas enfim, o ponto é que o Quarteto Fantástico não é um filme muito bom. Ou mesmo um filme médio. A pior coisa desse filme, e são várias, certamente é o seu ritmo: o filme tem uma hora e meia de duração e ao final da primeira hora ainda está no primeiro ato com toda calma do mundo... eu disse que o roteiro precisava de uma (ou várias, na verdade) revisada no rascunho, mas suponho que eu não enfatizei o bastante o quanto ele REALMENTE precisava disso.
Vamos combinar que o Quarteto Fantástico - como o nome sugere - não é o melhor material para uma adaptação de zero orçamento. Os quadrinhos de Stan Lee e Jack Kirby, aos quais eu reconheço que esse filme se esforça tanto para homenagear, eram histórias de viagens no e dimensões fantasiosas, onde o único limite era se a mesa de desenho de Kirby pegaria fogo ou não com o volume de ideias por página.
E, verdade seja dita, esse filme pode não ter tido nenhum sucesso... e não teve... mas, então, outras tentativas com 50 a 100 vezes o orçamento também não tiveram.
As coisas flertam com o inassistível sempre que o vilão secundário, o Joalheiro, está na tela, já que o filme já não tão bem escrito assim assume um tom de filme trash mesmo. Por outro lado, se você assistir menos como um longa-metragem e mais como um piloto de uma série infantil da época, olha, eu já vi coisas piores. Na verdade, eu quase quase consigo imaginar um mundo paralelo onde essa versão do Quarteto Fantástico ocupou as tardes de TV ao lado de Power Rangers.
Mas enfim, essa é a história do filme nunca lançado do Quarteto Fantástico de 1994 (estava programado para estrear no fim de semana do Dia do Trabalho em 1993, não foi, ficou para "o verão de 1994", não foi e então nunca mais se falou em lançamento), que eventualmente acabou vazando e hoje não é dificil achar completo mesmo no You Tube
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E o clássico que invisibilidade e intangibilidade são a mesma coisa, não pode faltar isso em um filme ruim |
Curiosamente, em 1993 o diretor do filme, Oley Sassone (que mais tarde declarou que ele não tem uma cópia do filme e que sequer sabia que o filme não pretendia ser lançado), deu uma entrevista ao Film Threat que hoje soa até profética: “Acho que [a Marvel] teve problemas com os produtores e seus acordos gerais não foram bons historicamente. Acho que eles precisam ir para os grandes estúdios.”
Ou, você sabe, ela própria se tornar um grande estúdio. Talvez isso funcione.
Agora sabe o que com certeza não funciona? É claro que sabe! O obrigatório jogo bosta do Quarteto Fantástico de 1997! Embora tecnicamente ele não seja baseado no filme... hey, que outra chance na vida eu ia ter pra falar sobre esse filme? Então, simbora falar do jogo...
Quarteto Fantástico foi lançado em 1997 exclusivamente para o PS1 - uma versão para o Saturn foi planejada para ser lançada mais tarde, mas foi cancelada devido ao software notoriamente difícil de programar do Saturn, ou por causa da baixa venda desse jogo, ou por causa das baixas vendas do Saturn, ou uma combinação de tudo isso... vai saber…
Como muitos personagens da Marvel, principalmente o Homem-Aranha e os X-Men, e até os dois juntos, a empresa que daria ao Quarteto Fantástico seu primeiro videogame seria a sucessora da LJN, a Acclaim. É, eu sei, eu sei... Agora por mais que as pessoas temessem o logotipo da Acclaim na era de 8 e 16 bits, suas realizações na era 32 bits conseguiram ser ainda PIORES.
A respeito do jogo em si... bem, como eu vou colocar isso... digamos que existem literalmente décadas de material para se basear na criação de um jogo do Quarteto Fantástico... e esse aqui não tem nenhuma história. Certamente um grande sinal, eu posso te dizer.
THE INCREDIBLE HULK: The Pantheon Saga pode não ser o melhor jogo do mundo, mas porra, ao menos ele tenta se basear em alguma coisa. Aqui não, você só vai de um nível para o outro, socando bandidos até chegar ao nível final e lutar contra o Doutor Destino no final. E sim, o jogo tem tanta variedade no gameplay quanto eu descrevi no paragrafo.
