terça-feira, 9 de maio de 2023

[#1102][Set/97] ODDWORLD: Abe's Odysee


Meu primeiro videogame foi um famiclone chamado Bit System, eu ainda posso lembrar da sensação de acordar em um sabado de manhã gelado para jogar os jogos alugados do fim de semana, como MEGA MAN 3 ou SUPER MARIO 2

Após esse, com muito esforço da minha mãe eu tive um Super Nintendo por alguns anos. Eu nunca realmente tive um Playstation na época, era uma coisa muito fora da minha realidade economica. No máximo eu passava a tarde na locadora de 1 real a hora tentando filar alguns jogos, mas suponho que você possa imaginar o quanto isso limita das possibilidades de jogos - afinal é muito raro nesses lugares se jogar algo além de futebol, corrida e luta.

Eu estou falando isso pra vc ter uma noção o quão pouca memória afetiva eu tive com a geração 32 bits, mesmo o PS2 tem mais significado emocional pra mim pq foi o primeiro videogame que eu comprei depois de começar a trabalhar. Isso sendo dito, é realmente impressionante o quanto de jogos dessa época que eu não conhecia tem me impressionado - nem todos positivamente, mas o fato estou todo dia descobrindo coisas interessantes para o bem ou para o mal.


Oddworld, por exemplo, é um desses jogos que eu já tinha ouvido falar o nome na Ação Games, mas não muito mais que isso também - eu sequer sabia que genero era esse jogo. E qual não minha surpresa ao descobrir que é nada senão um puzzle-plataformer, um genero misterioso que pode tanto produzir perolas como OUT OF THIS WORLD e FLASHBACK: Quest for Identity, quanto horrores abomináveis como PRINCE OF PERSIA 2: The Shadow and the Flame e LESTER THE UNLIKELY

Seja qual for caso, entretanto, a verdade é que puzzles plataformers dificilmente são jogos indiferentes - e eis então a questão a respeito de onde se encaixa esse que é um dos últimos exemplares da espécie. É o que veremos a seguir.


Nossa história aqui, diferente de muitas outras, começa no frio e cruel mundo corporativo onde a Rupture Farms enfrentava uma crise sem precedentes. Acontece que a Rupture Farm é a maior fabrica de processamento de carne de Oddworld.

E enquanto eu posso não ser exatamente um expert em gerenciamento de megacorporações do ramo alimentício, desconfio que não tem como deixar de configurar um grave problema aos envolvidos quando a espécie que é usada para fornecer a sua carne se torna extinta. Felizmente os líderes por trás da empresa tem uma solução bastante simples para resolver a questão do fornecimento de matéria-prima: usar seus escravos como comida! Isso não soluciona todos os problemas?


... bem, realmente muitas sociedades consideram que isoladamente tanto escravidão quanto canibalismo são práticas a serem evitadas, e os dois juntos... podemos assumir que os nossos senhores corporativos aqui não são os heróis da história, vamos colocar assim.

Felizmente nem tudo está perdido, entretanto, já que todo o plano foi ouvido por Abe, um reles faxineiro da raça escravizada está prestes a virar McLanche Feliz. Agora, vc pode estar pensando que isso é um erro de design muito sério por parte dos overlords capitalistas, afinal agora que Abe sabe a verdade ele obviamente vai... hã, ele vai usar suas habilidades de... hm... levantar as mãos pra cima e correr em desespero?


Então, esse é o nosso herói e essa é a coisa importante a respeito dele: Abe não tem nenhuma habilidade realmente para lutar de volta contra seus captores, ele realmente É apenas um faxineiro. E isso é importante pq carrega para o gameplay: você não tem realmente como lutar de volta contra os inimigos. O que acaba sendo a melhor coisa do jogo, na minha opinião.

SÉRIO? TER UM PROTAGONISTA INAPTO PARA LUTAR E QUE DEPENDE EXCLUSIVAMENTE DE CORRER POR SUA VIDA SOA PERIGOSAMENTE COMO LESTER THE UNLIKELY

Essa foi minha primeira preocupação, mas felizmente eu não disse que você não faz patê dos seus captores. Eu disse que você não não ataca eles diretamente, ao invés disso você faz algo bem mais divertido: usa todo tipo de truque e gambiarra para usar o cenário a seu favor para atrair seus inimigos para infligi-los mortes mais dolorosas concebíveis pelo homem.


Sério, fazer cães selvagens alieníginas estraçalharem as tripas de escravagistas é o motivo pelo qual Miyamoto inventou os videogames em primeiro lugar, amém. Sério, poucas coisas são mais divertidas do que literalmente mandar um "lero lero vc não me pega" e lurear os escravagistas em direção a um campo minado. Fuck yeah.

E essa abordagem não apenas é REALMENTE divertida, como resolve um dos maiores problemas dos puzzles-plataformers: o combate frequentemente é uma SEM HORA BOSTA. Sério, eu odeio o combate de PRINCE OF PERSIA com a fúria de mil sóis amarelos, mas mesmo em jogos cools como BLACKTHORNE o combate suga grandes bolas de dinossauro.