MAS VOCÊ NÃO DESCREVEU VARIEDADE NENHUMA
Exatamente.
Isso pq, como muitos outros jogos de super-heróis da época, Quarteto Fantástico é um beat-em-up. Não é como se não desse pra fazer um jogo bom de um beat'm up de superheróis, basta olhar para
THE PUNISHER,
X-MEN e até mesmo um jogo da própria Acclaim,
SPIDER-MAN and VENOM: Maximum Carnage são bons exemplos que dá pra fazer.
O que esses três jogos bons têm em comum, entretanto, é que são jogos desenhados em 2D, o que não é o caso do Quarteto Fantástico, pois aqui o jogo é 3D e esse é o primeiro de seus muitos, muitos defeitos. E por isso eu quero dizer que enquanto não dá pra encher muito o saco com os gráficos do jogo (é um jogo de PS1 de 97, eu dou um desconto), o mesmo não pode ser dito a respeito da programação HORRIVELMENTE PORCA desse jogo.
Freqüentemente, objetos do cenário bugam onde você pode ir, bloqueiam power-ups úteis ou até causam mortes desnecessárias. No nível dois, por exemplo, existem crateras que causam morte imediata nas quais você simplesmente não consegue definir onde pode pisar antes de cair, ou pontes precariamente finas nas quais é impossível avaliar sua posição. Acclaim em sua Acclaimcidade máxima, eu te digo!
E enquanto eu disse que ia pegar leve com os gráficos de PS1, a movimentação por outro lado... sério, olha essa movimentação da She-Hulk e me diz que alguém olhou isso e pensou "é, tá pronto pra lançar, manda bala":
Os problemas de animação podem facilmente ser deixados de lado se um jogo é divertido de jogar... o que totalmente não é o caso aqui, essse jogo é tão ruim quanto parece. Você tem três botões de ataque e três tipos de arremesso, o que soa legal em um beat'm up, mas a coisa é que acertar os coleguinhas não parece nem um pouco satisfatório - o que é meio importante em um jogo que a unica coisa que você faz é acertar os amiguinhos.
Adicionalmente, os inimigos tendem a enxameá-lo ao jogar sozinho, constantemente derrubando você sem que você possa reagir. Mas hey, a boa notícia - e o motivo pelo qual eu não realmente odeio esse jogo - é que uma das características mais impressionantes desse jogo é que você pode jogar com quatro jogadores, mesmo sozinho, com o computador assumindo o controle dos outros três jogadores.
Isso é uma coisa que eu já citei antes que mais jogos single player deveriam fazer, não é todo mundo que tem o luxo de ter outros três amigos para jogar esse jogo... ou mesmo um... deus que solidão infinita... mas enfim, sim, é bem maneiro que você possa jogar com 4 personagens mesmo sozinho e por isso eu respeito esse jogo
Claro, tem a coisa que são três personagens controlados pelo computador em um jogo ruim de PS1, então não espere muita coisa realmente. Por exemplo, seus colegas de equipe de IA comem suas vidas e os seus continues como se estivessem sendo pagos pra isso e o seguirão quando vc cair em um buraco como um bando de lemingues.
E sim, suponho que eu não precise dizer isso a esse ponto, mas se você tiver um multi-tap, quatro controles e alguns amigos, pode jogar com até quatro jogadores, o que é legal (não são muitos jogos para 4 players no console doméstico da Sony), mas quem é que teria todas essas coisas em 1997, não é mesmo?
OS AMIGOS EU SEI QUE VC NÃO TINHA...
Desnecessário, mas verdadeiro. Mas enfim, existem muitos grandes beat-em-ups de super-heróis que você pode jogar, e definitivamente o do Quarteto Fantástico não é um deles. Da programação bugada, controles ruins e movimentação estranha, não há nada neste pacote para realmente recomendar.
Para não ser totalmente injusto, a melhor coisa desse jogo é que nas telas de loading você pode jogar um joguinho bobo de corrida do Atari, que é de longe a melhor coisa do jogo. E quando o passatempo das telas de carregamento é o melhor momento do jogo... aí fica dificil, né amigo?
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 121 (Novembro de 1997)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 042 (Setembro de 1997)
Edição 044 (Novembro de 1997)
MATÉRIA NA GAMERS
Edição 023 (Outubro de 1997)