Mais pra frente, isso fica melhor ainda pq Abe descobre que sua raça tem habilidades telepáticas a muito suprimidas quando seu povo foi escravizado. O que isso significa, em termos de gameplay, é que você pode emitir um mantra para controlar os inimigos - tipo tem um guarda com uma metralhadora, vc pode possuir ele e passar fogo em todos coleguinhas.

Isso não torna o jogo em um jogo de ação, ao contrário do que a descrição pode fazer  parecer, já que você não pode controlar os inimigos em qualquer tela: existem sentrys bots que quebram a sua concentração, então isso é na verdade mais um elemento das ferramentas de puzzle: tirar os guardas das telas que tem sentry bots para conseguir controlar eles é outra das coisas que você tem que macetar nos jogos.



De modo geral o jogo segue a estrutura de OUT OF THIS WORLD, em que cada tela tem um puzzle para resolver, resolvida essa tela é vida que segue - o que é um formato muito mais dinamico do que as fases enormes, repletas de backtracking e botões que abrem portas EM ALGUM LUGAR TE FODE AÍ NERDÃO PRA DESCOBRIR ONDE de PRINCE OF PERSIA. Sim, eu não sou o maior fã dos jogos criados pelo inimigo mortal, Jordan Mechner, como dá pra ver.

Porém como A Odisseia do Abelardo faz exatamente o contrário, mantendo sempre um ritmo rápido e focado mais em puzzles criativos do que apenas torrar o seu tempo como se estivesse sendo pago pra isso, aí a gente pode ser amigo. Então os puzzles começam de forma bastante simples, mas logo se tornam complexos sem nunca deixar de ter uma lógica (o que nem sempre é algo que você pode tomar por garantido em jogos dessa época), e as seções são mantidas curtas, de modo que apesar de que o jogo é FILHADAPUTAMENTE dificil, como você tem checkpoints próximos e vidas infinitas, a frustração é sempre mínima. 



E o  que torna um jogo que já é ótimo ainda melhor é que os gráficos realmente entregam o que tanta gente tentou e todos falharam miseravelmente: fazer uma versão next-gen de DONKEY KONG COUNTRY. Eu já comentei algumas vezes aqui que renderizar o jogo em computadores termonucleares e capturar as imagens para usar como sprites 2D soa mais fácil do que é fazer realmente. 

Sério, basta ver como jogos da quinta geração como CLOCKWORK KNIGHT ou SLAM DRAGON tentam esse efeito, e só conseguem um jogo de aparencia super travada e duranga pq fazer o jogo parecer que são modelos 3D mesmo é um trabalho duro. A Odisseia do Abelardo aqui, por outro lado, alia essa tecnica com a rotoscopia que já é tradicional nos puzzle-plataformer e o resultado é incrívelmente fluído e bem animado, sendo esse jogo a efetiva evolução next-gen dos gráficos de DONKEY KONG COUNTRY que tanto esperamos.




Então temos um jogo com puzzles criativos, gráficos que chamam atenção e formas divertidas de estraçalhar caras que merecem ser estraçalhados. O que poderia deixar esse jogo ainda MELIOR, você pergunta?

Bem, tem a coisa que a Odisseia do Abelardo também conta com uma quantidade massiva de conteúdo adicional. Isso pq se você não achar que tem jogo suficiente (e tem, para um jogo de plataforma ele dura algumas boas horas) apenas em resolver os puzzles necessários para terminar o jogo, ainda tem como quest opcional resgatar todos os 99 coleguinhas seus que são escravos. A ideia é bem simples: vc precisa apenas dizer "hello", depois "follow me" e então leva-lo até uma tela que tem um portal para que ele fuja. A execução, entretanto, é um pouquinho mais complicada do que isso.


Isso pq os outros mukodons não pulam ou correm dos inimigos, eles são meio lesos mesmo e isso é proposital: essa missão tem um feeling meio LEMMINGS de que você tem que abrir um caminho para o bichinho pouco intelectualmente dotado - com a diferença que você fala comandos para ele ao invés de clicar em em menus.

Alguns puzzles para recuperar todos os coleguinhas são insamente dificeis mesmo para os padrões já ridiculamente algos desse jogo, mas então considerando que tudo é meramente conteúdo opcional então tudo é fun and games, nenhuma reclamação aqui. Pelo contrário, apenas o conteúdo adicional aqui já daria um jogo todo por si próprio e isso é algo que sempre vale a pena reomendar.


É bastante óbvio que as pessoas que desenvolveram esse jogo tiveram muito cuidado e atenção em cada passo do caminho. A única coisa que realmente me incomoda é que às vezes, por causa do estilo dos gráficos, o personagem pode demorar meio segundo a mais para reagir do que você gostaria – mas esse é um pequeno ponto e raramente interfere no que você está tentando fazer, especialmente pq em um puzzle plataformer onde costuma importar mais descobrir o que fazer do que a execução em si.

Mas enfim, retomando o que eu disse no começo do texto, a cada dia que passa eu me convenço mais e mais que a quinta geração foi a verdadeira era de ouro dos videogames. Por mais que eu tenha muito carinho pelo Super Nintendo, rapaz to descobrindo cada coisa boa...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 121 (Novembro de 1997)